Quando me perguntam sobre o que me levou a criar este blog, no começo de 2019, onde tenho compartilhado crônicas e contos com alguns fiéis leitores e leitoras, digo que só pode ter sido uma troca de e-mails, há cinco anos, com meu velho e bom amigo Pedroso "Urtigão", paulista radicado na Bahia a quem provoquei dessa forma:
14/02/2015
Meu amigo, meu maninho eremita Pedroso!
A vida e as escolhas que fizemos acabaram por nos colocar em caminhos diferentes, mas você sabe o quanto lhe respeito, quero bem, sou grato e torço pelo seu bem-estar. Afinal, não foi à-toa que um dia nos encontramos no já distante ano de 1990.
Depois que me aposentei, em novembro passado, eu e a mulher decidimos cumprir promessa feita a nossa caçula e estamos passando uma temporada com ela nos Estados Unidos (arredores de Boston) desde o final de 2014, quando nasceu nossa quinta neta.
Não tem sido fácil porque a temperatura aqui anda sempre bem abaixo de zero grau (ontem chegou a 16 graus negativos, mesmo sob sol intenso) e, com a criança recém nascida, restam poucas alternativas afora cuidar dela e da casa. Consequência disso, seu amigo aqui está virando um autêntico cozinheiro, expert no trivial variado, com a inestimável ajuda da mãe de todas as conquistas: a necessidade.
Até a caminhada diária tem sido feita no subsolo, numa esteira, o que faço como quem toma remédio. É dureza, amigo, não poder tomar sol caminhando pelas ruas, sonhando em criar coisas, mudar o mundo, vendo gente passar e constatando o estrago que o tempo impõe a cada rosto desconhecido que passa encabeçando um corpo qualquer. Vou acabar virando hamster, mas é o preço que temos que pagar pela conquista de uma velhice mais saudável.
A ideia é voltarmos para o Brasil em junho, deixando nossa filha um pouco mais madura para cuidar sozinha de sua cria, junto com o marido. É também um período sabático em que reflito sobre os próximos passos que darei na terceira etapa de minha vida, sem paletó, gravata, nem puxa-sacos por perto.
Para ser sincero, do Brasil sinto falta apenas de filhos, netos e de poucos amigos como você. Pena que nossa convivência foi curta, mas sempre intensa nos raros momentos em que pudemos conversar mais de perto. Quando vejo o noticiário político, econômico, policial, fico cada vez mais chateado com tanto desperdício de recursos numa terra que tinha tudo para ser um oásis num mundo caótico.
E você, e Ana Isa, como estão? Mande notícias, coração gelado! Não quero nem posso imaginar que nos vimos pela última vez nem mais lembro onde. Precisamos, como nunca, compartilhar dores, rabugices, frustrações, desencantos e dar gargalhadas sobre como tudo isso nos incomodava, mas não incomoda mais...
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Algum tempo depois ele resolveu sair da toca em que, ainda hoje, passa a maior parte do tempo escondido — fazenda em Coaraci, no Sudeste baiano, onde cultiva cacau e cria gado leiteiro — e devolveu este petardo:
"(...) 08/07/2015
Querido amigo Hayton,
Acredite nisso ou não, para mim você é e será sempre um grande e inesquecível amigo. Muitas qualidades, grande exemplo. De minha parte, nunca fui grande coisa, nem disciplinado; sequer bom aluno. Por isso, admiro mais ainda sua generosidade comigo.
Entretanto, apesar da ausência, busco na “Canção da América”, as palavras certas: '... Mesmo que o tempo e a distância digam 'não'/Mesmo esquecendo a canção/O que importa é ouvir/A voz que vem do coração...'
Soube pelas boas línguas que você se aposentou. Pronto. Finalmente estamos agora iguais (salário não conta!). Agora você também tem um nariz!
Espero, embora sem acreditar nisso, que você tenha saído por sua livre e espontânea vontade, de bem com tudo. Você gostava demais do Banco para ir tão cedo. O Banco sempre foi uma casa boa. Os inquilinos é que muitas vezes eram ruins.
Mas, de qualquer modo, meus sinceros e sinceros e mais sinceros parabéns. Você que tem alma e bagagem, tem muitas coisas pra fazer.
Aconselho a não fazer duas:
1. Comprar um sítio, roça, rocinha, fazenda, chácara etc. Vira cachaça. Nunca fica pronta, come todo seu tempo, seu dinheiro, paciência e todos aqueles que gostam da sua companhia ficarão com ódio do negócio, porque ele vai lhe consumir por inteiro.
2. Comprar uma casa de praia. Você vai achar bom no início. Todos irão achar bom. Depois, você vai passar a semana inteira esperando chegar o final de semana e as pessoas. Com o tempo umas irão; outras, não. Você vai acabar preparando um churrasco para dez, vão acabar indo quatro e você vai beber pelos onze!
