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Ilustração: Uilson Morais (Umor) |
SANGUE NO QUINTAL
Hayton Rocha
Dia desses, meu amigo Avelar me convidou para um sábado no Porto Gurgueia, sua chácara em Sobradinho, impondo um pedágio inusitado: eu deveria preparar um guisado de duas galinhas que ele acabara de abater, acompanhado de feijão verde e purê de batatas.
Aceitei a contrapartida, talvez embalado pela bebida que descia goela abaixo nas preliminares com Manoel, Nassib e Rodrigo. No lugar da clássica galinha ao molho pardo, servi uma versão “sem sangue”: vinho tinto e cebola torrada substituíram o ritual da cabidela, emprestando cor e sabor ao molho sem necessidade de qualquer sacrifício vampiresco. Bastou refogar a galinha com alho, cebola picada, pimentão e tomate, cozinhar em água, fritar uma cebola grande até quase virar carvão, misturar vinho e engrossar com farinha de milho. O resultado surpreendeu.
Na boquinha da noite, depois da soneca no alpendre e entre goles de café preto, Avelar quis saber a origem da minha “aversão” ao molho pardo. Expliquei que não havia aversão — apenas experimentara um jeito alternativo de cozinhar. Porém, atiçado pela curiosidade dele, lembrei-me de uma cena que talvez explique tudo.
Voltei a 1968, em União dos Palmares, Zona da Mata alagoana. Revi o menino que cuidava de galinhas como quem cuida de irmãs menores. Até o dia em que a própria mãe, com um punhado de milho e um tititi disfarçado de carinho, atraiu três delas para dentro da cozinha. Libertou as menores e fechou a porta. A gordinha ficou.
Com o pé esquerdo, pisou-lhe as pernas contra o chão. A mão direita empunhava uma faca afiada. Um golpe certeiro no pescoço. A carótida rompida. O sangue jorrando na vasilha. O menino, paralisado, registrou cada detalhe. A ave debatendo-se. O líquido vermelho enchendo o recipiente. A vida escorrendo até o silêncio.
Pior foi perceber que a assassina era sua mãe. A mesma que rezava ajoelhada na Matriz de Santa Maria Madalena, aos domingos, pela salvação das almas — menos das aves do quintal.
O corpo ainda quente foi mergulhado em água fervendo dentro de um caldeirão. As penas arrancadas sem dó. A penugem sapecada na boca do fogão. Depois, cortada em pedaços: asas, coxas, peito, miúdos. Tudo temperado com alho, cominho, pimenta, sal e vinagre. Um preparo que, para o menino, parecia uma tentativa vã de curar ferimentos que já não tinham solução.
– E o sangue? Vai jogar no ralo da pia? – perguntou ele, ainda chocado com a cena.
– Saia daí! Vá brincar no quintal! – decretou a mãe.
No galinheiro, o menino esperava encontrar revolta. Imaginava que as sobreviventes iniciariam uma greve de fome, rejeitando milho e restos de comida em protesto pelo sacrifício da amiga. Mas não. Lá estavam todas conformadas, submissas à rotina miúda: beber água e olhar pro céu, ciscar, tolerar o estupro do galo sem quaisquer preliminares. Para o menino, parecia apenas um gesto de gentileza masculina para protegê-las da chuva e do vento frio à sombra. Não sabia que gentileza nenhuma havia naqueles esporões ameaçando cangotes.
Na mesa, ninguém estranhou o cardápio: “galinha à cabidela”, eufemismo para disfarçar a crueldade dos esfomeados.
– Eu quero uma coxa! – apressou-se a irmã mais velha.
– A titela é minha! – gritou o irmão do meio.
– Quero o coração e a moela! – exigiu outro.
– Pelo visto, só vai sobrar ciscador, grade e sobrecu... – brincou o pai, sentado à cabeceira.
