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Essa gente não toma jeito!

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Se ainda estivesse entre nós, Nerival, um sergipano narigudo, sobrancelhas espessas, a cara do feiticeiro Gargamel (aquele do gato Cruel!), de  Os Smurfs, certamente teria boas histórias para contar.  Trabalhamos juntos no início dos  anos 90, em Salvador,  quando ele me contou de uma memorável carteirada em que se envolveu, em Aracaju , onde passava os fins de semana com a esposa e os filhos .  Se fosse vivo, morreria agora de rir daqueles que, neste momento, sob inconfessáveis meios e modos, sonham com um tiro certeiro capaz de furar a fila da vacina contra a covid-19. "Essa gente não toma jeito!", diria ele.   A carteirada a que ele se referiu não foi do tipo em que o sujeito exige privilégio por conta do cargo, profissão ou posição social que ostenta para obter vantagens não financeiras (cortesias, favores etc.), inacessíveis aos anônimos mortais.  Como fez há poucos meses um certo "deusembargador" ao atropelar no grito um guarda municipal – “veja com quem você

A criança que não fui

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Uns juram que morri, virei pó, há quase meio século. Outros, não. Dizem que vivo em meus filhos, netos e bisnetos. Sei que aqui, sentado à beira do caminho por onde tudo passa, vez por outra retrocedo o filme e posso revê-lo, cena a cena. Sei que parece difícil de acreditar, mas nunca aprendi a jogar futebol, pedalar, cavalgar ou nadar, mesmo tendo morado quase quatro décadas em pequenas cidades do interior. Nem a abraçar e beijar meus filhos. Tive que encarar outros medos, como viver longe  de meus pais e irmãos menores,  do chão onde nasci. Mais tarde, virei bancário, casei-me e pude ver de perto os primeiros passos de meus filhos. Relaxava ouvindo músicas, lendo livros, revistas e jornais. Às vezes, até colecionava figurinhas.  Foi diferente com ele, meu segundo filho. Mal aprendeu a andar e a falar, ganhou uma bola e o afeto recíproco instalou-se entre eles. Não era nenhum Ademir Queixada ou Vavá, mas posso revê-lo correndo no calçamento ou nos terrenos baldios, nem sempre ganhando

Maior de todos

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Quem de vocês nunca viu mãe ou pai pegando a mão de sua cria a dizer e perguntar: “Dedo mindinho, seu vizinho, maior-de-todos, fura-bolo e mata-piolho... Cadê o bolinho que tava aqui?” O riso frouxo de quem pressente cócegas é  uma das primeiras e inesquecíveis trocas de amor e afeto entre os envolvidos. Vem de lá, imagino, a aptidão para os múltiplos usos dos dedos, que passam a ser conhecidos pelos respectivos nomes. No começo deste mês, em Torino, capital da região italiana do Piemonte, Antonio Conte, antigo meio-campista e símbolo da poderosa Juventus dos anos 90, hoje treinador da Internazionale de Milão ,  foi visto mostrando o "maior de todos" (aquele entre o “seu vizinho” e o “fura-bolo”) para Andrea Agnelli, presidente da Juve , na saída para o vestiário após a semifinal da Copa da Itália.  Agnelli cuspiu ouriços. Depois do apito final, desceu as arquibancadas e, com todas as letras e um contundente ponto de exclamação, mandou Conte para certo lugar. Não foi obedeci

Do pescoço para cima

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Semana passada resgatei aqui breve conversa que tive, há 20 anos, com o jornalista Armando Nogueira, quando  lhe ofereci, em vão, mote para que escrevesse acerca de “rostos do futebol”. Dei exemplos, citando os ex-jogadores Edmundo (“É a cara do sujeito atormentado, confuso, furioso, a ponto de explodir...”), Sávio (“Triste, depressivo, parece que vai desabar no choro a qualquer momento...”) e Dodô (“Vive rindo com as sobrancelhas o tempo todo...). Achei que seria relativamente simples para quem, como ele, conhecera figuras marcantes no universo do futebol, como Heleno de Freitas, Manga, Garrincha, Pelé e Marinho Chagas. Alguns leitores e leitoras que me cotam bem acima de minhas próprias convicções me lançaram o desafio de desenvolver o assunto sugerido lá atrás ao mestre da crônica esportiva. Um deles, inclusive, em mensagem à parte, propôs que ampliasse o tema para “traços da personalidade de ídolos do esporte em geral, a partir da expressão fisionômica sob a pressão da disputa”.  D

