Vários torcedores alagoanos comemoravam a conquista na Praça dos Martírios em junho de 1970, em frente ao Palácio do Governo, quando o governador Lamenha Filho, entusiasmado com a vitória e com o “carnaval” fora de época, abriu mão da homenagem que iria receber — daria nome ao estádio em reta final de construção no Trapiche da Barra — e decidiu ali mesmo batizar a obra reverenciando o melhor jogador do mundo: estádio Rei Pelé.
Meu pai e eu, aos 12 anos, pretendíamos assistir ao jogo de abertura do novo estádio "ao vivo e a cores, sem direito a replay", como se dizia naquela época. Contávamos os dias que faltavam para ver de perto o rei do futebol, mas isso acabou não acontecendo. O dinheiro que seria gasto com as entradas foi utilizado no sustento da família — pai, mãe e nove filhos.
Pelé, claro, não sabia de nada.
Além dele, perdemos a oportunidade única de ver em ação craques como Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Cejas, Djalma Dias, Joel Camargo, Ramos Delgado e Rildo, todos com passagem pelas seleções de Argentina ou Brasil.
Em menos de dois anos (maio de 1972), meu pai partiu sem nunca ter visto de perto Pelé. E eu só fui conhecê-lo em junho de 2013, na área nobre multiuso do Estádio do Morumbi, em São Paulo, quando do lançamento do projeto Brasil... um país, um mundo, exposição itinerante de acervo de peças históricas, como camisas usadas em jogos oficiais, troféus, medalhas e chuteiras, que passaria pelas 12 cidades-sede da Copa do Mundo 2014.
Pelé, mesmo sem coroa, naquele dia entrou no salão de forma soberana, atraindo para si todas as atenções. Havia certo alvoroço, barulho surdo e confuso, onde várias pessoas falavam ao mesmo tempo, mas em voz baixa, com todo o respeito. Ali estava um herói na acepção da palavra, alguém que mudou o rumo da história de sua nação e será sempre lembrado por seus feitos.
Tanto pelo Santos FC, onde conquistou todos os títulos possíveis — estaduais, nacionais, sul-americanos, mundiais —, como pela Seleção Brasileira, pela qual é até hoje o único atleta três vezes campeão do mundo, em 1958, 1962 e 1970. De quebra, ninguém conseguiu marcar quase 1300 gols em pouco mais de 1300 partidas, números que traduzem quem foi o Atleta do Século 20 de todos os esportes, segundo o jornal francês L'Equipe.
Até nos Estados Unidos, em seu último contrato profissional com o New York Cosmos, entre 1975 e 1977, ele atraía todas as atenções. A ponto de um certo senhor grisalho, ao recebê-lo na Casa Branca, ter a humildade de reconhecer: “Muito prazer, eu sou Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos. Você não precisa se apresentar. Pelé todo o mundo conhece.”
Nem tanto, Mr. Carter! Eu era parte de “todo o mundo” e, como muita gente, nem sequer havia chegado perto dele. Por isso, aproveitei alguns minutos de sua atenção naquela manhã de terça-feira no Morumbi para, numa rápida conversa ao pé do ouvido, contar o que acontecera comigo e meu pai em 1970, quando não pudemos vê-lo atuar em Maceió com a camisa branca mais famosa do planeta.
Pelé, óbvio, nunca soube de nada.
Reencontramo-nos no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, no final de 2013, na abertura oficial da exposição Brasil... um país, um mundo, em Brasília.
Pelé já sabia de tudo. Como se fosse um velho amigo, o rei me trouxe uma versão nova, autografada, do manto sagrado com que encantou plateias pelo mundo afora, que guardo comigo para o resto da vida. Afinal, como dizia o falecido craque húngaro Ferenc Puskas, “o melhor jogador de todos os tempos foi Di Stefano; Pelé não era deste mundo”.

Eu bem queria tê-lo a meu lado quando estive com Pelé! Teria sido perfeito. Mas a vida, que sempre faz da gente o que bem quer, quis de outro jeito.
A veracidade dos fatos transforma a crônica em registros históricos. Parabéns.
ResponderExcluirQue beleza de história Hayton!
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
São coisas que nos marcam pra sempre... ah, e eu nem assisti o final da copa de 70, me fizeram ir para um curso que durou o domingo todo...rs
ResponderExcluirBela crônica. Viva e fluida. Parabéns.
ResponderExcluirMais uma pérola, Hayton!
ResponderExcluirParabéns pelo relato 🙏 história linda e emocionante tendo como personagem nada mais nada menos que o verdadeiro Rei do Futebol.
ResponderExcluirImpressionante como esse texto me fez viajar em um tempo onde nem era nascido �������� Parabéns pela bela crônica
ResponderExcluirParabéns por nos contar esses fatos! Maravilha!
ResponderExcluirMaravilhoso, pungente e profundamente humano. São as voltas que a vida dá. Que no arrudeio nada é mais o mesmo.
ResponderExcluirQuem de nós, Ricardo, não teve alguém que gostaria que estivesse conosco nesses momentos especiais. Acaba ficando apenas com aquele gostinho de que faltou um pedaço. É a beleza da vida em suaves prestações diárias.
ExcluirComo corintiano, apenas lamento as maldades que ele fez por tanto tempo com meu Timão. rsrsrsrsrsrsrs
ResponderExcluir"Mas a vida, que sempre faz da gente o que bem quer, quis de outro jeito".
ResponderExcluirSEM MAIS...
