quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Café de ninguém

Estou há três semanas sob o céu esbranquiçado e sem graça de São Paulo. Durante a caminhada matinal, vi, não uma, mas duas vezes, um gari de uniforme cenoura encostado numa esquina da Rua Domingos de Morais, na Vila Mariana, segurando um copo de café. Lá estava ele, do lado de fora, como se o meio-fio fosse seu lugar natural no mundo. 

Na primeira vez, desconfiei, mas fiquei calado. Na segunda, decidi me aproximar. Batizei-o de Jorge, nome de guerreiro, e minha mente viajou à Zona da Mata alagoana em que morei no final dos anos 1960, onde outro Jorge – não o poeta de “Essa Negra Fulô” e “O Acendedor de Lampiões” –, parecido e tão invisível quanto ele, sobreviveu por alguns anos. 

 

Lá em União dos Palmares (AL) não havia água encanada. O Jorge de lá, maneta desde menino, mutilado na colheita de cana, vendia água de cacimba para beber e outra, retirada do Rio Mundaú, para os demais usos. Das quatro às cinco da manhã, dia sim, dia não, ele bombeava água para a caixa de distribuição sobre a laje de nossa casa. E, sempre que o barulho era mais forte, ele nos tranquilizava: “Né ninguém não, sou eu...” Hoje entendo o que ele queria dizer.  

 

Perguntei ao Jorge daqui se ele estava na calçada por escolha, curtindo o seu café enquanto assistia aos passantes apressados tentando aquecer alma e corpo nos 15 graus matinais, ou se o balconista lhe pedira para tomá-lo do lado de fora por algum motivo. Ele, com um olhar conformado, quis me enganar com a dura poesia concreta daquela esquina:
– Tinha tanta gente lá dentro...



Ilustração: ChatGPT

 

Cidade grande é assim. Ela não manda recados, não avisa quando é hora de você deixar de ser alguém e passar a ser ninguém. São Paulo te engole sem mastigar. E ali, entre a esquina pichada, a lixeira e o meio-fio, Jorge parece mais um pedaço da paisagem, como o poste e a sarjeta, invisível para quem passa e não quer ver. Não é só o clima que é frio por aqui.

 

Eu carregava uma sacola com algumas roupas que ia doar à Paróquia de Nossa Senhora da Saúde. Decidi dar outro destino: no banheiro da estação Santa Cruz do metrô, Jorge vestiu parte delas, lavou o rosto, deu uma ajeitada no cabelo. Voltaríamos ao mesmo local para uma refeição decente – suco de laranja, pão na chapa, ovos mexidos e café com leite. Ele aceitou com silenciosa gratidão.

 

Jorge agora de calça de sarja, camisa polo e agasalho, foi recebido com simpatia pelo mesmo balconista que, meia hora antes, o pediu para se servir do lado de fora. Vai ver que nem o reconheceu. É curioso como uma troca de roupa muda a percepção das pessoas, não é? O balconista, que antes nem o notou, agora o cumprimentava com um sorriso e até puxou conversa sobre as eleições para prefeito. Perguntou o que achava de um abaixo-assinado sugerindo três candidatos no segundo turno, já que a diferença entre eles fora de menos de 1% dos votos. Jorge, desconcertante, desarmou o balconista: 

– E se o terceiro colocado fosse um dos dois primeiros ele toparia?

 

O balconista calou-se. Mas a cidade, essa não cala nunca. Continua rugindo com seu trânsito doido, suas sirenes e seus prédios apontando para céu branco, enquanto reservam elevadores de serviço aos invisíveis. Para os privilegiados, sempre haverá quem não passa de “carga”. E o que me assombra não é essa divisão, mas a passividade com que aceitamos ser apenas plateia nesse espetáculo cujo final se imagina qual será. Ainda assim, fingimos surpresa quando as cortinas caem e as luzes se apagam.

 

Otto Lara Resende, em sua famosa crônica “O monstro da indiferença”, que já decorei de tanto reler, acertou em cheio. Ela narrou a história de um homem que, por 32 anos, cruzava todos os dias com o mesmo porteiro. Dava-lhe um “bom dia” automático, pegava a correspondência, um ou outro recado. Até que, um dia, o porteiro cometeu a descortesia de morrer. Só então o homem percebeu que nunca soube seu nome, nunca olhou na sua cara, nunca quis saber se ele melhorou da tosse da semana anterior. O porteiro precisou morrer para ser notado.