Pintor de palavras

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Ele chegou ao Rio de Janeiro – na época, capital da República – antes dos 20 anos de idade. Pretendia cursar Direito. Muito maior que a expectativa racional de grandes embates nos tribunais, o coração o levaria ao jornalismo, à literatura e ao  Botafogo , suas primeiras paixões.  Acriano de Xapuri, Armando Nogueira (1927 – 2010) é considerado o pai do jornalismo esportivo moderno, o poeta das crônicas esportivas. É reconhecido também como o homem que criou o padrão de telejornalismo que se conhece por aqui e que colocou o Brasil no mesmo patamar das grandes nações no quesito.    Dono de um estilo elegante e original de escrever e falar, escapulia dos lugares-comuns que caracterizavam o texto de boa parte da crônica esportiva brasileira e, sem pressa, catava com a ponta dos dedos e os olhos do coração a figura de linguagem mais apropriada para embalar o seu deslumbramento.  Disse, por exemplo, que “para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio”. Sobre outra cena que lhe com

Embalos de um sábado à noite

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Desde cedo dava para ver que o dia não acabaria bem após um desarranjo daqueles que acontecem de três em três anos, com chispas, faíscas e cólicas lancinantes, obrigando-me durante toda a manhã a não me afastar mais que 20 metros do banheiro. Aprendi a duríssima  pena que não se deve comer na rua com congestão nasal, resfriado. Que convém nunca esquecer de que antes da primeira garfada, olfato é sentido mais importante do que paladar. Qualquer animal sabe disso, menos os tidos como racionais.   À base de chá de camomila, soro caseiro, maçã e torradas sem fibras, fiz de tudo para me recuperar a tempo e não perder o casamento de uma velha amiga. De tardezinha, apesar das olheiras e da tontura resultante da dieta, lá estava eu belo e perfumado, de terno e gravata, sapatos engraxados e pronto para a noitada. Foi só chamar minha mulher, certificar-me de que estava de posse do kit “c”  (carteira, celular e chaves) e partir no rumo do Lago Sul. Próximo ao local da cerimônia e dos cumprimento

Perdão, delegado!

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Na primeira sexta-feira do ano, um Zé qualquer invadiu e furtou uma escola estadual no Morro Grande, zona norte da capital paulista. O furto só foi percebido na manhã de segunda-feira, quando os empregados chegaram ao local e ainda encontraram um bilhete, possivelmente escrito por ele. Numa folha de caderno, com os deslizes gramaticais de quem não teve o ensino fundamental obrigatório e gratuito assegurado pela Constituição de seu País, ele fez singelo apelo: “Me desculpe mesmo, de coração, por fazer isso, não tive escolha, [foi] precisão [necessidade]”, diz trecho do recado, assinado por “desesperado”.  E a mensagem prossegue, com o autor pedindo “misericórdia” e “perdão” ao “senhor Jesus”. No boletim de ocorrência de furto e vandalismo, registrado no Distrito Policial, relata-se que uma porta foi arrombada e foram levados três televisores, um computador e uma panela de pressão.  Enquanto apuravam extensão dos prejuízos, encontrou-se o bilhete com o pedido de desculpas ao lado de uma

Capiba que cupim não rói

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Na virada do ano novo, meu amigo Francicarlos Diniz, jornalista e escritor, postou nas redes sociais:   “Em busca do seu ninho    Há 23 anos, morria o compositor Lourenço da Fonseca Barbosa, o eterno "Capiba".   O maestro pernambucano gravou mais de 200 composições, entre boleros e inesquecíveis frevos-canção que tantos carnavais animaram.    Repórter da revista "Fenabb Notícias", escrevi o texto... em homenagem a Capiba, publicado na edição de fevereiro de 1998.    Os discos de Capiba sempre fizeram parte da antiga radiola da minha casa. Suas canções ainda hoje ecoam na memória dos meus tempos de criança vendo minha saudosa mãe, animadíssima, cantando e dançando músicas como "Oh, bela”.    "Bela é ver o passarinho / Oh! Bela / Indo em busca do seu ninho / Oh! Bela / Todo mundo se amando / Com amor e com carinho / Uns sorrindo, outros chorando de amor...”. “   Com o encolhimento de três bancos tradicionais que operavam em Pernambuco –  Bandepe, Banorte e M

Mamulengos

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Na última cena do documentário “Vinicius” (2005), de Miguel Faria Jr., brilhante reconstituição da vida e da trajetória artística do poeta, compositor e diplomata Vinicius de Moraes, seu amigo Chico Buarque gargalha alto ao lembrar de comentário feito pelo Poetinha sobre como gostaria de reencarnar: “Do mesmo jeito que sou, levando a mesma vida, mas com um pinto um pouco maior!”.   Gaiatice pura numa conversa pra lá de etílica entre gênios. Ambos, certamente, sabiam que o tamanho padrão do pinto (quando pronto para ciscar, dizem os especialistas no tema, varia de 10 a 16 cm) nunca foi nem será decisivo para a apoteose dos prazeres. “Todo o corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas”, garante Verissimo, outro gênio.   Pois bem.  Notícia recente sobre as sequelas a longo prazo da covid-19, veiculada no  MedRXiv   (site que distribui versões preliminares de artigos sobre ciências da saúde), diz  que a doença pode diminuir o tamanho do pênis. O trabalho investigou as conseq