Postagens

Chatice tem cura

Imagem
Ninguém discorda de que hoje em dia anda muito chato ver futebol, tanto nos estádios quanto pela TV, principalmente depois que apareceu o árbitro assistente de vídeo (VAR, em inglês), que busca justiça no resultado sem tirar a graça do esporte, mas que joga água fria na fonte primária de onde emana o calor do jogo: o grito de gol, agora solto em duas parcelas. Sei que muito dessa chatice tem a ver com o reduzido número de gols por partida. Também com o fato de o jogo ser paralisado a todo instante por conta da evolução física dos atletas e pela mistura de covardia e vaidade do árbitro, a recorrer à cabine do VAR mesmo quando convicto de lances óbvios. Claro, ele precisa de exposição midiática "espontânea" onde antes não havia. Foram transformados em totens de "merchandising" e o anunciante cobra com razão a visibilidade de sua marca. Gols não deveriam ser escassos. Se a dose certa de adrenalina provoca êxtase, ninguém deveria ficar satisfeito com escore aba

Papo reto

Imagem
Era o próprio coronel Amaral, ex-secretário de Segurança Pública de Alagoas, que,  no final do século passado, já  se dizia adepto do discutível lema “bandido bom é bandido morto” ou “ direitos humanos só para humanos direitos”. Ai de quem duvidasse disso! Conheci-o em meados de 1995. Acompanhava numa audiência,  que me solicitara no dia anterior,  seu velho amigo oficial da reserva do Exército, coronel Humberto Bezerra, sócio-proprietário e então presidente do BicBanco, credor de várias operações vencidas em nome de prefeituras alagoanas. Embora o Banco do Brasil fosse responsável pelo pagamento  do Fundo de Participação dos Municípios – por ordem do Tesouro Nacional –, esclareci que não seria possível retirar das contas das prefeituras os valores em atraso sem expressa autorização. Mas me dispus a orientar nossos gerentes para que tentassem convencer os prefeitos a renegociarem as dívidas atrasadas. Satisfeito com o desfecho da audiência, o coronel Amaral fez questão de regist

Fantasmas não existem

Imagem
Nomes agora não vem ao caso, mas tudo aconteceu ali na metade de 2002.  Minha secretária sentiu-se aliviada quando lhe pedi que passasse a ligação telefônica de uma mãe desesperada, a dizer que só faria uma denúncia gravíssima se falasse diretamente com o diretor. – Bom dia, posso ajudá-la? – Não acredito! É o senhor mesmo? – Claro. Pode falar, por favor. – O senhor sabia que meu filho está perdendo o emprego porque é negro? – Isso é muito sério. Conte mais, por favor. – Ele é bom filho, estudioso, inteligente, mas trabalha no meio de gente metida a besta... Sofre muito. Sabe que vai ser demitido. – Qual o nome completo dele? Vou ver o que está acontecendo e falo de novo com a senhora ainda hoje. – Moço, me ajude! Meu filho não pode perder esse emprego. A gente é pobre, ele é nossa esperança... Vi que se tratava de funcionário no último mês do chamado estágio probatório de 90 dias – processo que visa aferir se a pessoa aprovada em concurso público possui aptidão e

O mito Miguel Arraes

Imagem
Sufocada por dívidas, a Usina Catende teve sua falência decretada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco em 1995, agravando ainda mais o quadro de miséria instalado na Zona da Mata nordestina, com o fechamento de diversas unidades nos anos 90. O então governador Miguel Arraes, preocupado com sinais iminentes de convulsão social numa das regiões mais desiguais do país, telefonou para o presidente do Banco do Brasil, Paulo César Ximenes, a quem pediu para que a instituição, como maior credora bancária, aceitasse ser representante do síndico da massa falida, única forma que enxergava de recuperar a velha fábrica de açúcar. ”Tudo bem, governador, se é pra tentar manter viva a usina e preservar centenas de empregos, vamos em frente, mas que fique bem claro: não podemos mais emprestar nenhum centavo de dinheiro novo!”, teria dito Ximenes. Conheci Miguel Arraes de Alencar alguns meses depois, no início de 1996, quando cheguei em Pernambuco para trabalhar na superintendência estadu

Mitos também vacilam

Imagem
Em maio de 1997, naquele cipoal de problemas em que se debatia a agroindústria canavieira em Pernambuco, no final dos anos 90, foi feito um acordo inédito na Zona da Mata Sul, envolvendo Banco do Brasil, Ministério de Política Fundiária, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Usina Central Barreiros S.A. e Cia. Açucareira Santo André do Rio Una. O desfecho, porém, poderia ter sido bem melhor. As duas usinas do Grupo Othon Bezerra de Melo eram responsáveis por dívidas atrasadas no montante de R$ 16 milhões e, depois de longa conversa, toparam pagar a conta cedendo sete mil hectares de terras, a maior parte com canaviais desde 1885, ano da fundação da Central Barreiros, ou, quem sabe, desde a época da Carta de Doação da capitania de Pernambuco, assinada em 1534 por D. João III, em favor do capitão donatário Duarte Coelho, que se destacara nas campanhas lusitanas na Índia. Cinco mil hectares seriam repassados para o Ministério de Política Fundiária – que co

