quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Mamulengos

Na última cena do documentário “Vinicius” (2005), de Miguel Faria Jr., brilhante reconstituição da vida e da trajetória artística do poeta, compositor e diplomata Vinicius de Moraes, seu amigo Chico Buarque gargalha alto ao lembrar de comentário feito pelo Poetinha sobre como gostaria de reencarnar: “Do mesmo jeito que sou, levando a mesma vida, mas com um pinto um pouco maior!”. 

Gaiatice pura numa conversa pra lá de etílica entre gênios. Ambos, certamente, sabiam que o tamanho padrão do pinto (quando pronto para ciscar, dizem os especialistas no tema, varia de 10 a 16 cm) nunca foi nem será decisivo para a apoteose dos prazeres. “Todo o corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas”, garante Verissimo, outro gênio.

 

Pois bem. Notícia recente sobre as sequelas a longo prazo da covid-19, veiculada no MedRXiv (site que distribui versões preliminares de artigos sobre ciências da saúde), diz que a doença pode diminuir o tamanho do pênis. O trabalho investigou as consequências que o vírus pode deixar no corpo das pessoas e foi conduzido com mais de 3 mil pacientes de 56 países. Além de 3% dos homens terem relatado diminuição no tamanho de seu órgão genital, 15% deles relataram algum tipo de disfunção sexual e 11% discorreram sobre dor nos testículos.  


Nestes tempos viróticos em que praticamente perdemos o direito de nos sentarmos à mesa de um bar, sem risco de contágio, para discutir possíveis soluções para os problemas da cidade, do país ou das mudanças climáticas que aceleram a extinção de todas as espécies vivas, resolvi ouvir a opinião de alguns amigos sobre o assunto, via WhatsApp

 

O primeiro deles mostrou-se preocupado ao dizer que “Não sabia que a doença pode causar invisibilidade”. Outro, não menos moleque, fingiu espanto: “Ah, não! Era só o que me faltava!”. O terceiro, delirou legal: “Pois é... ficar reduzido a 20 cm vai ser de lascar...” O quarto, foi mais prospectivo: “Já tô imunizado, então... É o fim da picada!”. Desisti. Ninguém leva a sério mesmo a pesquisa científica por aqui, a começar pelos caciques e pajés encastelados nos poderes constituídos na Ilha de Vera Cruz, terra abençoada e bonita por natureza.

 

Pilhéria à parte, para mim a notícia pode ser uma lamparina a clarear a escuridão em que mergulhada parte dos habitantes da Ilha, que diz não pretender vacinar-se. Egoísta, para não dizer outra coisa, essa turma sabe que não haverá imunidade coletiva ao vírus até que a porcentagem de vacinados atinja no mínimo 70% dos indivíduos. Mas precisamos ser realistas: é querer demais exigir que um exército de mamulengos veja o mundo de uma forma que sua ignorância não permite compreender.



Mamulengo, para quem não recorda, é uma espécie de boneco típico da Ilha de Vera Cruz. Embora de origem controversa, dizem que o nome deriva de mão molenga ou maleável, ideal para criar movimentos no teatro de fantoches. Um ou dois manipuladores, operando por trás das cortinas ou como ventríloquos, dão voz e trejeitos aos fantoches. 

 

Outro candeeiro que poderia iluminar a Ilha, quem sabe, seria aparecer uma nova notícia sobre as sequelas a longo prazo da covid-19, dando conta de que a doença acarreta disfunção erétil irreversível. Isso, por certo, levaria mais alguns membros da trupe de mamulengos a reverem a posição de não se imunizarem por sugestão de "sábios" de crenças político-religiosas que difamam cientistas, professores e médicos, num espetáculo inescrupuloso de horrores que se arrasta há quase um ano. 

 

Sei que uma minoria de habitantes da Ilha de Vera Cruz, como acontece noutras terras consideradas desenvolvidas, é autoritária, cínica, desonesta, elitista, fofoqueira, interesseira, machista, moralista, racista, safada ou violenta. Uns, inclusive, empilham vários desses predicados, se orgulham disso e se sentem muito bem com o desenrolar da barbárie. E lutarão com unhas, chifres, mentiras e dentes, contra os eixos encarnados do mal que, juram de pés juntos, querem dominar o mundo e degustar com orégano e sal o fígado de suas criancinhas indefesas e apavoradas.