 

E assim seguimos. Elevadores de serviço, café no meio-fio (longe dos clientes habituais, limpos e perfumados – se bem que caráter ainda não tem cheiro!)Garis, faxineiras, porteiros e zeladores invisíveis. Não são os monstros que nos assustam, mas nós mesmos, quando o espelho nos revela a deformidade que criamos ao banalizar a indiferença.

 

Esta é uma história parcialmente fictícia, porém absolutamente verdadeira, pois refletindo sobre a brutalidade silenciosa da exclusão, já não me lembro sobre o que é uma coisa ou outra.

 

51 comentários:

  1. Mineira do interior, as grandes cidades me assustam. Em Três Corações costumávamos nem trancar portas de dia, conhecíamos os garis pelo nome: um era filho de seo Zé Firmino da ferrovia, outro, jogava no time o Canto do Rio… o porteiro do clube era irmão da professora Matilde do Grupo Escolar… o padeiro que colocava o leite e o pão na nossa janela (e ninguém roubava), era marido da parteira Dona Dica… era assim e era bom

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  2. Há ficções que impactam mais que a realidade, pela brutalidade de sua verosimilhança. Dedé Dwight

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  3. Excelente resenha! Mesmo sem culpa, a indiferença nos torna compadrios da injustiça e consorciados na exclusão. Mesmo sem culpa, talvez a indignação e a empatia no lugar da indiferença mudem a nossa compreensão do mundo, dos outros e de si próprio. Relendo agora!

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  4. Eita...foi longe!! Lembro demais o respeito que tínhamos pelo " Seu Jorge"! Com aquele " côto", trabalhava contente!! En quanto isso assistimos a " um" que perdeu um dedo mindinho e aposentou por " invalidez". Assim é o mundo...

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    1. A você, que, infelizmente, em comentário à crônica humanista do Hayton, aproveita pra destilar ironia (irmã gêmea do ódio), tenho que dizer: esse que se aposentou por ter perfumista um dedo (é um direito de qualquer cidadão), continuou trabalhando e foi eleito presidente da República três vezes, e, se descuidar, será eleitos pela quarta vez!

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    2. Faço minhas as palavras de Iremar Marinho. Só Anônimo mesmo para fazer esse tipo de comentário sem propósito e diante de tão profunda reflexão. Excelente crônica!

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  5. Que abordagem fantástica.

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  6. A insensibilidade das pessoas atualmente está ficando assustadora, ninguém percebe o outro, a não ser que esse outro lhe ofereça alguma vantagem, vivemos tão assustados e diferentes que, muitas vezes, nos assustamos com nós mesmos.
    Excelente texto, parabéns!

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  7. Excelente e verdadeiro!
    Passo por isso de vez em quando, pois, como carioca-raiz, saio de casa confortável, de bermuda, jeans e havaianas, para comprar em uma loja e simplesmente NINGUÉM chegou perto para me atender devido a aparência. Julgam pelas roupas. Estou em obras em casa, fui também deste jeitinho numa boutique de acessórios para construção e aconteceu o mesmo. Só que a proprietária é minha amiga, e liguei para ela da própria loja, falando que já estava lá há exatos 18 minutos e NINGUÉM se aproximou para perguntar do que eu precisava. Claro que não fechei negócio!
    Simplesmente uma compra muito grande que deixaram de realizar.
    Comprei em outro local e minha amiga me pediu cópia da NF para mostrar a seus colaboradores, na reunião que tiveram, o quanto deixaram de vender por falta de atenção da equipe. E frisou bem que a aparência e o modo descontraído de se vestir não justifica a exclusão de NINGUÉM!

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  8. A crônica nos convida a uma profunda reflexão sobre a desumanização nas grandes cidades. Com maestria, o autor desnuda a alma urbana, revelando como o anonimato e a massificação podem sufocar a individualidade. A crônica transcende a mera descrição, mergulhando nas nuances psicológicas da experiência urbana, e nos leva a questionar o custo da modernidade. A escrita, poética e incisiva, nos transporta para um universo onde a solidão se disfarça de multidão, e a identidade se dilui no cinza do asfalto. Uma obra que ecoa em cada um de nós que já se sentiu um estranho no próprio lar.

