Corações indomáveis
Quando menino, tinha medo de almas. Não de “anjinhos”, como se dizia no Sertão paraibano, onde todo ano centenas de crianças eram enterradas antes dos sete anos de idade. A diarreia e a subnutrição deixavam-nas só ossos, olhos e orelhas. Não corria esse risco. Filho de bancário, dispunha o suficiente para viver sem assombrações. Medo, mesmo, só de almas penadas de adultos. Fui daqueles que viviam com o nariz escorrendo pelas calçadas das ruas onde morei, nu cintura acima, procurando o que aprontar enquanto não estava comendo, dormindo ou na escola. Ser um de nove irmãos de uma família remediada me deu o bônus (e o ônus) da quase invisibilidade perante uma mãe espremida por afazeres domésticos. Álbum de família Não sei de onde vinha o medo. Sei que, toda noite, antes de pegar no sono, tremia debaixo do lençol numa rede. No quarto iluminado apenas pelo luar, implorava aos céus que não me aparecessem com seus inconfessáveis propósitos. Mas nunca esbarrei em almas nas madrugada