 

Sei também que essas pessoas têm conhecimento de que, hoje, quase 50 países já imunizam suas populações contra o novo coronavírus, inclusive porque novas cepas já se espalham com fome e sede de anteontem. Mas querem desde já marcar posição numa guerra política agendada para 2022, como se houvesse amanhã sem uma ampla campanha de vacinação que acelere a retomada da economia, da geração de emprego e renda, das aulas nas escolas e universidades, numa aldeia desigual com dezenas de milhões de almas confusas feito baratas em dia de faxina. De novo, é querer demais que um exército de mamulengos veja o mundo de uma forma que sua ignorância não permite alcançar.

 

Se a lamparina ou o candeeiro a que me refiro não iluminar a escuridão em que tateiam todos, restará a alguns (os de sempre, claro!) apagar a luz, bater o portão e cruzar a fronteira. Afinal, como diria o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, será "o fim do mundo, a ponta da praia, o fim do asfalto civilizatório, o atropelo da razão".

 

Tá chegando a hora de dar o braço, ou não, à seringa. A Ilha de Vera Cruz, abençoada e bonita por natureza, pode acabar repleta de mamulengos de verde-amarelo, flácidos e mal dotados. E assumir de vez sua inegável, mas hipocritamente desmentida, incompetência para lidar com assuntos cruciais como saúde pública para, quem sabe, propor sua anexação a algum país rico como a Argentina ou o Chile.

43 comentários:

  1. A informação da disfunção erétil pode "desabrochar" nesse público o interesse pela vacina!

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  2. Imagina se a prioridade da fila da vacina fosse o tamanho da perda. Menores na frente. Acho que lá para 2023 eu me vacinaria.

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  3. Segundo pesquisa da UIJ - Universidade Internacional de Jabitacá "todo morto encolhe". Neste assunto prefiro a música de Luís Fidelis "Flor do mamulengo".

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  4. Não consigo compreender como essa situação tão óbvia possa ter dois lados... e, vamos dizer assim, o outro lado tão numeroso em adeptos e simpatizantes.

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  5. Uma aula de história, ciência e saúde pública , e a informação de mais um motivo para tomarem a vacina , pelo visto os homens já estão com os dois braços preparados e vão correr pra fila pra tomar a vacina,

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  6. ANTONIO CARLOS CAMPOS6 de janeiro de 2021 às 06:55

    Mamulengo, graças a Deus.

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  7. Que venha a picada. Russa, chinesa, inglesa, americana ou tupinambá. A origem é irrelevante; o importante é o efeito.

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  8. É impressionante a capacidade do Brasil em estar atrasado em tudo!!!! Aqui, vidas não importam!!!

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  9. Meu caro Hayton, vou me vacinar ligeirinho, pois sou do grupo de risco, pois quanto aos 12, 16 ou 20 cm na minha idade já quase não faz diferença mesmo. Kkkkkkk

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  10. Que venha logo a vacina, para que a vida volte ao normal. Chega de tantas mortes!
    Abraços.
    Maria de Jesus Almeida Rocha.

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  11. É vergonhoso para nós brasileiros ouvirmos os noticiários, e a cada momento uma desculpa para o nosso atraso, sem contar a falta das seringas.

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  12. Pelo sim e não, minhas providências: a) voltei a nadar 3xsemana (assim que as piscinas foram liberadas);
    b) sauna;
    c) máscaras;
    d) cervejinha só em casa;
    e) distância de 2m das pessoas (menos da esposa, claro);
    f) xarope de copaíba com gengibre (ao menor sinal de gripe);
    g) ivermectina;
    h) muita fé!

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  13. Desta "sequela", você consegue trazer a tona uma preocupação que "mexe" realmente com o "ser humano", e faz a ponte de forma perfeita com os desatinos dos governantes e seguidores. A GUERRA agora é dentro das mentes com a influência da midia, dos blogueiros, das lives, etc

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  14. Fanático ! Humor que salva nesses tempos sombrios e faz refletir sobre postura e ignorância

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  15. Concordo plenamente! Estamos num novo tipo de guerra. Não podemos permitir o fortalecimento do inimigo, que já se renova como novas estratégias de ataque. Que venha a vacina!!

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  16. Um dos mais espetaculares textos, para retratar o momento. Parabéns

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  17. Vou me vacinar para não ficar mamulengo - ou mais molengo....rsrs.

