quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Prêmios luxuriosos

No frenético reality show que a vida moderna vem se tornando, confesso que não me surpreende nem um pouco descobrir que a popstar Katy Perry, aos 39 anos, encontrou uma maneira inusitada de transformar as tarefas domésticas do marido, Orlando Bloom, em algo digno de um Oscar... ou, quem sabe, de um Grammy. Durante uma entrevista ao podcast americano "Call Her Daddy", Katy revelou que, em troca de uma cozinha impecável e armários bem fechados, Orlando pode muito bem esperar por uma recompensa especial – o tipo de prêmio que nem todo o dinheiro de uma Ferrari vermelha poderia comprar.


O mundo dá suas voltas, e agora parece que lavar a louça pode valer mais que uma viagem ao espaço com Jeff Bezos. A praticidade absurda da vida moderna: pratos limpos, prêmios luxuriosos. Katy, em tom de brincadeira, explicou que não precisa do carrão esportivo, porque pode comprar à hora que quiser. Mas uma cozinha limpa? Bem, isso vale ouro! E o maridão que se prepare para ganhar uma caprichada sessão de sexo oral! Se a moda pega, a lava-louças vai acabar se tornando o novo objeto de desejo dos lares.


Ilustração: Uilson Morais (Umor)
 


Katy e Orlando estão juntos desde 2016 e têm uma filha, Daisy, de 4 anos. A cantora voltou a brilhar no Rock in Rio 2024 na sexta-feira, 20 de setembro, e não é de hoje que ela imprime sua marca no Brasil, como fez em sua última turnê em 2018. Mas, deixando os palcos de lado, quem diria que uma das maiores estrelas do pop mundial trocaria o glamour pelo brilho de uma faxina bem-feita?

 

Claro, todos sabemos que nem todo mundo é fã da limpeza da casa. Mas, sem ela, o lar se transforma em um território minado, onde cada passo é um lembrete de que a bagunça saiu vitoriosa. Então, organizar-se não é apenas uma necessidade – para Katy, é um ato de amor digno de “prêmios” cinematográficos.

 

Enquanto Katy e Orlando encenam suas próprias dinâmicas de troca em grande estilo, no mundo real, onde as estrelas não brilham tanto, outros casais também negociam suas rotinas. Conheço um sujeito que entrou nessa dança das recompensas sensíveis, embora sem o glamour de popstars. Em troca de sexo com maior assiduidade, ele topou ajudar sua esposa nos trabalhos universitários voltados à tão sonhada graduação, além de assumir boa parte das tarefas de casa - arrumava as camas, lavava a louça, mantinha o fogão limpo, varria e retirava o lixo. Em um deslize freudiano, no boteco, até se saiu com essa: “Quando iremos receber nosso diploma, querida?”

 

Pena que a esposa, apesar do esforço extremo, não conseguiu se encaixar no mercado de trabalho como pretendia, voltando à rotina doméstica de anos e anos. No Brasil, aliás, mesmo quando trabalham fora, as mulheres dedicam até 25 horas por semana a afazeres domésticos e cuidados, enquanto os homens dedicam cerca de 11 horas, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas divulgado em outubro do ano passado.

 

Nos países com maior igualdade de gênero, essa disparidade diminui, mas ainda existe – na Noruega e na Suécia, elas completam, respectivamente, 42 e 50 minutos a mais de trabalho não remunerado por dia do que eles. No outro extremo, no Egito, as mulheres têm 5,4 horas de trabalho não remunerado diariamente, enquanto os homens têm apenas 35 minutos.

 

Independentemente da geografia, as mulheres tendem a ser responsáveis por essas tarefas diárias, enquanto os homens muitas vezes cuidam da construção e dos reparos da casa ou dos cuidados com jardim ou quintal  – tarefas normalmente realizadas com menos frequência. 

Voltando ao caso de Katy Perry e Orlando Bloom, posso imaginar o que ela teria a oferecer ao maridão em troca de desentupir uma pia repleta de pratos engordurados ou enfrentar um vaso sanitário daqueles que desafiam até o mais valente dos encanadores. Talvez a melhor saída seja criar uma tabela de conversão, quem sabe com uma trilha sonora épica e um contrato com uma produtora de Hollywood, porque, convenhamos, em tempos de relações nada ortodoxas, tudo vale a pena, especialmente quando a alma é pequena.

 

Agora, deixando de lado a ironia e voltando à realidade, essas trocas cotidianas, embora possam parecer inofensivas, perpetuam um ciclo de desigualdade que molda silenciosamente as relações de poder nas tarefas domésticas. 


