quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Vai passar?

Nomes não vêm ao caso, mas no Carnaval deste ano os mandachuvas de uma grande rede brasileira de TV resolveram escalar influenciadores digitais e apresentadores novatos para a cobertura jornalística na Marquês de Sapucaí, no Rio. E o que aconteceu? Uma enxurrada de críticas devido ao baixo nível da transmissão, com muitas queixas sobre a qualidade das entrevistas, que mais pareciam bate-papos de boteco do que jornalismo sério.


Enquanto a TV se esforçava para entreter a massa carnavalesca, eu surfava na internet em busca de fatos dignos de uma crônica e nada. Na verdade, uma maré de notícias triviais e sem graça. Nem mesmo o vexame da Seleção Brasileira, atual bicampeã olímpica de futebol que ficará fora dos Jogos de Paris, teve algo de novo no feriadão. Só mais um fracasso da CBF.

 

Em meio à monotonia, recebi de um velho amigo um artigo interessante sobre os estudos de um doutor espanhol, de 39 anos, especialista em gerontologia (cuida do envelhecimento nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais), confirmando que uma vida sexual ativa faz um bem danado à saúde. Além de animar o coração, a mente e fortalecer o sistema imunológico, é um verdadeiro elixir para o humor. A intimidade libera substâncias no cérebro que nos deixam mais contentes que cachorro com dois rabos. Claro, não é remédio para a depressão, mas certamente melhora o astral.

Tem mais! Ele garante que reduz o estresse e melhora o sono, tudo isso, bem, com um pouquinho de amor, carinho e as finanças sob controle. Parece até que tem efeito contra o coronavírus. Se é verdade ou não, não me cabe atestar, mas há outros especialistas, iraquianos, sugerindo que relações íntimas três vezes por mês podem nos proteger do coronavírus. 

Falando em proteção, fizeram uma pesquisa com 16 mil participantes em 33 países, divididos em dois grupos. O primeiro mantinha uma frequência de pelo menos três relações por mês, enquanto o segundo não chegava a tanto. Quatro meses depois, viu-se que 77% dos membros do primeiro grupo não foram infectados pela doença, mesmo que o tamanho da amostra estatística não seja lá grande coisa. 

Sobre tamanho, aliás, um ex-ator pornô brasileiro, de 69 anos de idade, conhecido por um atributo bem específico, anda fazendo propaganda para uma das maiores redes de fast food que operam no Brasil. Causou furor, inclusive, ao anunciar uma oferta de dois sanduíches por 25 reais, com o lembrete provocativo de que "tamanho é documento, sim!". 

O assunto dominou os Trending Topics do X (ex-Twitter), no segmento de comidas. Os internautas foram à loucura, uns achando engraçado, outros uma insanidade absoluta, por causa das criaturas inocentes que têm acesso às redes sociais e que ainda acreditam que a principal função de uma bengala é aumentar a base de apoio, melhorando o equilíbrio do vovô.

E sem ter uma escola de samba pra desfilar este ano, uma famosa atriz de novelas, de 44 anos, teceu comentários abertamente sobre o órgão do marido num canal de TV por assinatura. A declaração sobre “quão duro ele é" pode ter atiçado o complexo de inferioridade de muita gente, sobretudo porque a moça arrematou beirando o esculacho, com enorme naturalidade: "Além de grande e grosso, é duro, tipo madeira...". 

Bem, agora imaginem que cena poderia ter virado a grande notícia do Carnaval 2024! Um animado bate-papo num boteco entre o espanhol e o casal de brasileiros. Chope vai, chope vem, croquetes pra cá e pra lá, ao som dos hits “Macetando” e “Perna Bamba”, com a prosa descambando para uma mistura de temas anatomicamente sensíveis. Nisso, alguns fregueses mais sóbrios, com garfos e facas de mesa nas mãos, exigem do trio a suspensão do desfile de "dados científicos" a partir de suas respectivas habilidades, sob pena de ultraje ao pudor em plena apoteose. 

Mas nada disso aconteceu, é claro. Como se vê, não é fácil preparar uma crônica toda semana, havendo ou não temas palpitantes. 


Reprodução/FaceBook

Já quase desistindo de garimpar um fato que me instigasse a escrever, descobri no FaceBook uma charge em que um casal de meia idade passeia com um garotinho numa calçada sem sinais de chuva, suor nem urina. O pai, talvez interessado em avaliar o legado genético-carnavalesco transmitido ao rebento, indaga: 

– Que escola você queria ver campeã? 

