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Achados e perdidos

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Quem nunca  passou pela angústia de ter um filho ou um irmão perdido na multidão,  no shopping, na feira livre ou na praia? Para Einstein, "só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres  não existissem; a segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre."  A primeira vez que vi o mar foi aos 12 anos, no início de 1970, em frente à AABB Maceió. Meus pais se esforçavam para cuidar de nove filhos espalhados na areia, onde uns rolavam, outros faziam castelos e os mais ousados, afeitos à correnteza do Rio Mundaú, arriscavam molhar os braços e as canelas finas na espuma das marolas, encantados com o céu e o sol daquela manhã de domingo.  Minha mãe, responsável inclusive  pela “segurança alimentar” daqueles matutos, trazia numa sacola mangas-espada e bananas-prata, além de algumas garrafas de água potável. Tudo transcorria muito bem até minha irmã Zuleide (Galega, seis anos) desaparecer naquela multidão de rostos e corpos desconhecidos. “Galega

Palavra de coronel

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Há 33 anos, o Brasil convivia com uma inflação descontrolada de 15% ao mês. Mergulhado na mais completa incerteza sobre como sair daquela situação, o governo Sarney lançou o “Plano Cruzado”, em 28 de fevereiro de 1986, tentando arrumar a economia com congelamento de preços, salários, além de tabelamento de juros bancários. Queria também colher frutos nas eleições marcadas para o final daquele ano, quando o PMDB fez 22 governadores em 23 possíveis e fez a maioria dos senadores, deputados federais e deputados estatuais eleitos. Um mês antes, desconfiada do que poderia acontecer ao dinheiro que vinha poupando com enorme sacrifício, Dona Madalena, minha sogra, pediu-me para ajudá-la a adquirir uma casa de praia, de preferência em Paripueira(AL), onde pudesse investir, o mais urgente possível, tudo o que ela e Seu Terto, meu sogro, conseguiram economizar ao longo de vários anos. Naquela mesma semana tomei conhecimento de que um certo coronel reformado da Polícia Militar de Alagoa

“Tá na mesa!”

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Assim gritava a plenos pulmões Dona Eudócia, minha mãe, por volta do meio-dia. Esse grito de guerra, vindo da cozinha da casa onde morávamos, na Gruta de Lourdes, em Maceió, tinha o condão de juntar, em fração de segundo, um time de crianças salivando em torno dela. De banho tomado, cheirosa, ela servia orgulhosa suas crias, convicta, sem qualquer falsa modéstia, de suas habilidades culinárias. Vi minha mãe certo dia se vestir de santa das causas impossíveis e operar uma versão caseira e bem temperada do milagre bíblico da multiplicação de pães e peixes. Não com arabaiana, carapeba, cavala ou cioba, peixes de primeira qualidade que já custavam os olhos da cara na Maceió dos anos 70, mas com ovos de galinha, boa vontade, engenho e arte. Sim, com meia dúzia de ovos, alguns cubinhos de charque, dois tomates, uma cebola, meio pimentão, alfaces e ervilhas, ela preparou alguns omeletes com requintes de crueldade para com a vizinhança, que só ficou no cheirinho de comida boa que se esp

Coincidências acontecem

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Miguel Falabella, ator, dramaturgo, diretor, cineasta e escritor, costuma dizer que   “as coincidências às vezes são soluções que a vida encontra pra mudar o rumo da história.”   Esse diálogo, ocorrido em fevereiro de 2003, talvez comprove essa tese: - Achei interessante, Paulo, o ‘discurso’ do novo superintendente do banco aqui em Brasília. A gente  s empre recebe nessas horas mais planos e metas, cobrança por mais resultados... - Como assim, Heloísa? - Falou apenas da vida dele, desde Maceió, passando por Recife, Salvador, até chegar em Brasília. Diz que isso vai facilitar a conversa, daqui para frente, já que todos os gerentes irão saber quem ele é, por onde passou, onde errou, acertou... - Heloísa, com esse nome... só pode ser um velho amigo de infância que não vejo há quase 30 anos” .  Dias depois recebi de forma inesperada a visita de Paulo Cavalcante, que havia se transformado em pai de família e artista multifacetado - músico, cenógrafo, artista plást

Meu pai um dia me falou...