No fim das contas, o bem-estar de uma cozinha impecável pode esconder a escuridão de padrões que já deveriam estar ultrapassados, mas que ainda ditam as dinâmicas de gênero em muitos lares. E, se os envolvidos não abrirem os olhos, podem acabar trocando mais do que deviam por bem menos do que merecem.





 

 

36 comentários:

  1. A pia cheia de pratos
    Eu não quero nem saber
    Também não quero lavar
    Esse é meu parecer
    Boto Katy pra lavar
    Depois deixo ela chupar
    É o prêmio a receber.

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  2. Meu professor de Ciência Política na UnB já citava Carl Von Clausewitz - um estrategista militar do antigo Reino da Prússia: “a guerra é a continuação da política por outros meios”.
    Talvez Katy Perry não tenha lido Clausewitz, mas pratica a luta de gênero por outros meios.
    Certa ocasião um repórter perguntou a ela se ficaria com alguém sem um braço ou uma perna. Katy não titubeou: “Por que não? Já fiquei com gente sem coração”!
    Por similitude, se alguém perguntar a ela se seria capaz de fazer um boquete sem vontade, poderia responder: “Se for pra um marido que não tinha vontade de lavar a louça e lavou, por que não”?

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  3. Não dá certo…. Minha mãe, com gesso em toda a perna direita, fruto de um escorregão na área, caiu na besteira de apelar ao meu pai, pois eu ainda não havia chegado em casa. A mamãe pediu: “Júlio, pegue o frango na geladeira? Tempere e ponha no forno?” Lá se foi meu pai…Quando cheguei ela me disse que olhasse o frango no forno para ver se estava no ponto. Abri, retirei a forma e vi algo esquisito escorrendo das entranhas do frango… meu pai não havia retirado de dentro da ave aquele saquinho plástico cheio dos miudos e, com o calor, o plástico derreteu.
    Nem preciso dizer que não houve prêmio. Só gozação da incompetência doméstica de meu velho pai. (Isa Musa de Noronha)

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  4. Excelente a crônica que faz uma bela reflexão da diferença da responsabilidade doméstica entre os sexos, com muito humor e ironia.

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  5. Essa prática , a troca de favores domésticos por sexo, deve ter existido desde que o mundo é mundo. As mulheres, elas sim sabem encontrar as fragilidades , a moeda de troca, e os meios de conseguir que o mundo lhes seja menos penoso, mais fácil, inclusive de conseguir ajuda não só nas lides domésticas mas para o que quiserem . Fico imaginando se na idade da pedra o homem das cavernas não trazia um javali para conseguir os favores de alcova . Teve ter sido assim também
    naqueles tempos . Parabéns caro amigo por mais esta primorosa crônica .

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  6. Adorei a frase "...tudo vale a pena, principalmente se a alma é pequena". É...acredito que chegamos nesses tempos em que amor no sexo é coisa de estúpidos românticos.

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  7. No YouTube, um fato incomum, correndo boca a boca, vira um prato cheio. E uma boca cheia.

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  8. Nestas condições, o esposo optou por morar na cozinha, lavando, enxugando e polindo os pratos. Agora, se o esposo de Katy fosse contra o sexo pago, não sei como a situação seria resolvida.

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  9. Excelente, mas hoje veio diferente, sem tirar o brilho. Confesso que, durante a leitura, ora achava que estava lendo Jorge Amado, ora Nelson Rodrigues.
    Na minha idade, não aceito mais essas chantagens, pois não poderei desfrutar do prêmio.
    Como dizia Silvio Santos: Deus dá as oportunidades, mas tira as possibilidades.

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  10. Rapaz, com o estímulo de Katy Perry, para uma retribuição frenética, na hora do bem bom, em troca de uma cozinha limpa, brilhando e organizada, abre-se novo mercado para capacitação dos maridos inexperientes. Mas seria nos dotes culinários, na arte do bom sexo ou nos afazeres domésticos? Teremos um mercado em expansão.🤣


    Arnaldo Jabor fala que
    "O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. O amor é sonho dos solteiros. Sexo é sonho dos casados."

    Valeu Hayton. Simbora rumo á próxima crônica, cheia de bom humor, para a alegria das quartas.

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  11. Essa declaração tem tantas camadas… e todas péssimas. Troca de “favores sexuais” por algo que consideramos ter valor, tem um nome específico, desde que o mundo é mundo. Recompensar um adulto por ter uma atitude funcional e responsável configura mais uma atividade da longa lista das mulheres: o adestramento.
    Ela trocou um trabalho (job) por outro, o blowjob. Ou seja, mudou sua realidade da àgua para water.
    Mais um dia vendo uma mulher presa no papel de devedora e prestando um enorme desserviço.