– A pública, pai! – responde o inocente.

 

Mas em meio à batucada, os foliões de hoje e os mandachuvas de sempre, irmanados na política do pão e circo, não parecem interessados em discutir meios e modos de virar de vez essa página infeliz de nossa história. "Ai, que vida boa, olerê! Ai, que vida boa, olará! O estandarte do sanatório vai..." – entoam. 


Vai ver, a charge foi publicada por engano, só para me deixar aqui reflexivo, contrariado, pensando no que vem aí e cairá no colo de nossas novas gerações, quando a ressaca geral passar. 

29 comentários:

  1. Ademar Rafael Ferreira28 de fevereiro de 2024 às 05:25

    Encontrar pérolas em cascalho de brita é missão impossível? Este texto prova o contrário, é possível sim. Viva a banalidade carnavalesca.

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  2. A crônica vem a propósito, mas a charge é magistral (Isa Musa)

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  3. Parabéns! Quando até s falta de assunto vira assunto e dela surge uma crônica magistral, só nos resta aplaudir!!!!! Nelza Martins

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  4. Sensacional. Parabéns mais uma vez.

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  5. A falta de assunto com o carnaval não é à toa e nem é singular. Eu mesmo acho que a tal festa não tem mais nenhuma sentido, pois concebido para a libertação de vontades e costumes que hoje em dia não requerem mais um carnaval para extravasar. O carnaval é uma redundância eu se não fosse feriado ninguém ligaria.Dedé Dwight

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  6. A crônica me fez lembrar da coluna do Macaco Simão. Ao final dela, após descrever fatos banais do cotidiano, ele arremata: "...Nóis sofre mais nóis goza, hoje só amanhã, que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno ".

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  7. Roberto Rodrigues Leite Bezerra28 de fevereiro de 2024 às 09:51

    É, caro Hayton, tudo muda. Você desfilou algumas alterações de cenário. Repórteres super esquisitos. Com piercings e tatuagens à mostra. E uma fala coloquial demais. O espectador fica ávido em reconhecer naquele profissional estranho, uma sabedoria nova, algo inusitado. Nada. É enfadonho, simplesmente. Agora tem, também, os factóides mirabolantes. Como as notícias de "dureza" a que você se referiu. Imbecilidades para um público que consome do mesmo. Concordo com você sobre a esterilidade de notícias dignas de comentário e análise. Parece que mergulhamos num "non-sense". O bom é que, mesmo assim, sua pena aguçada recolhe material. Ainda que seja um trabalho sobre a falta de situações importantes. É um mote.

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    1. Pois é... O grande Vinicius, em 1962, admitiu que havia dias em que a inspiração para escrever não surgia, ilustrando isso com a sugestão de escrever sobre uma cadeira à sua frente. Três anos mais tarde, Cony, sem ideias para sua coluna na "Folha de São Paulo", optou por descrever seu próprio bigode. Em 2003, foi a vez de Verissimo, buscando um tema para escrever no "Globo", quando acabou utilizando uma situação cotidiana envolvendo sua braguilha. E João Ubaldo Ribeiro, após resistir à falta de assuntos, finalmente cedeu em novembro de 2004, concluindo um texto com uma piada sobre a abundância de estrume de búfalo.

      Por ser apenas um abnegado discípulo desses e de outros gurus, considero-me perdoado porque estou em boa companhia na lamentável tarefa de publicar cerca de 800 palavras que rigorosamente não servem pra nada. Pelo menos enquanto a ressaca geral não passar...

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    2. Roberto Rodrigues Leite Bezerra28 de fevereiro de 2024 às 10:38

      Como discípulo você se sai magistralmente. Por isso aguardamos com avidez as quartas-feiras. Que será que trarão? Qual o olhar novo e sagaz? Ter como exemplo grandes mestres só o coloca em destaque e produzindo boas pérolas.

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    3. Além dos já citados, Manuel Bandeira dizia que Rubem Braga - reconhecido como um dos mais brilhantes cronistas brasileiros de todos os tempos - escrevia ainda melhor quando alegava falta de assunto!
      Hayton tá chegando lá! Rsrs

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  8. Quando o "garoto inocente" faz referência à escola pública, talvez esteja associando ao "carnaval" que é o ensino público em alguns lugares. Não vou generalizar, porque sempre existem as boas exceções... Mas, quando o(a) professor(a) é responsabilizado pela reprovação do aluno, pois prejudica a estatística do sistema, fica difícil entender...