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  9. Nas grandes cidades, na correria de cada dia, somos vítimas, cúmplices e protagonistas da desumanidade que a indiferença carrega na sua frieza.

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  10. Nessa individualidade capital, encontra-se o germe da doença mental, onde o lenitivo é um café com amigos, pois somos seres sociais.

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  11. Ademar Rafael Ferreira16 de outubro de 2024 às 07:12

    No mundo real os muros invisíveis separam pessoa reais, tornando-as invisíveis. Belo texto. Dele podemos tirar várias lições.

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  12. Acabei de ler mais um excelente texto de sua lavra. Bom dia!

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  13. Valeu Hayton, pela oportuna crônica.
    É uma triste realidade aqui retrada com profundidade que mostra o mundo real da invisibilidade social. O descaso com os denominados "invisíveis" é tanto que alguns ficam supresos quando recebem um bom dia, um afago, uma atenção, ..., um cuidado.
    Vamos em frente fazendo a nossa parte em busca de um mundo mais humanizado, com mais empatia, amor e com menos preconceitos.

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  14. Sei bem como são esses preconceitos. Sou filho de Gari, com muito orgulho, e sofria muito, quando ele era hostilizado por exercer aquela profissão. Cheguei até a perder uma paquerinha , quando ela descobriu de quem eu era filho. Preconceito ê um Câncer que corrói a sociedade

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  15. " Está vendo aquele edifício, moço? Ajudei a construir... mas também não posso entrar! Cidadão, pura realidade, não é ficção. A atitude foi muito nobre. A vontade é convidar o "Jorge" para sentar-se à mesa, sem trocar as roupas. Não é a roupa que faz o homem. Quem faz a roupa é o homem. Até uma pessoa despida, o caráter não é alterado.

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  16. Li há alguns anos o excelente livro "A vida que ninguém vê ", da jornalista Eliane Brum, no qual os personagens principais são aqueles que vestem o manto da invisibilidade, como os aqui tão bem explicitados. É o mendigo que jamais pediu coisa alguma, é o carregador de malas do aeroporto que nunca voou, é o homem que comia vidro, mas só se machucava com a invisibilidade e outros tantos. O livro impactante ganhou o Prêmio Jabuti de 2007, na categoria Reportagem.
    Essa crônica de hoje, com o mesmo tema, foi brilhante, realçando a crueldade que a raça humana impõe à indivíduos da mesma espécie, porém em condições muito distantes das que realmente deveriam prevalecer.
    Bravo pela construção do conteúdo, partindo da mera observação de um simples cafezinho, sob uma manhã fria na pauliceia.

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  17. Tomei posse no BB em 1982. Como era bacana fazer nosso lanche diário (café e pão com manteiga) na companhia de nossa serviçal, ou jogar futsal, na AABB, com os vigilantes da agência. Parabéns pela crônica, Hayton.

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  18. Quem se veste de cenoura
    É café no meio-fio
    Resolveu trocar de roupa
    Aceitou o desafio
    Foi tratado como gente
    Não era mais indigente
    Virou sujeito de brio.

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  19. Que realidade triste! Pior que acontecer na lanchonete, é o acontece nas igrejas, nos tribunais e em outros "templos" que inibem os mais simples de acessar serviços públicos, atendimentos ou, simplesmente, de exercer sua cidadania. Jorge Aragão, numa das suas melhores músicas, aponta até o elevador como símbolo dessa discriminação. Marina.

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  20. Sensacional a crônica!
    A indiferença que faz toda a diferença!
    Quem de nós já não foi vítima e já não praticou?
    Agora ainda mais com o mergulho na tela do celular, interagindo com os distantes e ignorando os próximos!

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  21. A cronica de hoje, com sua crua realidade, dá um 'sacode' na gente. Hatyon clama por mudança no comportamento da sociedade, na maneira como tratamos os " invisíveis". Uma das funções mais nobres de quem tem o dom da palavra escrita é tentar mudar "cabeças" e comportamentos. Se essa crônica fizer com que o leitor, nem que seja por um dia sequer, ofereça um tratamento mais humano ao seu irmão menos favorecido, terá valido a pena.

