De nada adiantou, semana passada, o comunicado do gabinete do líder espiritual do Tibete, Dalai Lama, 87 anos, com o pedido oficial de desculpa diante da revolta de internautas do mundo inteiro com o vídeo em que o budista beija um menino na boca e, em seguida, pede que lhe chupe a língua.
Quando soube do ocorrido com o carismático religioso defensor da paz, da compaixão e da solidariedade, meu velho amigo Urtiga lembrou que o clero de Portugal, país fortemente católico, abusou de quase 4.500 crianças desde 1950, segundo uma comissão independente, ao anunciar, no ano passado, suas descobertas após ouvir centenas de relatos de vítimas.
Esses relatos têm surgido com espantosa frequência. O Vaticano anda cada vez mais pressionado a enfrentar com o devido rigor os escândalos, alguns capazes de corar rufião na zona de garimpo na Amazônia.
Ele me disse que a coisa vem de longe, não é de hoje. Que havia coroinhas nas igrejas de tudo que é canto do Brasil. Que se orgulha de ter jogado no time durante uns três anos.
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Reprodução: Redes Sociais |
Ele me contou que vestia uma batina encarnada e uma espécie de jaleco branco (sobrepeliz) sem nada especial nas missas de rotina. E bordado, em casamentos, Páscoa, Missa do galo e outras efemérides.
Tentava cantar músicas cujas letras nunca conseguia decorar, fazendo articulação bucal para fingir (feito as dublagens dos filmes no SBT). Isso quando não encaixava, por conta própria, uma letra qualquer criada ali mesmo.
Não foi a fé que o levou à prática do acólito (calma aí, não é o que parece!). Devotou-se à causa para escapar da mãe, que lhe cobrava estudar o tempo inteiro. Além disso, era um “durango” – menor carente de mesada, duro, liso – e recebia do pároco uns trocados pra comprar paçoca de amendoim na volta pra casa.
Na Semana Santa, o arcebispo era esperado para a cerimônia do "lava-pés". Antes da chegada, uma senhora com cara de nojo revisava as unhas dos meninos e avaliava a qualidade do ar conferindo, in loco, a possível existência de fungos entre os dedos dos “apóstolos”. E sempre aparecia um candidato disposto a ocupar a vaga de algum excluído por razões sanitárias.
Durante a cerimônia, o bispo jogava água sobre os pés da meninada, encenava uma lavagem numa bacia sem água nem sabonete, em seguida simulava um beija-pés, que na realidade se dava sobre o seu anel. Depois, punha um envelope na manga da túnica contendo determinada quantia (digamos, algo como 100 reais). Os “durangos kids” exultavam.
Tudo isso escorreu pelo ralo quando se descobriu que o padre da paróquia vinha pedindo a um daqueles moleques que o ajudasse a fechar as portas, diariamente, após a missa das 19 horas.
Diferentemente de quase todos os “durangos”, o prestimoso menino começou a esnobar, usando boné e tênis Conga, além de andar com cédulas de 10 no bolso.
Um dia, dois irmãos gêmeos que pretendiam ingressar na confraria dos coroinhas, porque também eram “durangos”, foram escalados por Urtiga para a missão secreta de investigar o que acontecia naquilo que, à época, chamou-se de “rito do tranca-portas”.
Os intrépidos detetives se esconderam no confessionário, perto da sacristia, ao final da última missa de uma quarta-feira. Ao verem circular na área o moleque ostentador, seguiram-no com a respiração presa, de olhos bem abertos e na ponta dos pés.
Meia hora depois, foram até Urtiga prestar contas da missão: o suspeito, na verdade, apenas ajudava o sacerdote a tirar as vestes eclesiásticas e, em seguida, cerravam as portas da casa paroquial. Nada mais.
Só agora, depois do insólito beijo do líder religioso budista do outro lado do mundo, Urtiga se deu conta de que, dois meses após a investigação, as atividades dos coroinhas foram suspensas por tempo indeterminado. Embora os gêmeos nunca mais tenham se queixado da falta de dinheiro.
Quando me relatam um caso, tim-tim por tim-tim, trazendo uma visão panorâmica de todos os ângulos e personagens envolvidos, fico com um carrapato graúdo detrás da orelha. Sei lá!
Mas preferi não esticar a conversa. Vai que meu amigo Urtiga, que até hoje não dispensa uma paçoca de amendoim, se ofende.