Pelé é eterno porque todos nós subimos para cabecear aquela bola. Cada um vivendo seus próprios dramas particulares, nossa glória era coletiva e abençoada por ele. Crescemos, perdemos, ganhamos, sorrimos e choramos nos intervalos de seus socos no ar.
ResponderExcluirAlguém que escreve isso tem a obrigação de se identificar. Merecemos todos nós conhecer o poeta.
ExcluirHahahahahahaha
ExcluirDescobri e dou crédito ao poeta das imagens: Dedé Dwight. Aquele cuja fotografia inspirou a crônica “Afinal, por que ainda sorrimos?”, publicada em 14/03.
ExcluirGrande Amigo Hayton, Era 21.06.1970, tinha 11 anos e assisti ao jogo em Porto Alegre-RS, na televisão preto e branco da sala. Bons tempos aqueles. Quanto ao Pelé, sem comentários. Como dizem, é de outro mundo. Mais uma bela crônica. Parabéns novamente.
ResponderExcluirTio Hayton, sem palavras sequer para comentar tão primoroso texto. Das elocuções caligrafadas, emergem sentimentos que, tenho certeza, remontam à época em que ocorreram os fatos narrados. Enfim, simplesmente encantada com as histórias compartilhadas aqui no seu blog. Parabéns e continue nos presenteando com seus textos. Bjão
ResponderExcluirObrigado, Cillinha. Hoje as sobrinhas curtem. Amanhã, se Deus quiser, será a vez dos netinhos acharem graça dessas histórias do século passado.
ExcluirMaravilhosa a sua crônica e de uma simplicidade que torna a linguagem nossa amiga.
ResponderExcluirChorei pela sua alegria e a felicidade de ter conseguido o que pouquíssimos de nós conseguiu, por mim que sou chorão e pela asência de seu pai nesses grandes momentos seus.
Hoje Pelé voltou ao Brasília com uma crise renal, mas muito lindo e poderoso. Nosso Rei!!!
É isso aí, Marcos! Tomara que Pelé recupere e saia dessa o mais breve possível. Tomara que os brasileiros, sobretudo os mais jovens, reconheçam o protagonismo histórico dele ainda em vida. Como diria o sambista, depois que ele se chamar saudade... só precisará de prece e nada mais.
ExcluirSem palavras... A vida como ela é.
ResponderExcluirExcelente, Hayton! Mais um para a coleção dos textos saborosos!
ResponderExcluirPôxa!! Essa me deixou sem palavras, meu Amigo.
ResponderExcluirAssisti ao jogo inaugural do estádio Rei Pelé (Trapichão). O detalhe é que Pelé não voltou para o segundo tempo, viajando de imediato para São Paulo onde tinha um compromisso.
ResponderExcluirTalvez por isso, vez por outra, querem mudar o nome do estádio. Primeiramente, para Zagalo; agora, para Rainha Marta.
Mágoas à parte, Pelé merece todas as homenagens pela projeção que deu ao Brasil.
Parabéns, Hayton, por mais uma crônica com quem fez história.
Um abraço do Orlando.
ResponderExcluirPelé e Roberto Carlos, externos reis brasileiros que nunca perdem a majestade. Parabéns Hayton por saber levar grandes lembranças à tona.
ResponderExcluirCorreção: eternos reis
ResponderExcluirSó faltou Reginaldo Rossi, o rei do brega, pra fechar o triunvirato real. Não houve tempo.
ResponderExcluirExatamente.O trio maravilhoso de grande personagens na história do Brasil
ResponderExcluirBela crônica. Feliz os que viram o que vi em Pelé. Ficou marcada na historia aquela foto do Rei com a camisa da selecao em 70, suada, formando no peito, a marca de toda sua vida, em diadema de amor ao futebol: um coração suado. Ler essa crônica traz-me à memória inúmeras imagens da lenda, que era carinhosamente chamado de "Ele" pelo saudoso narrador Walter Abrão. Parabéns pelas histórias e privilegio8de ter estado, com o seu pai, ao lado do Rei. Quem pode dizer que nao ?
ResponderExcluirBeleza, Marcos! Ao recordar o saudoso Walter Abraão você me fez lembrar das transmissões do não menos saudoso narrador Geraldo José de Almeida, falecido em 1976, que usava expressões capazes de nos transportar para a beira do campo. Ao ver um lance mais espetacular de Pelé, dizia: “que bola-bola!”. Em qualquer jogada mais perigosa perto do gol, apelava: “por pouco, muito pouco, pouco mesmo”. E ao narrar um gol, gritava pedindo aos telespectadores: “olha lá, olha lá, olha lá no placar!”
ResponderExcluirIssoooo!!
ExcluirQue histohis Hayton! Gostei demais de saber desses fatos! ParabenP
ResponderExcluirExcelente Texto, como sempre, a história traz vida, reflexão.
ResponderExcluirGosto demais qdo vc escreve sobre sua vida.
ResponderExcluirDetalhadamente perfeito.
Hayton é um cronista da realidade e da verdade (não cria fatos)
ResponderExcluirTeclei inadvertida e antecipadamente.
ResponderExcluirSeu admirador explícito!
ResponderExcluirMeu caro Hayton, eu assisti esse jogo, na época estudava em Palmares PE, a 120 kms de Maceió. Abraço.
ResponderExcluirMeu nome, comentário acima: Wilson Ferreira Teles.
ResponderExcluirUm privilégio!!!
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