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  22. Lembrei de um caso que um corretor de imóveis me contou. Estavam lançando um prédio luxuoso no Campo Grande (Salvador) e entrou uma senhora vestida com simplicidade, tipo aquela pessoa que diríamos “da roça”. O corretor da vez fez que não viu porque não iria perder tempo com ela e assim os outros fizeram. Mas o que estava me cobrando o fato seria o último da fila de atendimento e resolveu dar atenção (pra se distrair) e mostrou a planta, os benefícios etc. Ela pediu para reservar dois que escolheu e viria no dia seguinte trazer o dinheiro. Ele reservou pra ver o que aconteceria no dia seguinte, pois bem, na hora marcada lá estava ela com uma bolsa com o dinheiro vivo. Ela era simplesmente a esposa de um grande fazendeiro de cacau (nos bons tempos do cacau). O tal corretor da vez queria que ele dividisse a comissão porque aquela venda deveria ser dele. SQN. Ele não quis atender. Pois é. E de fatos simples e invisíveis como seus atores se fazem as excelentes crônicas de Hayton. Parabéns! Que tenhamos olhos para ver e atitudes humanitárias para sermos verdadeiramente humanos . Nelza Martins

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  23. Depois de ler este texto, lembrei-me de uma celebre passagem de Macunaíma, de Mário de Andrade: "Macunaíma ficou muito preocupado, mas por outro motivo, já não sabia mais quem era máquina e quem era gente na cidade e isso dava angústia!"

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  24. Ótima abordagem de tema social que mexe com todos nós e faz, pelo menos momentaneamente, refletir e colocar a carapuça da humildade.
    Não só os apanhadores de lixo passam despercebidos ou são invisíveis para muitos de nós, mas até nós mesmos, às vezes, sentimos na própria pele, o sentido do provérbio "o hábito não faz o monge".
    Hoje, apesar deste antigo dito, a maioria das pessoas entende que o hábito faz o monge, sim.

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  25. É o mundo valorizando o ter e não o ser!!

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  26. Excelente crônica!

    Parabéns!

    Luiz Andreola

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    1. Caríssimo Hayton, *”Café de ninguém”* trás uma dura realidade da nossa vida cotidiana, que provavelmente todos nós tenhamos conhecimento e olhamos, porém não vemos.
      Costumo pensar que deveríamos fazer um exercício de desvaidade, pois tudo passa por uma questão de sensibilidade, ou a falta dela, a insensibilidade.
      Com sua reminiscência, referindo-se ao período em União dos Palmares, fez-me avaliar que não importa a época e nem o lugar, no passado ou no contemporâneo, em uma pequenina cidade do interior ou em uma metrópole, o comportamento humano é o mesmo… é… ainda temos muito que evoluir…
      Quem sabe, com sua crônica sendo propagada, possa provocar reflexões e contribuir com melhorias de comportamentos e atitudes em nossas vidas.
      Grande abraço❗️

      Nelson Lins

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  27. A parte fictícia está plena de realidade, forte e crua.
    Abs,
    Gradim.

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  28. Quantos " ninguém " por esse Brasil afora !
    Quantos "invisíveis " !
    Seu yexto nos faz refletir

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  29. Continuando : seu texto nos conduz a reflexões sobre vários prismas. Infellizmente ñ nos faz protagonista de uma ação maior . Refletimos , aguçamos nossa sensibilidade para uma realidade cruel , desumana !
    Falta - nos o quê? !


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  30. Por favor , essa minha indignação ñ tira o mérito de sua excelente crônica . Dá uma sacudida e tanto . ! Precisamos disso , muito !

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  31. Me preocupa o olhar e não ver. Vi numa dessa histórias que circulam que um famoso violinista tocou, anônimo, em uma praça numa grande cidade. Uns paravam e outros seguiam. Depois, descobriram que seu show aconteceu em um grande teatro com ingressos super concorridos e caros.
    Semana passada, uma sobrinha resolveu comemorar seus 9 anos anos, no almoço, com 45 amiguinhos da escola. Criatividade da meninada de hoje. Por segurança, fiquei em uma cadeira na garagem, de olho na entrada para evitar escapulidas, já que os pais não foram convidados a ficar. Desse contingente de pais e filhos, uns dois ou no máximo três me cumprimentaram. Era só um porteiro.
    Creio que em todos existe algo que pode contribuir ou receber ajuda. Mandou bem, parabéns!

