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É, agora ela vem!

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Faz parte do imaginário coletivo de Pindorama acreditar que constitui uma nação de 200 milhões de almas abençoadas, acolhedoras e cheias de graça, vivendo num paraíso miscigenado e igualitário. Pensar diferente soa impatriótico para alguns, seja lá o que isso signifique. Nos dias atuais, então...    O culpado disso talvez seja o cidadão que compôs  País Tropical  na virada dos anos 1970, ufanista homenagem a carnaval, clima, futebol e até ao Cristo Redentor de braços abertos numa época nada redentora em que se enaltecia um povo ordeiro e inteligente, filho de uma pátria-mãe bonita por natureza, com um futuro maravilhoso.    Reprodução/Redes Sociais Hoje, sei não... Ainda que circulem nas redes sociais vídeos exaltando a inteligência e a criatividade do povo, com seu jeito macunaímico de ser, capaz de encontrar soluções simples para os problemas mais complexos. E o desfecho é sempre o mesmo: “Agora a NASA vem!”    A menção à agência espacial norte-americana, claro, reporta-se a uma inte

Filhos e pais

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Meia hora antes da virada do ano-novo, no trajeto do Aeroporto do Galeão à Zona Sul do Rio de Janeiro, um motorista de aplicativos transporta um velhote simpático, franzino, calvo, que conta uma história curiosa. Diz que, durante o voo, uma mulher escolhe uma forma inusitada de revelar ao marido que está grávida. O anúncio é feito pelo piloto do avião.   “Gostaria de parabenizar o passageiro da poltrona... pela informação sobre a gravidez de sua esposa, inclusive quanto à possibilidade de gêmeos”, disse o piloto.   A notícia rende aplausos dos demais passageiros e espanto do futuro pai, que recebe do comissário de bordo cópia do laudo do exame feito por ela. Os bebês, segundo o marido, surgem dois meses após a tristeza de um aborto espontâneo.    O velhote, sentado na poltrona ao lado do casal, puxa conversa invocando um provérbio popular: “Benditos aqueles que conseguem dar aos seus filhos asas e raízes”. Pretexto para propor a eles que ajudem seus rebentos a terem a cabeça nas nuvens

Deus nos livre

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Nos desencontros de opinião numa longa convivência, a pergunta que não cala, com sua inescapável conjunção alternativa: “você quer ser feliz ou ter razão?”    Tenho um amigo que diz não entender a sem-cerimônia com que uma pessoa, às vezes acompanhada, resolve passar alguns dias na casa de outra, compartilhando a hora de dormir, de acordar, de comer e até de certas intimidades como falar sozinho, coçar os ouvidos ou fazer palavras cruzadas.    Diz ele que não confia em quem usa o banheiro alheio, mesmo no aperto. Jura que nunca fez coisas mais substanciosas em locais públicos como aeroporto, estação rodoviária, posto de combustíveis e restaurante. E vive repetindo: “viajar é bom, mas voltar pra casa e sentar no próprio trono não tem preço!”   Imagem: Dedé Dwight   Para algumas pessoas, a vida é leve, descomplicada. Para outras, como o meu amigo, tudo é problema, em maior ou menor escala. Elas são capazes de ir ao trabalho mesmo corizando, com febre, nunca dão o braço a torcer. Sabem qu

Não deu, rapaz

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Preocupada comigo, Dona Eudócia, minha mãe, perguntou-me nesta segunda-feira, bem cedinho: “Quem é esse rapaz que faleceu?”    De futebol, ela mal reconhece Pelé. Mas tinha acabado de ver um  post  nas redes sociais em que minha mulher aparece ao lado de nosso ídolo, Roberto Dinamite. O “rapaz”, que se tornou sinônimo de gol e um dia até me fez sonhar ser jogador do Vasco da Gama, virou lenda. Aos 68 anos, tombou – guerreiros não morrem, guerreiros tombam – na manhã de ontem.    Não aconteceu o que sonhei, no começo do ano passado, quando aqui contei – veja mais adiante – do dia em que conheci quem me fez amar mais intensamente o futebol. Minha mãe agora sabe disso.   Não deu, rapaz. Tem muito tempo que não choro.    Golaço de ombro   Mal começa o ano e Roberto Dinamite, com o rosto pálido, olhos sem brilho, anuncia o início de tratamento para tentar derrotar tumores no intestino. E na onda de solidariedade que se forma, aparece Zico, no Instagram: “Bob, amigo... Você sempre foi um gue

Pode dar certo, entende?

