Apesar de Trump, os Estados Unidos continuam sendo o principal destino dos brasileiros que vão morar fora do país, por conta de oportunidades de emprego, segurança, qualidade e estilo de vida. Um milhão e meio deles vivem por lá, dos quais metade em quatro estados: Flórida, Califórnia, Massachusetts e Nova Jersey.
Trezentos mil moram próximos a Boston, capital do estado de Massachusetts, em cidadezinhas como Everett e Framinnghan. É lá que vive há mais de uma década Valéria Sweet, uma mineira de Caratinga, dos cabelos cacheados, olhos pretos e miúdos, que criou um negócio interessante.
Ela sabe que cada povo tem um jeito todo próprio de encarar a vida e de se relacionar com a morte. Aqui, por exemplo, afora Zeca Pagodinho e família, não é costume organizar uma reunião, com buffet e tudo, para receber as pessoas que forem ao enterro. No Brasil, os velórios, geralmente, acontecem na capela do cemitério e o tempo para preparação do corpo é de, no máximo, 24 horas após a morte.
Dizem que esse período curto reflete a banalização do tema por essas bandas – escuta-se com frequência por aqui o clássico “morreu, morreu!” – e da pressa daqueles que não querem queimar vela com quem já não tem nada, nem votos, a oferecer.
Dizem que esse período curto reflete a banalização do tema por essas bandas – escuta-se com frequência por aqui o clássico “morreu, morreu!” – e da pressa daqueles que não querem queimar vela com quem já não tem nada, nem votos, a oferecer.
Valéria percebeu que nos Estados Unidos o buraco era mais acima, sem trocadilho. Na hora da despedida, parentes e amigos deixam no caixão objetos alusivos à relação com o falecido e valorizam homenagens como painéis de fotografias e vídeos do finado. Além disso, o corpo leva dias para ser preparado, à espera de quem vem de longe para se despedir. E há recepções na casa enlutada, com cardápio variado de pratos quentes e frios.
A doce mineirinha trabalhava como cuidadora de um veterano de guerra portador de doença terminal. No fim de uma tarde, divagavam sobre a existência de vida após a morte quando veio o estalo:
– Eu gostaria de falar alguma coisa no meu funeral – dizia o moribundo.
– Como?
– Não sei...
– Bom, que tal escrever uma carta ou gravar um vídeo?
– Minha família... Alguns amigos não vão gostar do que tenho a dizer.
– Vai fazer diferença pro senhor?
– Nenhuma...
– Então me autorize, por escrito, a falar em seu nome.
– Promete fazer isso?
– Prometo!
Ela agora vive a apartear discursos em funerais na condição de “confessora de leito de morte". Em dado momento das homenagens ao falecido, pede a palavra, abre um envelope e lê uma carta ou projeta um vídeo com aquilo que o morto não quis, não pôde ou não teve tempo de dizer em vida.
Vale tudo: revelar segredos felpudos, mexer em testamento em cima da hora, exibir objetos perigosos, como pornografia, artefatos sexuais, e-mails, filmes, drogas, armas, dinheiro. Óbvio, Valéria cobra da pessoa moribunda, antecipadamente, três mil dólares pelo serviço a ser prestado.
O trabalho mais complicado até agora foi quando contratada para divulgar uma confissão envolvendo o melhor amigo do defunto. Teve que pedir a palavra com mais veemência, caprichar no gestual e tornar público o que o falecido lhe autorizou revelar: que o amigo não o respeitara nem no leito de morte, apalpando as partes de sua mulher... Que a mulher só fingia certo desconforto com a apalpação, mas revirava os olhos, gemia, relaxava e, no fundo, gostava do que estava acontecendo.
Após a fala, o bolinador de viúvas em andamento cuidou de escapulir do recinto pela porta dos fundos. Ele e a madame apalpada foram instados por amigos e familiares do morto a deixarem a cerimônia, em atenção a expresso e irrevogável desejo do confidente.
Valéria pensa em abrir uma representação em Brasília. Está segura de que existe aqui um filão generoso a ser explorado, mais rentável até que no Hemisfério Norte. A ideia, adaptada à índole tupiniquim, é ganhar dinheiro não pela revelação dos segredos, mas por abafar tudo o que for dito pelo moribundo. Óbvio, nunca terá problemas com o Código de Defesa do Consumidor. Àquela altura, quem poderia reclamar estará dormindo. Profundamente.
Ela está de olho mesmo é nos ganhos provenientes do silêncio, com preço a combinar com algumas figuras carimbadas presentes nesses velórios. Pagamento, segundo a mineirinha, só em dinheiro vivo, com 10% de acréscimo para envolvidos em crimes de corrupção, peculato, prevaricação e/ou lavagem de dinheiro. Sem recibo, claro!
"Após a fala, o bolinador de viúvas em andamento cuidou de escapulir do recinto pela porta dos fundos. Ele e a madame apalpada foram instados por amigos e familiares do morto a deixarem a cerimônia, em atenção a expresso e irrevogável desejo do confidente."
ResponderExcluirRi alto com esse trecho, kkkk
Que belo filão descobriu a Valeria, hein! Quando ao pagamento em dinheiro na filial de Brasilia, preferencialmente em notas de lobo guará por favor que é pra caber em uma mala só.
E uma foto do meme do caixão ilustraria muito bem essa criativa e divertida crônica, rs.