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  32. Texto e foto muito bons. Um flash emblemático da metrópole. De qualquer uma, mas SP simboliza mais, por ser a maior da América Latina. E nós há muito tempo estamos meio que anestesiados com isso (como na crônica de Oto Lara Resende).

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  33. Ah... Os invisíveis... Crescem na proporção em que novos celulares são colocados no mercado... Mas a culpa não é só dos celulares, mas de todas as "máquinas modernas" que estimulam o individualismo. A competição é desigual... Aliás, na medida em que ficamos mais "experientes", aumenta também nossa "invisibilidade", inclusive dentro de nossas próprias casas... O jeito seria parar o tempo, mesmo assim, nossa "categoria" está cada vez menos presente, queiramos ou não...

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  34. Hayton, você é poeticamente verdadeiro e cru nas suas crônicas. E, costuma quebrar seus recordes! Essa crônica "absolutamente verdadeira", em nada fictícia, traz a realidade da sociedade que construimos. Vai além: acomodando -se à indiferença, por vários motivos, estamos a preserva-la e, quiçá, a amplia-la. O sistema econômico nos abateu, cooptando-nos pela cultura, religião, sonhos irrealizáveis e medos... É dificílimo olharmos o outro pela ótica da humanidade. Pesa demais... Aí, nos resta a rendição à ideologia de quem está no poder econômico real, a tal da elite. Em outras palavras, a maioria esmagadora de nós cedemos ao jugo da grande burguesia e adotamos o modo de vida possível, indiferentes ao redor, para evitar ou minimizar o sofrimento. Justificativas não nos faltam... A questão é que submergimos na individualidade, esquecendo de que a única saída é o coletivo. Nossa situação é muito difícil, mesmo.
    Muito obrigado por, poeticamente repito, jogar isso na luz. Enfim, somos tão invisíveis quanto aos "Jorges"... Quantas vezes, muitos de nós somos vistos como os "ninguém não, sou eu"? Não é bom pensar.... Custa sofrimento.

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  35. Grande Hayton, que presente sua crônica. Retrato da vida; como Ela é, ou melhor chegou neste momento. Com certeza demonstra em cada segundo como tão insignificante ficou, para aqueles pouco afortunados. Em tempo, precisamos Nos conscientizarmos da importancia, da necessidade da atitude particular de cada um. Começa em Mim, em cada um a possibilidade, a oportunidade em construirmos algo Diferente. Nunca é tarde. Em especial para sermos Felizes.

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  36. Somos todos ninguém, a diferença é que alguns se acham

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  37. Tristemente verdadeiro, mesmo na parte fictícia.
    A humanidade é profundamente desumana (isso já não faz sentido!), como cantou Renato Russo.

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  38. É uma triste constatação, perceber que, no dia-a-dia, interagimos com pessoas das quais sequer sabemos os nomes. Seja o frentista do Posto de Gasolina. Caixa de Supermercado. Garçom de Restaurante. Atendentes de Lojas, Laboratórios, Hospitais. Em internações hospitalares, por exemplo, somos capazes de perguntar os nomes das enfermeiras e enfermeiros, mas iremos esquecê-los, já nas trocas de turno. E, ainda que pareça estranho, muitos que moram em prédios sequer sabem os nomes dos funcionários, que trabalham, no período da noite. E, neste caso, nem interação existe, porque, normalmente, a grande maioria dos moradores está dormindo.

    E isso ainda pode piorar. Também estamos correndo o sério risco de nos tornamos "invisíveis". A cada dia que passa, com a informatização, já nos tornamos meras "senhas", nas chamadas "praças de alimentação". Recuso-me a compará-las com currais, galinheiros, chiqueiros. Prefiro a imagem dos passarinhos em "viveiros".