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  18. Ou fica pp de vez ou vira jacaré.
    Eis a questão!

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  19. Mais um texto genial.
    Seria cômico se não fosse trágico.
    Pobre Brasil...
    Agora se vê às voltas com um dilema:
    Impotência versus incompetência...

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  20. Uma de suas melhores crônicas, Hayton! Ou melhor, uma das que mais gostei. Porque a crônica se relaciona com o gosto do leitor, sempre!
    Quanto às zonas erógenas, Verissimo também nos alerta pra cuidar com conclusões precipitadas: uma moça da ilha de Vera Cruz percorreu todo o seu corpo com a ponta do dedo e declarou à imprensa que todos os pontos do seu corpo lhe davam um imenso prazer. Descobriu-se, mais tarde, que a ponta do dedo da moça é que era erógena!

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  21. Excelente crônica. Parabéns!!! Ainda bem que agora sou sexagenário. Vibrando com a iminência da picada protetora.

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  22. Caraca! Você fica me devendo uma notícia boa.
    Hahahahahaha! Excelente, como sempre.
    Sem contar que, vacinada, a pessoa pode ser transformada num jacaré (um bicho de braços diminutos).
    Triste sina!
    Rsrsrsrsrsrs

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  23. Agostinho Torres da Rocha Filho6 de janeiro de 2021 às 19:15

    O país está quebrado!!! Eu não consigo fazer nada!!! Eis a nova pérola do nosso presidente. Texto criativo e bem humorado sobre uma das sequelas mais temidas da covid-19, para o público masculino, claro. Parabéns!!!

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  24. Uma dúvida cruel, se nao vacina, o virus pega, se vacina nao pega mais....ou só pega no tranco, mesmo assim, com ajuda de uma carga adicional.
    Quem participar colherá, o resultado do caminho escolhido.
    Otima criatividade, com muito humor.
    PARABÉNS

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  25. Você resolveu entrar em um terreno pantanoso e perigoso e se arrisca a ser processado por terrorismo.
    Em que pese a excelência - brilhantismo mesmo - do texto, você enfiou "marimbondo" na cabeça não só dos homens, em grande porcentual das mulheres também.
    Não me surpreenderá se começar a aparecer imagens de filas de milhares de quilômetros de homens - quem sabe eu também não esteja lá (!) - capitaneada por quem mais "excomunga" a vacinação, para tomá-la com toda urgência possível.
    Bom ter cuidado em suas novas incursões...

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  26. Ótima... (risos)!!!
    Mais uma inteligente crônica... excelente!

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  27. Outra beleza de crônica, Hayton! A propósito, seu novo livro tá um show, delícia de leitura, um bom livro prá um dia frio num cárcere em que estamos!

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  28. Foi a melhor análise política que vi dessa situação. A tapa de luva, que vou encaminhar para alguns amigos da categoria “mamulengos”. São pessoas adoráveis, mas não sei se conseguirão alcançar a profundidade contida nesse alerta tão poético.
    Parabéns. Mais um texto excelente.
    Maurício

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  29. É, meu amigo, como o brasileiro é acomodado e deixa tudo pra última hora, ainda há muita coisa feia pra se ver. Quanto aos efeitos e consequências, melhor tomar a vacina da Pfizer e pedir ao laboratório uns comprimidos, como forma de agrado, pra se manter um pequeno arsenal em casa... ah, já amarrei um barbante esticando e ancorado no pé... precaução só...rs

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  30. Outra alternativa seria espalhar o boato de que a vacina emagrece, benefício para o qual os mamulengos tomam até Herbalife sem receita nem teste. Dedé Dwight

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    1. Caro Hayton, seu texto belo como sempre descreve tão bem uma realidade cheia de questionamentos. Eu, por enquanto, mesmo já tendo dado esta maldita doença, continuo me cuidando e minha familia idem; no entanto, ainda preciso criar coragem para enfrentar uma vacina que nem é garantida eficácia, tão pouco segurança, vendida pelo país criador desse vírus maldito, sei não... Seguro morreu de velho. Infelizmento em meio a tudo isso, a corrupção ainda mata muito mais, os hospitais totalmente à deriva, as cracolândias por aí, os bandidos soltos, os cidadãos presos, tudo errado. Sei não, prefiro não comentar além disso. Um abraço

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