Baixinho, calvo, barriga saliente, o empresário alagoano PC Farias foi uma espécie de caixa-preta humana, fiel depositário de alguns dos mais bem-guardados segredos do esquema que chocou o País e que, em 1992, levou ao processo de impeachment e à renúncia de Fernando Collor, primeiro presidente eleito após a ditadura militar.
Tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias tornou-se a eminência parda do governo, cuidando de "sobras" de caixa estimadas pelas autoridades, na oportunidade, em cerca de um bilhão de dólares. Dizia-se que a fortuna era proveniente de uma rede de conexões, inclusive com o crime organizado internacional.
Em junho de 1993, um dia antes de ter sua prisão decretada pela Justiça, sob acusação de falsidade ideológica e de abertura de contas bancárias ilegais no exterior, PC Farias desapareceu, sumiu no oco do mundo. E não se falava noutra coisa nos bares e lares deste País.
Na mesma época, em Brasília, apresentei-me numa certa manhã à direção da Polícia Federal como o novo gerente da agência do Banco do Brasil no final da Asa Sul, a que se vinculava o posto de atendimento instalado nas dependências da corporação.
Quando comentei que vinha de Alagoas, repórteres de plantão aguçaram olhos e ouvidos como se eu fosse capaz de lhes render algum furo jornalístico sobre o paradeiro do criminoso mais conhecido e procurado do Brasil.
PC Farias viveu foragido 152 dias, despistando a Polícia Federal e a Interpol entre Paraguai, Argentina, Uruguai, Inglaterra e Tailândia, onde finalmente foi preso, em Bangcoc, disfarçado de príncipe árabe.
No imaginário popular, virou anti-herói bem-sucedido, capaz de dribles espetaculares sobre policiais do mundo inteiro.
Tempos depois, já em meados dos anos 2000, um alto executivo do BB – por sinal, também baixinho, calvo, barriga um pouco saliente – esteve em Maceió para participar de um encontro de administradores.
Na ocasião, convidado pela TV Gazeta, afiliada à Rede Globo, ele concedeu entrevista ao vivo no “Bom dia, Alagoas”, onde falou sobre produtos e serviços para governos estaduais e municipais – antecipação de receitas orçamentárias, cobrança de Dívida Ativa etc.
Tudo ia muito bem até que uma telespectadora o confundiu com um foragido da Justiça e denunciou às autoridades policiais que o elemento estava se fazendo passar por outra pessoa.
Claro, não era PC Farias, morto e sepultado com seus segredos em 1996. Mas, imagina-se, instalou-se o arquétipo no inconsciente coletivo. Tanto que, de imediato, policiais partiram no rumo dos estúdios da TV Gazeta para capturar o suposto bandido.
Chegando lá, souberam que o entrevistado fora embora. Naquele instante, ele já se deslocava para o prédio da superintendência estadual, onde definiria com outros emissários da direção geral do BB o roteiro do encontro de administradores, que aconteceria no Hotel Jatiúca, na orla de Maceió.
Mais uma vez, a Polícia não conseguiu localizá-lo. A frustração afastou qualquer dúvida de que, de fato, estavam diante de um criminoso foragido de alta periculosidade, com insuspeita aptidão para fuga de cercos policiais.
Quando os agentes da Lei cercaram o local do evento, o executivo fazia a sua apresentação com o desembaraço e a simpatia de sempre, a interagir com o público, prestando esclarecimentos sobre as novidades de sua área.
Aliás, soube outro dia que ele até percebeu um certo disse-me-disse, uma movimentação estranha nas cercanias do salão onde exibia seu powerpoint, mas seguiu adiante até concluir o trabalho e todos rumarem para o intervalo.
Durante o coffe break, o delegado aproximou-se para dar voz de prisão e algemar o suposto foragido. Foi quando o chefe da Assessoria Jurídica Regional, Dr. Adelmo “Socó” Cabral, viu o que se passava e esclareceu tudo, livrando o palestrante de prestar depoimento e até do risco de detenção para averiguações.
Refeito do susto, o elemento, meu velho e querido amigo Rogério Lot – registre-se, sem qualquer parentesco com o lendário marechal Henrique Teixeira Lott – relevou o incidente e deu asas a seu afiado senso de humor.
Ao chegar ao carro que o levaria ao aeroporto, orientou o motorista – que a tudo assistira – com sua voz marcante de locutor de rádio:
– Acelera que estamos em cima da hora! Se tiver alguma blitz no caminho, não pare de jeito nenhum, tá? Vai que a polícia muda de ideia antes do embarque...
E nunca mais voltou a Maceió, tida como o Paraíso das Águas ou o Caribe Brasileiro.