    Há, ainda, o aumento considerável de "alternativas" de "auto-atendimento", que eliminam postos de trabalho e profissões. Com isso, ao invés de interagimos com pessoas, nós mesmos nos servimos e pagamos. Isso acontece, nos supermercados, em lojas de conveniência, em máquinas automáticas, nos caixas eletrônicos, nas cancelas de estacionamentos, nas catracas de ônibus. Já nos "self services", ainda precisamos pesar a comida e pagar, interagindo com um/uma atendente ou caixa, que (mais uma vez) sequer sabemos o nome. Mas não porque isso não possa ser automatizado. É falta de confiança no freguês, mesmo.

    E se optarmos por ficar em casa, seja por comodismo ou até mesmo por receio dos perigos modernos, ainda temos, além das compras em lojas virtuais, a alternativa do "Delivery", com a possibilidade das "mercadorias" serem deixadas, na portaria. E, mesmo que as recebamos pessoalmente, dificilmente saberemos ou gravaremos os nomes dos entregadores. Mas, nesse caso, temos um motivo, ou melhor, uma desculpa: eles estão sempre com muita pressa.

    Estranhas, mas corriqueiras, são também as "viagens" de elevador, onde, muitas vezes, ninguém se conhece, mesmo morando no mesmo prédio. E é muito comum não sabermos, sequer, o nome dos "vizinhos" (aqueles que moram no mesmo andar, que o nosso). Pedir "emprestado" um pouco de açúcar, para "puxar conversa", já caiu em desuso, há muito tempo.

    E, nos grupos virtuais das redes sociais, também é possível ser "invisível"? Será? É só verificar nas identificações dos integrantes, onde alguns aparecem identificados apenas com o número do telefone (ou com "codinomes") e sem a imagem do rosto. Mas esse é um direito, que cada um tem, sem questionamentos.

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  39. Agostinho Torres da Rocha Filho17 de outubro de 2024 às 10:39

    Tomando como referência a figura de um trabalhador humilde, a quem a sociedade costuma chamar de "homem do lixo", mas que na verdade é o "homem da limpeza", o autor faz uma profunda reflexão sobre os valores morais da sociedade civilizada. Mesmo sem ter o necessário estudo para filosofar sobre a matéria, acredito que os "homens do lixo" são, de fato, aqueles que o produzem para a coleta alheia. Parabéns ao autor pela iniciativa de abordar, com absoluto domínio e maestria, assunto tão delicado.

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  40. Esse texto me fez lembrar-me de mim mesmo e de meu pai.
    A condição social de minha família, pobre, mostrou-me que meus direitos eram bem limitados, se comparados com meus colegas e amigos mais abastados.
    Meu pai então, que era lavrador, nos contava com muita tristeza, que conhecidos mudavam de calçada quando o viam na rua. Homem honesto e trabalhador, que me legou um exemplo maravilhoso de vida, era ninguém para os outros.
    Triste isso.

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  41. Bela crônica.
    Difícil imaginar alguma mudança, uma vez que atualmente as pessoas não abandonam os celulares e ignoram até os que estão juntos numa mesa imagine um estranho. Fica claro que o uso do celular já é uma direta: não fale comigo.

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  42. Respostas
    1. Caro Hayton, todos os seus bem elaborados textos sempre fazem sentido. Este último teria sido um dos mais emblemáticos e reflexivos. Seus assíduos leitores já enriqueceram os comentários, que já não me sobram substantivos e adjetivos para enriquecê-los.
      Muitos de nós, oriundos do interior deste rico Nordeste, vivenciamos essa experiência em sua plenitude. O que às vezes nos trazia um pequeníssimo consolo era quando lançávamos um gesto tímido de caridade e solidariedade direcionado a esses desamparados “ninguéns”, ainda que muito pouco significasse para quem de muito necessitava para vestir e alimentar o corpo e, sobretudo, prover a alma e cutucar a dignidade.
      Fico aqui a me perguntar se algum de nós já se atreveu a indagar de qualquer “ninguém” dos muitos com quem topamos ou viramos nossos olhares, em nosso cotidiano, o que de fato ele está carecendo? É provável que tenhamos como resposta que de nada necessita, além do que a vida lhe impõe e do seu continuo desejo de ostentar a sua liberdade, sem qualquer amarra a padrões e expectativas sociais.