O menino, engasgado com a própria tristeza, não conseguiu achar graça. O mundo ao redor parecia normal: a família de barriga cheia, as demais galinhas vivas indiferentes ao massacre, a mãe satisfeita com seu prato. “Tudo vale a pena se a ração não for pequena”, pareciam cacarejar, mesmo sem nunca ter lido Pessoa.
Um ano antes, em 1967, o menino havia lido que a democracia sangrara no céu do Nordeste com a queda do avião do presidente Castelo Branco. Agora, ele sangrava em silêncio no quintal de União dos Palmares. A ditadura engrossava o caldo tanto na panela de guisado quanto nos porões do regime.
Um mês mais tarde, a peste aviária — “murrinha” — dizimou todo o plantel, pintinhos incluídos. Houve quem dissesse que foi praga rogada pelo menino inconformado. Calúnia, claro. Mas talvez tenha ocorrido uma súplica inocente aos deuses dos quintais: que se fizesse justiça onde a solidariedade falhara, que se calasse para sempre o galinheiro acovardado e cúmplice.
Avelar, ouvindo a história, sentenciou que aquilo só podia ser verdade. Eu, até hoje, não digo que sim nem que não. Mas desconfio de que foi naquela manhã de 1968 que aprendi a detestar a ideia de cozinhar uma criatura no próprio sangue.
Por isso, se tiver que botar novamente uma galinha na panela — faz tempo que não faço isso —, optarei de novo pelo vinho tinto, seco. Um Cabernet Sauvignon, pelo menos, não exige sacrifício: só aquece e consola.
Vem aí...
PQP... Sem comentários!
ResponderExcluirDa roça, aprendi também a arte de matar frangos. Confesso que preferia torcer o pescoço ao invés de sangrar pelo pescoço, exceto quando a receita era molho pardo. Não tinha dó… colhia o sangue na tijela, temperava e completava a mesa com couve e um angu bem molinho, logicamente com arroz branco soltinho. Ah… é bom
ResponderExcluirGrande Hayton, relembrou, passo a passo, o método de preparação de um dos melhores sabores do nordeste. Verdade que há época, ainda crianças, vivíamos isto, como um grande sacrifício de nosso rebanho. Tempos bons, que não voltam mais........
ResponderExcluirQuer dizer que o cronista também é Chef de Cozinha com receitas autorais?
ResponderExcluirMas, voltando à crônica: hoje as crianças nem sabem de onde vem as galinhas. Pergunte a alguma delas (da cidade, é claro) e responderá que e do supermercado, mas essas lembranças de galinha no quintal, galo cantando ao romper da aurora, e depois, num belo dia, um ou outro na panela, só quem viveu sabe o que é.
E pra quem não viveu essas coisas, recomendo ler a crônica que aí “verá” a cena.
Me fez lembrar o quintal de casa em Penedo, anos 60 e 70. Minha mãe tanto criava com carinho do Ti-ti-ti, chamando para alimentar as penosas, como também com agilidade corria e pegava mais uma para o abate. Tempos de boas histórias.
ResponderExcluirWalmie Figueiredo
Para a criança foi um sacrifício do animal de estimação. Imagino a cena nos dias atuais como se tivéssemos que abater o melhor amigo do homem para se alimentarmos do nosso cão literalmente quente. Outros dirão: é só uma questão de cultura!
ResponderExcluirLá em casa, cada filho era dono de uma ou mais galinhas. Normalmente, quando um animal do plantei era abatido, o dono se recusava a comer.
ResponderExcluirEssa cena da "degola" assisti muitas vezes e talvez ou exatamente por isto prefiro outras versões para degustar uma "penosa". Um pirão de galinha tem seu lugar de destaque, com amigos ao redor da mesa o sabor ganha força. Bela viagem neste texto.
ResponderExcluirHayton me fez viajar no tempo, lembrar desse ritual que também presenciei quando criança. Não me lembro bem do que eu sentia, mas a cena era exatamente a mesma, vendo minha mãe preparando almoço num domingo.