No mundo das delações isto seria sucesso pleno, talvez o público fosse reduzido uma vez que a lista de acusados seria grande.
ResponderExcluirAdemar Rafael Ferreira
Excelente. Imagina quanto dinheiro ganharia dos políticos. Kkkkk. Abraços.
ResponderExcluirVai ficar milionária .
ResponderExcluirMas, importante alertar a mineirinha para a extrema necessidade de cuidar da segurança pessoal ...senão ...
Hayton, aqui no Brasil, com sede em Brasília, ela ficará milionária. Kkkk
ResponderExcluirAqui no Brasil?
ResponderExcluirVai dar M....
Meniiino! Quando penso que os temas estão se esgotando...Kkkkk Êta muié inteligente!Mais parece ser Nordestina!! Em Brasília vai ficar MILIONÁRIA!!KKKKKKK
ResponderExcluirPensei a mesma coisa, Haydée, sobre o repertório do autor!
ExcluirNéh? Desconfio que tem estoque pra 200 anos!!kkkkkkk
ExcluirRindo alto! kkkkkkkk
ResponderExcluirKkk, muito boa ! Eu fico pensando , aqui no País chamado Brasil, teremos revelações verdadeiras e fake news.
ResponderExcluirDesconfio que a criação da nota de R$ 200, do lobo-guará, foi por exigência dessa mineirinha!
ResponderExcluirMais uma deliciosa crônica, pra não fugir à regra.
Que ela se apresse em abrir uma filial por aqui, senão alguém irá fazer rapidinho. Rsrsrs...
ResponderExcluirExcelente texto! Se essa moda pegar, terá muitos espertalhões ganhando dinheiro dos políticos corruptos. No RJ, então!!
ResponderExcluirNão pensei que você tivesse a originalidade, pelo menos na terra tupiniquim, de fazer a dona morte ter mais leveza!!! Kkkkk
ResponderExcluirIrá se tornar uma enciclopédia ambulante!!!
ResponderExcluirGargalhei com sua crônica, Hayton! A imaginação anda fértil! No Brasil de hoje, mais que escândalos sexuais, fariam sucesso acusações de “comunismo enrustido” ou ligações com alguma ONG que está querendo “destruir o Brasil”! Rsrs
ResponderExcluirPrimoroso e encantador texto.
ResponderExcluirBravo!
Belo negócio! Mais um nicho em que o cliente nunca reclama (e paga adiantado!).
ResponderExcluirBoa idéia, revelaria muitos casos escusos.
ResponderExcluirQue história deliciosa. Digna de um roteiro de filme ou série de TV. A propósito, vale a pena ver A PENÚLTIMA PALAVRA, na NETFLIX. Quem assistir (desculpe o spoiler), certamente vai se lembrar desta crônica...
ResponderExcluirEpa, eu pensei primeiro! Veja o que falei com Hayton mais cedo:
Excluir🤣🤣🤣🤣🤣🤣
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Conversa com Guel Arraes, mostra esse texto pra ele...
Este comentário foi removido pelo autor.
Excluirmuito bom o texto mas a história é sensacional, daria uma peça do teu conterrâneo Suassuna
ResponderExcluirO texto belo, como sempre! Agora, penso que esse “belo negócio”, caso aqui implantado, daria uma mer.. danada!
ResponderExcluirVai enrricar por estas bandas, kkkkkkk
ResponderExcluirMeu tio... kkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirEstou rindo alto. Já pensou isso aqui???
Rapaz. Que jeito estranho de ganhar dinheiro. Aqui ela teria uma clientela enorme. Juntando aí os três poderes. Em especial o STF. Ali tem segredos cabeludos
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ResponderExcluirTenho lá minhas dúvidas. Acho que a Valéria vai marcar encontro com seus antigos clientes para breve.
Adorei, Hayton, humor refinado até quase no final, quando virou humor ferino! Delícia de texto!
ResponderExcluirUm caso de absoluta e verdadeira inovação. Adorei o caso da moça e ri bem com seu humor cada dia mais refinado.
ResponderExcluirBelo caso, de muita criatividade e alternativa empresarial. Para aqueles com pendência, dividas ou algo parecido com quem partiu será ausência confirmada na despedida.
ResponderExcluirPelo menos o novo destino pretendido tem futuro... pode demorar uns dias agora, mas passa rápido.
ResponderExcluirCertamente é uma obra de ficção produzida por sua inquieta e brilhante mente.
ResponderExcluirAgora, cá pra nós, o que deve ter de autoridades públicas e políticos brasileiros despachando assessores pra os STATES, tentando contatar a Valéria pra fazê-la desistir de criar a filial brasileira, nem sua mente é capaz de imaginar a quantidade!!!!!
O texto revela não somente a inegável capacidade criativa do autor, mas sua extraordinária visão empresarial. A julgar pela escolha de Brasília como sede da sucursal brasileira, o negócio da Dra. Valéria - como será tratada no Brasil - deverá ser mais promissor que na matriz americana, especialmente pela cobrança do adicional de 10% para os clientes envolvidos em determinados crimes. Bela crônica!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirDiz aqui no Maranhão, que para cada sapato velho, há sempre um pé inchado. Ri muito dessa negociata da mineirinha. No Brasil ficaria milionária, como todos disseram, em Brasília então! Um abraço
ResponderExcluirMuito bom - Brasília é um grande mercado.
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