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  43. Você tem razão: gostei muito da sua crônica! Como sertanejo que sou, fiz opção de permanecer bem perto das minhas raízes, vendo o nascer e o pôr do sol de todo dia. Reconheço que é um privilégio! Independente do lugar onde vivemos, o ser humano foi feito para sobreviver, a despeito das adversidades e do espaço físico que nos abriga; seja ele no mais distante interior ou nas selvas de pedra das grandes cidades. A diferença vai estar no custo emocional que teremos que pagar. Infelizmente, muitos não têm a opção de escolha. Mas olhe: aqui também pensamos ser alguém e, de repente, viramos ninguém! Só eu sei as esquinas por que passei… Porém, a gente ainda consegue se deslumbrar e pegar carona na cauda do cometa no final de tarde de outubro…

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  44. Excepcional texto Hayton! Que essa sensibilidade nos alerte sobre os porteiros os quais não sabemos seus nomes. Grande abraço!

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  45. O retrato da discriminação. Conheço casos correlatos. É triste. É o reflexo da falta de educação correta. A tendência...

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  46. Demorei a chegar aqui, até pra proteger aqueles que têm a curiosidade de acessar os comentários. Por minha demora, estão eles salvos de uma chateação.
    Refleti muito se deveria expressar o sentimento, a emoção e a reflexão que sua obra me causa.
    Tudo pesado, decisão tomada, lá vou eu.
    O tema da crônica não só me toca, abala mesmo, e profundamente.
    Certamente o personagem é fictício, mas a cena é até cansativa, tantas vezes acontece a todo momento em nosso dia a dia, conquanto mais que brilhante sua crônica.
    Desgraçadamente, sensibilizam a muitos poucos as cenas diárias - e até os que se comovem sentem-se aliviados e pensam ter cumprido um dever perante um Deus, ao fornecer algumas migalhas ou poucas moedas àqueles que, diferentemente do personagem da crônica, não têm condição de sequer adquirir um copo de café.
    Pois bem, caro e brilhante cronista, vou me permitir abusar mais, já que o tema é mais que caro pra mim, repito.
    Professei o MARXISMO por grande parte de minha vida. Tinha e tenho convicção de que MARX, ao elaborar sua tese filosófica que pretendia que conquistasse o mundo - "A CADA UM, SEGUNDO SUAS NECESSIDADES, DE CADA UM, SEGUNDO SUAS POSSIBILIDADES" - imaginou a criação de um mundo perfeito.
    Então, até aí, só palmas pra ele, sob minha ótica.
    Só que Marx pensou que assim se criaria um mundo perfeito. Os fatos, o mundo, a vida mostraram que ele deixou de contemplar um valor que se mostrou inconsertável, pelo menos até aqui, o ser humano é, e talvez seja sempre, imperfeito.
    Então, o comunismo não deu certo, não prevaleceu nem sob a força das armas - os exemplos mais gritantes são o acontecido na Alemanha e o que acontece nas Coréias.
    Hoje até penso - pra não deixar de contemplar o bom humor - que mesmo Marx, se voltasse a viver, não seria mais MARXISTA.
    Poderia citar muito mais coisas, exemplos, mas já estou chateando demais, então vou só concluir.
    Por pensar assim, e trabalhar de graça, durante a juventude - inclusive alfabetizando adultos, pra que fossem menos explorados - fui processado pela Ditadura, quando tinha só 16 anos, tenho certidão de ANISTIADO POLÍTICO, além de ter sofrido muitas antipatias de pessoas, numa comunidade pequena.
    Hoje, a reflexão me leva à convicção de que nunca será aceito um sistema comunista, ele é incompatível com o ser humano.
    Claro que haveremos de evoluir pra termos uma sociedade - em todo o Planeta - onde a miséria não exista, onde todos tenham uma condição de dignidade pra sobreviver, não haja uma desigualdade social tão gritante. Aliás, na Europa Ocidental, principalmente nos chamados Países Baixos, há exemplos a ser seguidos, penso eu, mas com todo meu respeito a opinião divergente da minha,
    Por fim, imagine aí eu aqui, de joelhos, pedindo perdão por tanta chateação.
    É o preço que você paga por provocar tanta emoção e reflexão.
    Abraço forte.

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