ResponderExcluirHá muito tempo eu não lembrava de uma passagem da infância com tanta nitidez.
Bateu uma saudade forte da minha mãe, dos domingos com a família reunida.
Que viagem boa!
Excelente abordagem Mestre Hayton. As cruéis memórias de infância retratadas através das "penosas" que se calam e nao se rebelam contra a crueldade sobre seus pares, mostram a verdadeira ditadura contra as galinhas em prol de um belo almoço regado a sangue.
ResponderExcluirTenho, na família duas pessoas vegetarianas e uma vegana. A mais velha assistiu a uma cena parecida, com três leitões sendo sacrificados, que poderia ser Cícero, Heitor e Prático, com um punhal enfiado nas proximidades das axilas para atingir o coração dos queridos porquinhos e depois serem enrolados em folhas de bananeiras e levados ao fogo, facilitando a remoção dos pelos, com objetivo final de servir ao banquete da noite de Natal. Muita crueldade e nada de rebelião, pela *vara*, contra tamanha tortura.
A voz humana conseguiu acabar com a ditadura militar no Brasil, mas infelizmente ficou indiferente com a ditadura contra os animais.
Fico imaginando, como seria diferente se o mundo animal tivesse o poder de mobilizar-se e rebelar-se contra a crueldade da humanidade.
Por enquanto vamos com um bom vinho para aquecer e consolar nossos corações.
Ainda hoje tenho restrições ao prato "galinha ao molho pardo", isso após vir estudar em Salvador, já adulto portanto, e ser colega de pensionato de um estudante que almejava o curso de medicina. No passado até gostei da iguaria, mas sob cuidados dos conselhos da minha mãe "... galinha de molho pardo só se come em casa ou em casa de parentes ou conhecidos...." Nunca soube, de verdade, o porquê do alerta da minha mãe, até que o colega de pensionato, estudando biologia - dividíamos a mesma mesa para estudar, madrugada a dentro, para o exame vestibular - dissera em voz alta, "sangue propaga bactéria" (mais ou menos isso, ele explicava que as bactérias se multiplicavam no sangue......). Aquelas palavras me alertaram, post auditu, sobre o conselho da minha mãe. Daí em diante, nunca mais comi galinha de molho pardo e nem mesmo minha mãe a prepara mais, posto que já não se dedica a afazeres domésticos nesta altura do quase centenário de vida.
ResponderExcluirDepois destansua receita, mestre Haylton, vou sugerir ao pessoal lá de casa preparo igual, para matar a saudade da galinha de molho pardo, mas sugerindo que o nome do prato passe a ser "galinha caipira ao molho de uvas processadas, fermentadas e envelhecidas em barris de carvalho" Qual restaurante chic não se interessaria por nome tão pomposo? Corra em patentear logo seu tempero inusitado rsrsrsrs
Lendo a crônica no credenciamento do Hospital do Coração, pra fazer exame nas Carótidas. Kkkk Deu até um suador, imaginar a cena neu. Já anotei a receita, pra tentar fazer algo parecido. A cozinha afetiva fica mais apurada ao longo da vida. Essa vela história também é sobre o silêncio velado dos que se sentem impotentes frente aos ditames do poder, e seguem tocando suas vidas, comendo a ração e o pasto disponível. Emudecidos, cada um carrega seu pesar e culpa por calar. Criando um terreiro de resignados, incapazes de renunciar ao chamado do "Tititi", e não se deixar dominar pelas manipulacões econômicas e afetivas. A crônica não é sobre a galinha da panela, é sobre os que assistem calados e imóveis a toda forma de opressão.
ResponderExcluirHayton, mais uma crônica primorosa !
ResponderExcluirComo você conecta o presente (o guisado com vinho na chácara) com a memória da infância é o ponto alto, na minha opinião.