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    1. Concordo com a Renata. O texto coloca a mulher como incapaz, como única responsável pelas tarefas de casa e naturaliza a troca de favores sexuais. O homem recebe "recompensa" por fazer um serviço que é de sua responsabilidade. "Tem muitas camadas e todas péssimas!"

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  12. Esse desafio pra mim é moleza. Lavar louça é terapia. Como faço isso só nos fins de semana, não sei se seria tão tranquilo se tivesse a obrigação todo santo dia.
    Uma coisa é certa, faz bem ser solidário e ao menos tentar dividir as obrigações.

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  13. Ademar Rafael Ferreira2 de outubro de 2024 às 08:33

    Nesta crônica detectamos que o velho "escambo" segue firme em época de IA e PIX.

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  14. Amigo Hayton, fui levado a muitos devaneios ao ler o seu texto: sou o responsável por 85,2% das tarefas domésticas. Mas a solidariedade me levou a pensar: e quanto ao inverso, onde a mulher assume o maior volume desse tipo de responsabilidades? Qual será a recompensa? Imagino que, em certos casos, seja o direito de não "recompensar" o companheiro.

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  15. Bom dia! Por aqui as tarefas são bem divididas, ambos aposentados e sem secretária(não sei como é o nome politicamente correto para empregada doméstica!), ocupamos parte do dia limpando, lavando, cozinhando... não havendo quaisquer prêmios pelo que é encarado como rotina. De qualquer forma, vou passar a lavar a louça ao som de Katy Perry, vai que após ler sua crônica a pop star da casa se motive para dar alguma premiação 😁! Abraço

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  16. E eu fazendo tudo isso e nunca ganhei nada em troca ):

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  17. Ri bastante com sua crônica. Lá em casa não há a necessidade de trocas quanto aos afazeres domésticos. Quem cozinha não lava. Quem lava não cozinha. Como eu não sei cozinha. Aí você já imagina. Dividimos a limpeza do lar. A recompensa é um casamento harmonioso e uma casa limpinha!

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  18. Cleber Pinheiro Fonseca2 de outubro de 2024 às 09:19

    Há alguns anos eu tenho todas as minhas despesas e receitas lançadas em planilhas. Após ler a sua crônica, sinto-me estimulado a criar mais uma planilha, pois desconfio que a Mega Star vem acumulando um passivo impagável, embora nunca seja tarde para uma prestação de contas ou uma cobrança amigável.

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  19. Muito boa essa crônica…..hilariante

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  20. Ah, quando estou mal (na verdade, bem) intensionado, pelas minhas ações, ela já percebe! E quando não cumpro com minhas OBRIGAÇÕES, ela cobra!

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  21. Lavar pratos é pra quem gosta. Não tenho o menor prazer na tarefa, mas sou obrigado a fazer pra não levar carão. Aqui em casa é lei do cão: Sujou tem que lavar.

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  22. O mundo dito "moderno" impõe várias mudanças de comportamento quando envolve esposa e marido. Sabe-se que alguns maridos sabem cozinhar bem; outros, no entanto, fazem um esforço danado, mas dificilmente se igualam às "patroas"... Na realidade, a questão não é preparar a comida, mas, sim, limpar a bagunça e deixar tudo no devido lugar. Aí a conversa é outra e, algumas vezes, inicia-se nessa situação o processo de divórcio, sem ter sido estipulado o "prêmio"...

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  23. Tempos estranhos, como diria uma antiga excelência!
    De qualquer forma, interessa-me saber se, virando lei, será ela aplicada retroativamente?

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  24. Parabéns por mais um texto publicado.

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  25. Boa tarde amigo.

    Assunto heterossexual parece estar fora de moda, que bom ler algumas excentricidades nesse contexto, embora os apelos sempre existam desta a idade da infância, como Freud explica em suas teorias e acabamos evoluindo nos exercícios compensatórios , em várias receitas conforme manual cama supra que em nada degrade os seres, se os executados com amor e na privacidade.

    Excelente tema lembrar que a perpetuação da espécie ainda depende de complexa cascata de hormônios chamada atração ou no popular T.

    Parabéns.