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Quase tudo já foi dito sobre Pelé desde quinta-feira passada, quando nos deixou. Felizmente, sua obra está registrada em narrativas audiovisuais, escritas e orais. No dia seguinte, uma nordestina, negra, defensora das causas LGBT, foi escolhida para ser presidente do Banco do Brasil. A paraibana Tarciana Medeiros é a primeira mulher a ocupar o cargo em dois séculos de história da instituição.   O que uma coisa tem a ver com a outra? Aparentemente, nada! Mas  ao reler a crônica adiante, aqui publicada há mais de dois anos (em outubro de 2020), vi que o desfecho contém algo premonitório: um choque de diversidade e inclusão. Vai ver o Rei, sabiamente, já começou a marcar seus golzinhos no Céu, buscando reduzir desigualdades atávicas aqui na Terra.   Não ia dar certo, entende?   Na live “Pelé, 80 anos” apresentada outro dia pelo site UOL Esporte em homenagem ao aniversário do Rei do Futebol, o jornalista Cláudio Arreguy contou uma história deliciosa de como o mundo esportivo quase foi víti

Coisas profundas

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Duas semanas antes do Natal de 1995, tia Ritinha (era assim que a chamavam) me contou que ouviu um barulho estranho na porta de casa, por volta das nove da noite. Foi até lá e deu de cara com dois desconhecidos. Preocupou-se com eles: — O que cês tão aí no sereno? Entrem que a friagem não faz bem.    Quase cega pelo avanço da catarata,  88 anos, ela tocava a hospedaria (com a ajuda de sua única neta) num casarão antigo cujo quintal dava para um rio temporário onde restavam apenas algumas poças barrentas sobre o leito de areia, capim seco e pedras, no Sertão pernambucano. Para cortar caminho até a praça da matriz, os moradores da cidade atravessavam o casarão, de porta a porta.      Mário Édson (@meatelierdafotografia) Sua neta, cerca de 30 anos, baixinha, simpática, tinha compulsão de limpeza e não podia ver uma coisa fora do lugar. Fora criada pela avó. Perdera a mãe havia muito tempo numa rara enchente do rio, ao tentar atravessá-lo pouco antes de uma tromba d’água que devastou em qu

Cobras, lagartos e mercadores de ilusões

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Não entendo quase nada de marketing. Portanto, as considerações a seguir são feitas por um aprendiz esforçado e metido, jamais um craque no assunto. E creio que minha condição é partilhada pela maioria de vocês. Feito torcedores de mesa de sinuca, temos teorias que julgamos perfeitas, mas, com o taco nas mãos, o buraco é mais apertado.   Na busca por notícias na internet, esbarro a toda hora em links que atiçam a mais elementar carência dos seres vivos: a busca pelo bem-estar. Surgem mais ou menos assim: “Esta fruta poderosa pode fazer sua glicose baixar para...”, “Falhando na hora H? Isso pode te ajudar...”, “Sofrendo com zumbido no ouvido? Temos a solução...”  “Uma dose todas as noites para ter uma próstata de criança...”.   A captura da suposta necessidade dos internautas acontece com o uso dos chamados  cookies  (arquivos que os sites hospedam em computadores e celulares, indicando que o usuário já navegou sobre determinadas páginas da rede). É a técnica chamada de  retargeting  (e

Só um cafezinho, vai...

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Não sei de você, mas, para mim, um cafezinho após o almoço tem o atributo mágico de arrumar as gavetas internas onde guardo minhas conquistas e frustrações. Põe cada pedaço no seu devido lugar, separando frios e quentes, doces e amargos, rígidos e flexíveis, antes do cochilo dos desocupados.    Ilustração: Dedé Dwight   Outro dia me apareceram uma tontura e um zumbido nos ouvidos. O médico me tranquilizou dizendo que possivelmente se tratava de “um transtorno vestibular”. Achei que estivesse de gozação, dado que o último concurso do tipo em que me meti tem quase meio século. Mas ficou claro, logo depois, que falava de um conjunto de pequenos órgãos dentro do ouvido interno (sistema vestibular), responsável inclusive pela manutenção do equilíbrio do corpo. Da mente, nem se atreve!    Confirmado o diagnóstico com exames complementares, o médico me encaminha a uma fisioterapeuta para fazer "reabilitação vestibular". Ela, então, de primeira pontua que seria muito importante para

Bolas de Natal

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Andam de mãos dadas pela primeira vez a Copa do Mundo e o Natal. Só os deuses do futebol (e os anjos das cabines de VAR) sabem aonde isso vai dar, inclusive para alemães, belgas, dinamarqueses, espanhóis e uruguaios, que já ficaram pelo caminho. Algumas imagens têm lugar cativo na tela da memória de milhões de crianças   que, ao redor do planeta, amam uma bola de futebol acima de todas as co isas.      Há muito tempo, ao ganhar  de presente de Natal minha primeira bola,  senti pelo peso do embrulho – com disfarçada frustração –  que não era daquelas de couro com câmara de ar em que se passava sebo nos pontos para protegê-la da água, da lama, dos arranhões no campinho de terra batida ou no calçamento da rua.   Ilustração: Dedé Dwight Era de plástico (vinil). Doía quando batia nas costelas, na barriga ou nas  coxas, sem falar de outras partes em franco desenvolvimento. Corri  pelas calçadas da imaginação encarando adversários, tentando fintá-los, um a um, até a esquina.   Finta é aquele