É interessante ver como uma cena tão marcante na sua vida — o sacrifício da galinha pela sua mãe em 1968 — acabou definindo o seu jeito de cozinhar anos depois, optando pelo molho 'sem sangue'.
A descrição da cena no quintal, a indiferença das outras galinhas e o silêncio do menino são partes que impressionam e ficam na cabeça da gente.
A reflexão comparando o "sangue no quintal" com a situação política da época, dá um significado especial
ao texto, mostrando que a crueldade pode estar em todo lugar, da panela aos "porões do regime".
A leitura de hoje que me fez lembrar de como certas imagens da infância, mesmo que pareçam pequenas, definem muito do que somos na vida adulta. Valeu por compartilhar!
Outro dia me peguei salvando uma formiga, que se afogava. Logo eu que já matei beija-flor e outros pássaros. Aqui estou me consultando se abateria um frango, novamente, mas vou evitar pensar se deixaria de degustá-lo. Por um lado, o sentimento amolecido pela preservação, cobrada nestes novos tempos, de outro, o desejo insaciável por uma iguaria marcante. Ótima abordagem, meu caro. Francisco Miranda
ResponderExcluirHayton, também presenciei cenas como essa na infância, lá no Cariri cearense, precisamente em Coité, distrito de Mauriti, quando residíamos no Crato e iámos ali passar férias escolares. Uma querida tia paterna, Quitéria, que partiu recentemente para a "vida eterna", usava tanto o método de sua mãe quanto o de Isa Musa para abater uma penosa e saciar a fome de uma tropa de sobrinhos, que se acomodavam numa robusta mesa de madeira à espera do anciado prato, conhecido na região como "galinha ao molho pardo". Quanto ao sangue derramado nas disputas ideológicas travadas pelos bípedes, vou me permitir o silêncio por desconhecer a verdade númerica de quantas cabeças inocentes rolaram, em cada lado, nas sangrentas disputas "revolucionárias" travadas em terras tupiniquins e mundo afora...
ResponderExcluirAgora, que você é mesmo mestre um na arte de escrever crônica, ah, disso não tenho a mais mínima dúvida!
Fraterno e forte abraço.
Lacerda Jr.
Foi um dia especial, pelas companhias, pelo papo, pela comida, pela oportunidade de debulhar feijão verde em volta da mesa, perto do fogão, para não deixar o chef fora da conversa, enquanto Nana, Magdala, Fátima, Cristina e Nádia, com as crianças, exploravam um pouco mais a natureza.
ResponderExcluirPara quem tem ferritina elevada, recomendo o molho vegano do Hayton.
Por aqui, continuamos fazendo a sangria das penosas antes de depená-las, assim a carne não fica escura quando cozida.
E os outros comensais foram "obrigados" a debulhar o feijão... acho que a ditadura ainda vigia naquele rincão...rs
ResponderExcluirCom sangue ou sem sangue, o resultado é o mesmo. Galinha na panela...kkkk
ResponderExcluirEssa cena ainda é viva na memória de quem viveu ou nasceu nos anos 50 e 60. As casas eram separadas por cercas, que faziam fronteira com o quintal do vizinho. Galinha de granja ainda era novidade e as ciscadeiras de quintal tinha seu valor por serem mais saborosas. Nunca gostei da cena do abate, mas sempre apreciei uma galinha ao molho pardo com pirão. Bons tempos.
ResponderExcluirHábitos que se foram nos libertam da culpa pelo sacrifício animal. O que os olhos não vêem, o coração não sente. PARABÉNS Hayton !!!
ResponderExcluirSua crônica, Hayton, me levou de volta ao tempo em que minha mãe preparava, com todo carinho, a tradicional galinha ao molho pardo. Lembrei-me do cheiro, do cuidado, do jeito dela transformar a cozinha em um pequeno ritual.