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  26. Apesar da beleza, sutileza e hilaridade do texto, não me surpreenderei se você for chamado a alguma Delegacia pra se explicar, denunciado que teria sido por uma dessas ditas Instituições que se dizem defensoras de vários segmentos de nossa sociedade - no caso alguma Associação de velhinhos pretensiosamente ainda ativos.
    Sim, porque você estaria incentivando-os, instigando até a buscarem uma prática que certamente os levaria a um baque de consequências talvez irreversíveis.
    Ou, quem sabe eu não estaria aqui, agora, induzido pelo subconsciente a defender meu lado, precaver-me de algo inusitado, sei lá...
    Enfim, sua mente fervilhante produz sempre algo que você transforma em um texto maravilhoso que agita nossos sentidos.
    Efusivos parabéns.

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  27. A crônica desta quarta foi uma verdadeira aula de negociação. E como o objetivo de todas as táticas e trocas nela descritas são as recompensas prazerosas a dois, meu conselho é a divisão igualitária das tarefas para que, lembrando Djavan, não ocorra o placar de “zero a zero”, mas o gostoso “um a um”.

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  28. No dia a dia, minha esposa e eu, repartimos as tarefas domésticas. Ela faz as que exigem mais habilidades, como cozinhar (porque sou "meiruinzin" na cozinha) e eu, as que exigem menos habilidades, como lavar e secar a louça e fazer compras (com lista preparada por ela, claro!).

    Isto só muda quando um está adoentado. Nessas circunstâncias, o outro assume todas as tarefas, com ou sem habilidades. Foi por isso que, desde segunda-feira, estou de "folga", por conta da cirurgia de Catarata. Mas, amanhã, acaba a "moleza" e eu volto para o "batente".

    A propósito, tudo isso acontece sem cobranças ou exigências. Até porque, se acontecessem, seriam inócuas...

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  29. Há 45 anos li "Mulher Objeto de Cama e Mesa", de Heloneida Studart. Uma denúncia ao tratamento dado às mulheres, vistas como responsáveis pelas tarefas domésticas, como menos inteligentes e como objeto sexual.
    Hoje, após muita luta, muitos livros e discussões sobre feminismo, muitos continuam com a mesma visão. O texto acima, lido e comentado como divertido e bem humorado, reforça a visão da mulher que deve manter a casa limpa e que "ajudada" pelo marido nas tarefas domésticas, deve retribuir sexualmente. Esses comentários naturalizam a exploração das mulheres, que continuam sendo vistas como objeto de cama e mesa, reforçam o machismo que é causa de violência e de feminicídio com números absurdos no Brasil.
    Ler e tentar mudar essa mentalidade machista para a feminista é dever de todos, homens e mulheres, que desejam um mundo menos violento e injusto, assim como ser anti racista é dever de brancos e pretos.
    Pensem no bem coletivo ou ao menos pensem nas suas filhas e mães que também são esposas.
    Sandra Carneiro Pedroza

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    1. Embora tenha suscitado comentários machistas, a crônica revela, na verdade, uma crítica bem-humorada ao sistema de trocas desiguais dentro do ambiente doméstico, levantando a questão de como essas práticas moldam as relações de poder e reforçam padrões que deveriam estar ultrapassados.

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    2. O autor é tão bom que provoca debate sobre qualquer tema toda semana. O legal é que a crônica termina com uma reflexão sobre como, embora essas trocas possam parecer inofensivas, elas perpetuam um ciclo de desigualdade, com base em estatísticas reais sobre a distribuição desigual do trabalho doméstico entre homens e mulheres no Brasil e em outros países.

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  30. Sempre chega um pra destruir o mercado. O que era de graça agora já pode começar a ser negociado...rs. Por que esse pessoal não guarda seus acordos pra si? Pode esperar que já já irão começar os questionamentos e reclamações.

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  31. Imagino que o comentário da estrela deva ter um sentido de brincadeira ou até um jogo de sedução com o marido, mas, astros à parte, essa cultura paternalista de jogar nas costas das mulheres todas as responsabilidades domésticas e maternas é algo muito injusto e até desumano. Tenho visto marmanjos a se gabarem por ajudarem as companheiras nas atividades domésticas, o que pode se resumir a lavar uma louça ou tirar a mesa. Homens não devem ajudar nessas atividades, devem assumir que têm que dividir todo o trabalho. Muitos casamentos se desgastam porque as mulheres se cansam e não sobra energia para elas próprias e seu relacionamento.
    Quando, e se, os homens perceberem que todos da casa devem dividir igualmente as tarefas, o fardo ficará mais leve e a harmonia irá reinar.

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  32. Melhor fazer no sistema de compensação do que no de pressão. Afinal, quem manda é ela.

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