Tiro por mim: arrume algo pra fazer. E venda para todos como a coisa mais importante e absorvedora do mundo, senão você vai virar o quebra-galho da família.
Não pense em ler todos aqueles livros, juntados ao longo de toda a vida, que você comprou pela indicação dos amigos, das revistas especializadas, pelo título, pela orelha, na aflitiva infinitude do tempo de espera dos horários de voo.
Não se disponha a ir a supermercados. Vicia. Daí todos os dias você acabará indo lá. Da pimenta do reino ao queijo suíço, você vai acabar dando pitaco em tudo, comprando todos os dias.
Se for andar, nunca faça os mesmos percursos. Além de ser bom para prevenir o Alzheimer, evita que você encontre as mesmas pessoas todos os dias, sobretudo os saudosistas, que vão lhe contar como era a contabilidade bancária quando trabalhava.
Evite os colegas chatos. Um chato a gente não pode ter como amigo. Só como colega. Um chato sem ter o que fazer mata a gente. Logo chama pra ir para a casa dele, abre um litro de uísque 12 anos ou um vinho de R$ 150,00 e faz a gente ficar vendo seus álbuns de fotografia, principalmente das viagens que fez para o exterior, tentando explicar um mundo que viu por alguns instantes.
Não vá aos encontros de ex-colegas de trabalho. Normalmente eles marcam um almoço mensal, quinzenal ou semanal e ficarão o tempo todo falando do Banco, de quem ficou, de quem se separou, de quem morreu, dos tempos da posse, do tempo da agência... Ah! que preguiça!
Procure conhecer pessoas novas e mais novas que você. Pessoas mais velhas são cheias de dores e pruridos. Se falam em política ou de futebol, ficam dogmáticas e insuportáveis. Tudo vira religião para elas.
Não tente virar um vovô garotão. Tem gente que ao acordar aposentado se olha no espelho e se convence de que está bonitão, cheio de vida, com uma boa estampa. Sai de casa, matricula-se numa academia, compra um monte de cremes e fica pensando em fazer uma tatuagem. Bem discreta, bem pequena. Apenas um símbolo de liberdade.
Não tente fazer agora tudo que você sonhou uma vida inteira e o trabalho não deixava. Comprar uma moto, por exemplo. Uma moto estradeira, tipo “Harley Davidson”, uma jaqueta de couro dos “Hells Angels”, alguns filmes do Marlon Brando e do James Dean, e sair por aí feito um rebelde sem causa.
É tarde para aprender a fumar, andar de patins, andar de “skate”, surfar, saltar de “buggie jump”. Se quiser tentar, faça umas sessões de psicoterapia antes. Se resolver que, definitivamente, vai andar de “bike”, vá a um provador de roupas e vista-se com toda a parafernália que utilizam para isso (Tire uma foto e me mande. Não ponha no “Facebook”). Se, mesmo assim, continuar firme nesse propósito, repita a fórmula usando terno, gravata, mochilinha e capacete. Se o desejo persistir, vá a um psicólogo e pague adiantado umas vinte sessões.
Não fique o tempo todo na Internet. O pior é que dá para fazer isso. Também vicia. A gente acaba viajando pelo computador e some para o mundo.
Se você resolver arrumar um novo emprego, procure saber antes como está a saúde financeira da empresa e da sua necessidade ou dependência de crédito bancário, para que você seja o contratado e não o seu potencial de interferência junto ao ex-patrão.
Não se irrite com a indiferença daqueles a quem você ajudou (não é o meu caso, não sou indiferente). Em Brasília você vai cansar de ver isso. Você deve ter encontrado muitas pessoas ao longo do caminho. Sinceros, hipócritas, convenientes, sabidos, dissimulados, copiadores repetitivos (copiam e colam suas palavras na língua deles), aproveitadores etc. Também haverá os honestos, que se contrapõem a todos esses. Trate-os com o mesmo sorriso e aperto de mão que lhe dispensarem. Na hora, é incrível como surge a diferença entre os casos.
Abrace os amigos e a família sempre que puder. Vivemos pra eles. A vida não tem sentido sem eles.
Se você concordar com tudo, não quiser se dedicar a atividades filantrópicas ou literárias, e não vê o que fazer com seu tempo livre, só lhe restará comprar um sítio, roça, rocinha, fazenda, chácara ou, então, comprar uma casa de praia.
Mas não vá dizer que não avisei (...)”
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Tomei nota, segui boa parte dos conselhos de meu amigo Pedroso “Urtigão” e lhe serei grato para sempre. Não doeu coisa nenhuma! Foi muito importante não ter feito nada sério de lá para cá. Exceto, talvez, o reconhecimento que acabo de fazer.
Tomei nota, segui boa parte dos conselhos de meu amigo Pedroso “Urtigão” e lhe serei grato para sempre. Não doeu coisa nenhuma! Foi muito importante não ter feito nada sério de lá para cá. Exceto, talvez, o reconhecimento que acabo de fazer.