ResponderExcluirMas, na sua receita, você trocou o sangue pelo vinho — e, com esse gesto simbólico, deu novo sentido ao prato, transformando-o e lhe conferindo outro sabor.
E se, nesse galinheiro, o galo estuprador, que atormentava as pobres galinhas, resolvesse agir de forma ainda mais autoritária e adotasse a tortura, sem necessariamente escolher as mais gordas como alvo? Como reagiria o galinheiro?
Talvez surgisse ali a revolta das galinhas — e não seria injusta. Porque há momentos em que a própria vida pede um basta à brutalidade.
Mais uma vez, parabéns, Hayton. Sua crônica vai além das palavras — faz a gente pensar, lembrar e, principalmente, refletir.
Caro Hayton. Faltou a foto dessa penosa devidamente acompanhada de uma cachacinha. Gosto muito de cozinhar também. E das suas crônicas mais ainda. Forte abraço.
ResponderExcluirHayton, não bastasse ser um exímio escritor, agora revelou também as qualificações culinárias de um verdadeiro gourmet❗️Mas, na crônica *Sangue no Quintal,* foi além disso — tornou-se terapeuta.
ResponderExcluirEu me identifiquei com o menino da história. Também não consigo degustar galinha, seja qual for o preparo — ou, melhor dizendo, nenhum animal de penas. Como diria um matuto: mastigo, mastigo, mas não passa da goela!
O “terapeuta” Hayton parece ter conduzido uma sessão de regressão hipnótica, permitindo-me acessar lembranças antigas. Sempre me perguntavam o motivo dessa aversão, e eu mesmo não sabia responder — até ler sua crônica. Minha mãe dizia que, quando criança, eu comia. Eis a explicação que me faltava.
Essa crônica não é somente sobre o preparo de uma galinha, como de costume, suas escritas vão muito mais além, e essa não poderia ser diferente. Ela trás também o que há de mais profundo nas relações humanas - a sensibilidade, a dor, e principalmente o comportamento indiferente pelos semelhantes, mesmo diante diante do sangue derramado, independentemente que seja de forma literal ou simbólica. A “guerra” da Palestina exemplificou bem isso.
Caro Hayton ,
ResponderExcluirComo sempre, espetacular.
Grande abraço.
No dia do professor, Hayton descreve com maestria o ritual de 1968. Acho que a escolha do ano não foi à toa!
ResponderExcluirConfesso que senti muita culpa ao ver estrebuchada a cena do massacre impiedoso da gordinha, atraída para a cozinha com gesto falsamente carinhoso.
Mas me questiono porque não sinto culpa ao degustar pratos com “gordinhas” esquartejadas!
Ricardim matou a pau: talvez a crônica seja mais sobre sermos nós as galinhas atraídas com tititi pro abate civilizatório. Ou sobre como mantemos o silêncio obsequioso assistindo de camarote as galináceas irmãs sendo sacrificadas apenas um tempinho antes de chegar a nossa vez!
Zuenir Ventura tem razão. 1968 foi o ano que não terminou. Quem diria que em um insuspeito quintal em União dos Palmares também houve luta sangrenta, tortura e morte. Tudo em nome de saciar a fome de alguns. E ainda há quem diga que não houve ditadura nem tortura entre nós.
ExcluirEm União dos Palmares teve. Uma testemunha apareceu e contou tudo.
Hayton, vc sempre com contos pitorescos que nos trazem lembranças, e belas lembranças, de passagens de nossas vidas.
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirA exemplo de muitos contemporâneos, também voltei no tempo relembrando a infância no sítio, lá no pé da serra da Barriga, de Dandara e Zumbi dos Palmares.
Acredito que a maioria dos ora citadinos, não tem a mínima noção do tradicional abate e preparação de uma penosa de capoeira. Delícia!
Talvez, também e por analogia, o silêncio pueril e o nem aí das demais galinhas, assistindo o sacrifício da companheira, hoje estejam incrustrados na cabeça indiferente de muita gente que não se impressiona com o sofrimento e o sangue silencioso que corre em muitos quintais.
