Lembrei dele outro dia, com imenso carinho, ao rever uma caricatura e o soneto do Poetinha que termina assim:
O amigo: um ser que a vida não explica
Outro dia o presidente do Banco do Brasil requentou em forno microondas o debate sobre privatização ao declarar que se isso acontecer a empresa se tornará mais eficiente, embora reconheça que o tema não está na agenda do atual governo. Foi o bastante para reaparecer na mídia e nas redes sociais discussões acaloradas, cada lado com suas verdades inflexíveis.
A declaração me fez refletir sobre os graves problemas na educação pública brasileira, onde ainda existem crianças no 6º ano do ensino fundamental que não sabem ler nem escrever. Esse fato, inclusive, para mim reflete a atual estrutura educacional do país, caracterizada por um círculo vicioso que começa em baixa remuneração, passa por despreparo de professores e diretores, instalações precárias, evasão escolar, até omissão de pais na educação de seus filhos, como se essa tarefa fosse exclusivamente da escola.
Sem desmerecer o papel do banco na história do desenvolvimento econômico nacional, pode-se indagar: e se D. João VI, depois de algumas garrafas de vinho na noite anterior ao dia 12 de outubro de 1808, decretasse a abertura do que chamarei EducaBrasil S/A, empresa fictícia de economia mista que passo a detalhar mais adiante, em alternativa à criação do banco?
Claro que era importante a abertura de um banco para atender às demandas iniciais de uma economia incipiente, mas já existiam banqueiros europeus que enxergavam boas perspectivas de negócios com a chegada no Brasil da família real. E duvido que esses banqueiros falissem por conta dos elevados saques realizados quando do retorno de D. João VI a Portugal, como aconteceu com a instituição duas décadas depois, em 1829.
E se durante os últimos dois séculos todos os recursos públicos e privados investidos no banco (humanos, materiais e tecnológicos) fossem direcionados para a educação, de primeiro e segundo graus, em “agências” de ensino-aprendizagem estruturadas do Oiapoque ao Chuí?
E se os professores, bedéis e diretores dessas agências fossem capacitados não para distribuir crédito rural subsidiado na abertura de fronteiras agrícolas — um dos motivos da brutal concentração de renda neste país —, mas sim para discutir no meio rural coisas como: manejo de águas e solos, controle de pragas, diferença entre plantar para vender e vender para plantar?
E se outros colaboradores fossem treinados não para abrir contas correntes ou fazer pagamentos e recebimentos, mas sim para disseminar no meio urbano coisas como: mapeamento de ameaças e oportunidades de negócio, gestão de recursos escassos, redução de desperdícios, diferença entre causa e consequência de problemas econômico-financeiros?
E se a proposta didático-pedagógica da EducaBrasil S/A incorporasse algumas ideias de Frei Betto abordadas em seu artigo A escola de meus sonhos? Para ele, na escola ideal não haverá temas tabus. “Todas as situações-limites da vida devem ser tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade... o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção... o português, ...nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do telescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos...”
Com esse caldo de cultura devidamente encorpado ao longo de dois séculos por colaboradores fiéis, certamente a EducaBrasil S/A teria contribuído bem mais que um banco para alçar o país a degraus mais elevados de desenvolvimento socioeconômico.
Colaboradores fiéis não só por conta da missão de educar gerando cidadania e resultados tangíveis para a sociedade, de receber por isso bons salários e benefícios, mas principalmente porque acionistas e empregados, juntos, haveriam de estruturar um grande fundo de pensão, aposentadoria e saúde, que seria percebido como o maior fator de atração e retenção de pessoas na empresa.
E se alguém cogitasse privatizar a EducaBrasil S/A, a própria sociedade estaria madura e preparada para dizer se vinha sendo bem servida, ou não. Afinal, como disse Deng Xiaoping (1904 — 1997), líder político que fez da China o país de maior crescimento econômico do planeta, “não importa se o gato é preto ou branco, desde que pegue os ratos”.