Pense: o que leva uma criatura a querer ser presidente de uma das repúblicas mais desiguais do mundo, em flagelo econômico-financeiro, ambiental e sanitário? A querer, não! A sonhar de olhos abertos, com dentes e unhas, em sentar-se no trono pela primeira, segunda ou terceira vez.
Seja qual for o resultado, você tem dúvida de que a manifestação da soberania popular em 2022 deverá ser questionada? Que denúncias de supostas fraudes darão origem a novas feridas sobre antigas cicatrizes e a bate-bocas intermináveis nos tribunais de sempre?
Urnas eletrônicas existem há um quarto de século e fazem parte do sistema de votação mais informatizado do planeta. A confiabilidade é boa, tanto que virou referência mundial. Já aconteceu inclusive o empréstimo de urnas a Argentina, Costa Rica, Equador, Guiné-Bissau, Haiti, México, Paraguai etc.
Mas há quem defenda o retorno do voto em papel. Um dos candidatos disse outro dia que “pretende” mudar o processo a partir das próximas eleições, com a volta das cédulas impressas que, na opinião dele, seriam mais confiáveis e abririam menos espaço para fraudes.
Ocorre que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entende que retornar ao voto impresso seria “um retrocesso, como comprar um videocassete” e que “fraude havia com o voto impresso”.
Qual é a saída? A esta altura, quase todo mundo tem a sua opinião sobre cada uma das criaturas postulantes ao cargo. Elas, no entanto, tentarão construir uma imagem que oscilará entre o que são, o que gostariam de ser e o que gostariam que os outros acreditassem que são.
Assim que o jogo – do qual você participa até quando se omite – começar pra valer, cada uma delas irá oferecer seu prato feito e tentará lhe convencer a engolir. E mais: a dizer que gostou.
Como gostar de uma comida cujo tempero básico é exercitar o dom de iludir, onde se é livre para dizer e desdizer, fazer e desfazer o que bem entender? Como descobrir o que se esconde nas palavras ditas em desarmonia com o aquilo que se sente, pensa ou faz?
Ano que vem, de novo, cada recanto da velha pátria mãe tão distraída vai se arrepiar. As praças e ruas estarão apinhadas de seguidores de variadas seitas, mascarados ou não, independente da variante viral da hora, a ruminarem sentimentos como inveja, ódio e vingança.
Millôr dizia que a diferença entre Direita e Esquerda é que um lado acredita cegamente em tudo que ensinaram, e o outro acredita cegamente em tudo que ensina. Não existe nada mais inútil do que tentar convencê-las disso, imagino.
À parte a fratura de braços e pernas que hoje quebra a nação, ela também se divide em outros dois grupos: os que desprezam o Big Brother Brasil e os que não perdem (tribo bem maior) por nada nesse mundo um dia do reality show.
Com o final da edição de 2021, me contaram que foi feita uma pesquisa envolvendo 498 pessoas cujas características (idade, sexo, classe social, escolaridade etc.) refletiriam o universo brasileiro. Apurou-se que 80,8% vivenciaram emoções indesejáveis: indignação, nojo, raiva, repúdio, dentre outras.
Mas para 60,6% dessas pessoas – números quebrados dão sempre maior credibilidade –, o melhor do jogo é poder bisbilhotar as entranhas dos jogadores, vigiados por câmeras 24 horas, sem se comunicar com ninguém ou usar qualquer outro meio para saber o que se passa fora do confinamento.
Apurou-se ainda que, se o BBB desperta sentimentos ruins, propicia também entretenimento e prazer. E quem sou eu para questionar o subsolo das emoções de nosso heróico povo.
Dito tudo isso, não seria a hora de uma mexida nas regras do jogo para as próximas eleições presidenciais? Quem sabe confinar as criaturas interessadas, por 30 dias, numa versão especial do reality show, com direito a baixarias, edredons e paredões.
Pós-graduado em Big Brother Brasil, duvida-se que um heróico e criativo povo, com seu brado retumbante, não descubra quem é quem e escolha a criatura mais interessante para subir a rampa do Planalto sob os raios fúlgidos do sol.
Não se sabe ainda quem vencerá o jogo com base nas novas regras, mas, pouco importa de que lado sopre o vento, o Centrão – outra criatura polêmica e insaciável, incrustada no Congresso Nacional – já esfrega as mãos nos bastidores. Tudo em nome da governabilidade, é lógico!