Coitadas das "irmãs" galinhas, como diria S.Frsncisco de Assis!...
ResponderExcluirMinha mãe ficava arretada se alguém tivesse pena enquanto ela estava matando uma galinha, porque, segundo ela, se alguém ficar com pena a galinha demora a morrer. Dedé Dwight
ResponderExcluirEu, também, por ter morado em sítio até os 15 anos, vivenciei tudo isso. Presenciei muitos abates dessa natureza. Quando a minha mãe ou minha tia se dirigia ao quintal para sacrificar a penosa eu me retirava para não ver a cena e, assim, me tornar cúmplice daquele ato criminoso. Era traumatizante, entretanto, na hora do almoço, eu já havia esquecido a forma como aquela ave havia se transformado em um alimento tão saboroso.
ResponderExcluirSe a felicidade consiste em poder recordar a infância com um suave toque de nostalgia, eu confesso que senti o seu sabor, após a leitura de SANGUE NO QUINTAL. Lembro, inclusive, de cada detalhe daquela trágica praga que se abateu sobre o nosso galinheiro, conhecida como doença de Newcastle. São marcas de uma abençoada infância relembradas a partir da leitura de mais uma criativa obra de arte literária. Mais uma vez, parabéns!
ResponderExcluirBela crônica amigo!!!. E ainda tivemos a oportunidade, de aprendemos mais uma maneira de se preparar uma galinha!!!
ResponderExcluirSua crônica nos leva ao passado.
ResponderExcluirNasci na Capital de São Paulo e no início dos anos 60, a casa do meu avô paterno era praticamente um sítio na zona urbana, tinha várias criações, galinheiro, pombal, cocheira, etc.
A família tinha tradição de em janeiro comprar um leitão, que era criado confinado e em dezembro o porco de tão gordo nem levantava. O ano inteiro podíamos nós aproximar do que chamávamos de chiqueiro e o animal não se abalava.
Mas no dia do abate, o animal sentia que era o seu fim e grunhia muito alto.
Uma única vez, devia ter cinco anos, estava na casa e ao ouvir o sofrimento do animal, me traumatizou.
Depois, recusava ir no dia do abate.
Mas tenho ótimas lembranças de viver essa época.
De comer filhotes de pombo com polenta.
E a crônica de hoje, é um misto da culinária da roça e dos grandes chefes de cozinha. O cronista, demonstra conhecer os dois lados, bem como me identifico com ambos.
ResponderExcluirApesar da crueldade no abate, existe métodos para torná-lo menos sofrível. Minha mãe abatia torcendo o pescoço. Já no Colégio Agrícola, em Belo Jardim, as bichinhas eram mortas, degoladas. Nesse método, tínhamos que evitar o corte da traqueia, a fim de que a ave continue respirando e, assim, facilite o sangramento.
O modo de preparo, fica a critério da cozinheira(o). Cada um faz ao seu modo.
De uma coisa, tenho certeza, estando cozinhada e sendo limpa, eu aprecio de qualquer forma. Comer com cuscuz, com arroz da terra (arroz vermelho), xerém; é bom demais.
Já dizia, meu sogro, tem duas coisas que o rico não conseguiu tirar do pobre, foi o de ter uma mulher e comer uma galinha caipira nos finais de semana, na roça.
Valeu Hayton, por mais uma bela crônica.
Acredito que esse ritual a que as mães eram encarregadas de fazer já era "perdoado" previamente. Revivi, na memória, o passo a passo aqui descrito, tal qual uma cena de série do CSI.
ResponderExcluirNunca fui fã da galinha cabidela naquela época e hoje é que não teria mesmo a coragem de encarar. A ideia do vinho é muito mais palatável, ainda que a maior prejudicada (a penosa) continue com sua sentença fatídica decretada.