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De natureza triste, sorriso raro, franzino e míope, Agostinho, meu pai, logo cedo percebeu  que não teria braços para fazer o que meu avô, Pai "Simente", fazia junto com meus tios, agricultores de subsistência na zona rural de Colinas, no Oeste maranhense. Por isso, nem mesmo o choro sentido de minha avó, Mãe Sussu, conseguiu evitar que deixasse o sítio “Maravilha” ainda criança e fosse morar com tio Enoch (um de seus irmãos mais velhos) em Caxias, cidade onde estudou do ensino primário ao antigo científico.  Bastante dedicado e estudioso, a ponto de vangloriar-se diante dos filhos, anos depois, de nunca haver perdido o “trono” de melhor aluno das salas de aula que frequentou durante a infância e a adolescência, quando se tornou adulto não teve condições financeiras para cursar uma faculdade - coisa de ricos, à época -, mas conseguiu ser aprovado no concurso do Banco do Brasil e, em 1954, aos 23 anos, iniciou sua carreira profissional bem distante de casa, na

Versões de nós mesmos

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Toda quarta-feira eu e meu irmão Agostinho (Nena, para mim, porque quando nasceu eu não sabia pronunciar “nenê”) íamos ao mercado público do Parque Rio Branco, em Maceió, comprar carne, frutas e verduras, ali no início dos anos 70. Saíamos de casa ansiosos nem tanto pelos 6 km que separavam a Gruta de Lourdes - bairro onde morávamos - da feira livre na Levada, mas porque a revista “Placar”, para nós a revista mais importante daquela época, chegava às bancas justamente às quartas-feiras.  Teríamos que subtrair do dinheiro da feira alguns trocados para comprá-la e devorar cada página, da capa à contracapa, muitas vezes ainda no ônibus que nos levaria de volta para casa. Nossa mãe, apesar do orçamento apertado - éramos nove filhos, sete em idade escolar - nunca percebeu a malandragem, mas nosso pai, tenho certeza, fazia vista grossa,  tão interessado quanto nós na leitura. Até hoje o cheiro de tinta que saía da revista permanece intacto dentro de nós como um perfume caro. Semp

Bolacha de Leite de Mãe de Jacaré

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Nos anos 60, pelo menos uma vez por ano, papai, eu e meus irmãos esperávamos na plataforma da estação ferroviária de Patos (PB) o facho de luz e o apito do trem que traria nossa avó materna – mãe, para diferenciar de mamãe e porque nunca gostou de ser chamada de vovó – para ficar conosco algumas semanas no Sertão, longe do Sítio Jacaré, onde morava às margens do Rio Paraíba, na zona rural de Pilar (PB). Vinha como de costume, com o coração dividido entre matar as saudades da filha e dos netos e deixar em casa seu primo e marido, nosso avô, que não arredava o pé do chão onde nascera por nada nesse mundo. Sofria também por ter que largar por alguns dias o tititi com que distribuía milho para galinhas e pintos em seu quintal. Como não podia nos oferecer presentes caros, trazia sempre uma sacola com algumas broas escuras e cheirosas, embrulhadas em papel grosso, a que dava nome de “bolacha de leite”. Ela nunca concordou com os nomes pelos quais aquela iguaria que levava para se

Capita... para sempre!

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Aos 12 anos, diante da TV em preto-e-branco, vendo a final da Copa do Mundo 1970, na Rua da Vitória, bairro da Levada, em Maceió(AL), eu não sonhava ser Pelé, Tostão ou Jairzinho. Queria mesmo é ser Carlos Alberto Torres, habilidoso, clássico, que sabia como ninguém retomar a bola dos adversários e sair jogando com elegância, e que beijou e levantou a Taça Jules Rimet após o chute fulminante com que fechara os 4x1 contra a Itália. Se nunca consegui ser jogador de futebol, restou-me o consolo de, quatro anos depois, iniciar minha carreira profissional como office-boy em um banco. Ainda bem que pude contar esta história, 43 anos depois, ao próprio capitão do tricampeonato mundial, em junho de 2013,  quando o conheci no Estádio Morumbi, em São Pulo, no lançamento do projeto "Brasil... um país, um mundo", exposição itinerante de acervo formado por peças históricas, como camisas usadas em jogos oficiais, troféus, medalhas e chuteiras, que passaria pelas 12 cidades-sede da

Brinquedos

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A gente descobre mais cedo ou mais tarde que o tempo para ser feliz é breve e cada minuto que passa, passou. Aprendi isso cedo, nos dois anos que vivi em União dos Palmares, Zona da Mata alagoana, onde cheguei com meus pais e irmãos, em 1968, aos 10 anos de idade. Não tive todos os brinquedos que sonhei, mas tive bem mais do que precisei, até o dia em que mudamos para Maceió (AL). Brinquei demais, vivi como se não fosse envelhecer. Joguei futebol-de-mesa (botões de casca de coco seco ou de capa de relógio), chimbra (bola-de-gude), finca (espeto de ferro) no chão, bafo de figurinhas repetidas, pião e ponteira. Mas nada me dava mais prazer do que marcar gols pelo “dente-de-leite” do Zumbi Esporte Clube, nas tardes de sábado, e, depois do racha, comprar por dois cruzeiros uma cocada de coco e uma garrafa d’água gelada. Também mergulhei e pesquei cará, jundiá e piaba no Rio Mundaú, “cacei” calango com peteca de forquilha de goiabeira (estilingue), armei alçapão para pegar papa-capim, ga