Doidice de menino

Imagem
Toda vez que perguntei a uma criança o que ela gostaria de ser quando crescesse, quase sempre ouvi respostas parecidas: advogado, médica, engenheiro, professora, policial. Natural que fosse assim. Afinal, são atividades ainda com certo glamour por envolver doses de heroísmo, vida e morte, justiça e liberdade, ensino e aprendizagem. Mereceram até grandes filmes como “A Sociedade dos Poetas Mortos”, “Patch Adams - O Amor é Contagioso”, ”A Ponte do Rio Kwai”, “Tempo de Despertar”, “12 Homens e uma Sentença”, “Cabo do Medo”... Quando alguém dizia que gostaria de ser bancário, eu desconfiava: a bem da verdade, queria ser como o pai, o tio ou o primo. Virou profissão tão sem graça que está em processo de extinção e até hoje nem novela de TV foi feita tendo bancário como protagonista. Claro, não estou falando do mercado financeiro em si, que inspirou os ótimos “Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme” e “O Lobo de Wall Street”. Afora meus primeiros anos de vida, quando disse a minha mãe

Manias de uma paixão

Imagem
O grande Graciliano Ramos (1892 – 1953) pisou na bola em sua crônica  “Traços a esmo” , de 1921, publicada em “O Índio”, jornal do Agreste alagoano, ao profetizar: “... O futebol é uma moda fugaz; vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha que não durará um mês...” Monstros sagrados que surgiram por aqui na segunda metade do século passado –  Pelé , Garrincha, Didi, Tostão,  Carlos Alberto , Gérson, Rivellino, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Zico e outros – destruíram sem dó a profecia de Mestre Graça e me fizeram até sonhar ser como Roberto Dinamite, maior artilheiro da história do Vasco da Gama. Mas uma miopia acentuada, o início do curso científico (2º grau do ensino secundário) e o primeiro emprego, aos 16 anos, cuidaram de sepultar na origem o meu delírio.  Minha cabeça, no entanto, já havia sido feita pelas transmissões esportivas da "Rádio Globo", da TV Bandeirantes e TV Educativa, e pelas matérias da revista "P

Não deu, Elis

Imagem
Nunca fui de lamentar sonhos frustrados. Meu maior temor nunca foi de fracassos pontuais no dia a dia, mas de conquistas que não fizessem muito sentido para mim ou para quem estivesse a meu lado. Na segunda metade de 2014, a turma que trabalhava comigo na diretoria de marketing do Banco do Brasil (Avelar Matias, Delano Valentim, Fernando Vieira, Gissanne Alves, Hugo Paiva, Márcia Veloso, Michele Domingues, entre outras pessoas) havia recebido a encomenda de criar algo na linha do chamado marketing de experiencia, direcionado ao segmento de alta renda do eixo Rio-São Paulo.  Esse tipo de evento tem sido uma das principais estratégias das marcas que pretendem criar vínculos mais sólidos com seus clientes. A ideia é estabelecer conexões emotivas, o que vai muito além da obrigação da satisfazê-los com produtos e serviços. É preciso oferecer algo que dinheiro nem sempre pode comprar como, por exemplo, jogar tênis numa manhã de sábado com Gustavo Kuerten (Guga), um dos maiores

Crepúsculo de mitos

Imagem
Ele ajeitou o nó de minha gravata com aquelas mãos delicadas de quem nunca na vida pegou em cabo de foice para descascar coco verde ou trocar pneu com parafusos apertados, deu três tapinhas na lapela de meu paletó e, com sua voz quase inaudível, profetizou: “você vai se dar muito bem na Bahia!” “Eu tinha certeza de que o senhor iria gostar dele. É uma de nossas promessas e mereceu ser nomeado superintendente na Bahia”, disse o então presidente do Banco do Brasil, Andrea Calabi, que, junto com o diretor Marcelo Teixeira, estava comigo naquela visita ao todo-poderoso do Congresso Nacional, ao meio dia de quinta-feira, 20 de maio de 1999. O senador  Antonio Carlos Magalhães (1927 – 2007)  virou-se para mim e encerrou a conversa em tom de paz: “... e ainda dizem que sou político; político é seu presidente, está vendo?” Ao chegar a Salvador na segunda-feira para assumir o cargo ,  recebi logo cedo dois telefonemas: dos gabinetes do governador César Borges e do prefeito da Capital,