Nossas coisas de criança. Mas pior, meu amigo, foi descobrir que a galinha que estava na mesa era a que eu criava desde pintinho... isso doeu de tal forma que fiquei muito tempo sem comer carne de frango. Mas anotei a receita.
ResponderExcluirPois é, caro amigo Hayton... Também não aprecio "ao molho pardo", por razões semelhantes. Aliás, ficar com dó da penosa, na hora do abate, aumenta o sofrimento e a morte demora bem mais, além de dar dor de barriga em quem fosse comer... Desta vez, caro Hayton, você "salvou o prato" com essa receita que tem tudo para ser saborosa.
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ResponderExcluirEssa crônica, um texto perfeito como tantos outros de sua lavra, me levou a essa ilustração e a um passado, quando tive, assim como a maioria dos leitores, que testemunhar o ato chocante da degola de uma inocente penosa. Pra piorar, a vítima acabava na mesa pra ser devorada pelos protagonistas da ação. Eu superei o choque, mas o meu irmão mais velho, que também testemunhou o sangrento ato, ficou traumatizado com o que viu e, até hoje, décadas depois, não consegue comer um pedacinho sequer de qualquer tipo de galináceo. A crônica apresenta um realismo tão chocante, que chega a nos fazer pensar em adotar o veganismo ou a comida vegetariana, mas é uma prática que nunca admiti e vou continuar afastando a hipótese. A reação do pessoal é muito rica de comentários e mostra com clareza o fato de todos de nossa geração, ou gerações próximas, terem testemunhado esses “crimes penosos” (com trocadilho e tudo) que aconteciam no fundo dos quintais.
Eu me viro razoavelmente bem na cozinha, mas nunca encarei o preparo de uma "galinha à cabidela".
ResponderExcluirAprendi a cozinhar observando minha mãe e, devo confessar, fui cúmplice e ajudante na degola implacável de uma porção de galinhas.
Não sei se é consequência daqueles tempos de criança e de adolescência, mas hoje não consigo encarar galinha com qualquer tipo de molho.
Prefiro pedaços assados ou grelhados.
Sem derramamento de sangue.
Luiz Andreola
Caro amigo Hayton,
ResponderExcluirSeu texto me transportou direto ao quintal da minha infância na Bahia — onde minha mãe, com a mesma destreza descrita na sua crônica, transformava galinhas em cabidela com uma naturalidade que hoje me parece, ao mesmo tempo, brutal e poética. Eu, menino ainda, era convocado para ajudar: segurar, correr atrás, às vezes assistir ao ritual completo. Risos nervosos, porque a lembrança ainda pulsa.
Recordo com nitidez os almoços de domingo, sempre depois da missa na igreja de Catu-BA. Era rotina, era tradição — e, como você bem mostra, também era rito de passagem.
A forma como você entrelaça memória, culinária e política é de uma delicadeza cortante. O sangue que escorre na panela é o mesmo que escorre nas entrelinhas da história do Brasil. E o menino que sangra em silêncio no quintal é, talvez, o retrato de tantos que aprenderam cedo demais sobre a crueldade disfarçada de normalidade.
Seu Cabernet Sauvignon é mais que substituto: é redenção. Um brinde à sua escrita — que aquece, consola e nos faz pensar, sem exigir sacrifício.
Grande abraço a você e aos amigos que compartilharam esse sábado especial ao seu lado.
Seu amigo baiano,
Ulisses
APRENDI, RI e ENTRISTECI
ResponderExcluirLendo essa crônica, já que
gosto de cozinhar, irei fazer a receita valer aqui em casa, logo, logo. Acho que APRENDI.
RI ,e muito, com com o que foi descrito dentro do galinheiro...."beber água e olhar para o céu..." kkkkk.
ENTRISTECI não com a forma que a penosa foi morta, mas sim ao ler o 12°. parágrafo.
Valeu! muito bom.👏👏👏👏