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  9. Ayton. A alegada falta de temas, apenas mostrou, mais uma vez, teu grande talento. Sensacional! Foi ótimo sambar na tua crônica. Meu abraço.

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  10. Excelente! Apesar da alegada falta de assunto, sorri muito com algumas passagens e continuo bastante reflexivo com outras!!!

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  11. Valeu Hayton.
    Abordagens sutis e ao mesmo tempo diretas e oportunas para os tempos atuais. O mundo está perdendo a essência do que é bom e a mídia vivendo de temas truculentos, sem valorização da cultura e focado em superficialidade, infelizmente.
    Bora simbora com bons chopp,s e excelentes músicas, filtrando os bons carnavais, buscando a pureza das crianças (promessa para um mundo melhor para todos), rechaçando a política de pão e circo que vem desde o império romano e copiado com "maestria" por vários governantes; mas, sobretudo vamos cuidando da saúde física, mental e sexual em busca de vários momentos felizes.

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  12. "...mas há outros especialistas, iraquianos, sugerindo que relações íntimas, três vezes por mês, podem nos proteger do coronavírus."

    Noooossa! como diria o mineiro, esta informação, se estiver correta, vai tirar um peso das costas de muita gente!

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  13. Uma crônica carnavalesca, com certeza! Estão presentes temáticas muito apropriadas: sexo, marketing, discussões polêmicas, costumes, educação e até futebol! Nota 10 no quesito Enredo, querido Hayton! E ainda encheu muita gente de alegria: três vezes ao mês para garantir tanta euforia!

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  14. Hahahahahaha
    É necessário muito talento para fazer um ensaio sobre o nada, meu amigo!
    Plagiando o folclórico Dadá Maravilha: com você em campo, não há placar em branco.
    De toda forma, depois me diga quais são suas fontes de notícias, por favor.
    Não posso deixar de evitar!

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    1. Você não vale nada! 😂 De todo modo, tê-lo como leitor é tudo! 🤣 Prometo melhorar minhas fontes…

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  15. Tudo que você disser poderá ser usado... a nosso favor. Para nos divertir e nós, sim, termos assunto, sem precisar ver e ler tantas coisas sem nexo, nessa mídia banalizada e (cada vez mais) com qualidade duvidosa. Será que estão tentando atrair um público que, sinceramente, eu não sei qual é e que, portanto, não faço parte? Isto me colocaria à margem, ou seja, estaria eu me tornando um "marginal"!? Triste e, acredito, falsa constatação! Melhor esperarmos, concordo, pelas "pérolas colhidos no cascalho de brita" em forma de crônicas.

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  16. Excelente crítica e maravilhosa charge.

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  17. Por coisas assim é que quem lê uma crônica sua, pela primeira vez, fica viciado.
    Se quando lhe falta assunto e inspiração, você produz uma pérola como essa aí, imaginemos o que esperar quando algo lhe inspira!!!!
    Continue mandando brasa...

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  18. Acabei de ler o seu interessante texto da semana. Foram necessárias 48 horas para cumprir a missão. É que estava dedicado a uma causa muito especial, que impediu de cumprir a missão como de costume.
    Muito interessante a abordagem sobre acontecimentos sob inspiração do carnaval. A habilidade no uso de palavreado sobre temas picantes num momento tão adequado, certamente inibiu o autor no sentido de evitar se aprofundar na a abordagem de assuntos libidinosos, tão ao gosto de grande parte do público-alvo, no qual me incluo. A imaginação viajou e me senti gratificado pelo assunto abordado. Parabéns pelo desempenho apresentado.

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  19. Quanto à receita pra saúde, o problema é que só sobra receita caseira... quanto às entrevistas do Carnaval, jornalistas perderam o tempo estudando... ou não aprenderam nada, muito possível, ou nem era preciso. E vai piorar.

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  20. Está craque, pois o assunto, embora esquecido pelos maiores responsaveis, percebo o desprezo da Sociedade. Afinal, pouco se faz, nem tampouco se cobra. Vamos que vamos.

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  21. Mais uma vez diverti-me com sua crônica, Hayton.
    Mas nunca pensei que falta de assunto seria assunto em sua narrativa.
    Demais.
    Abraço.

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  22. Genial essa crônica! Ainda bem que existem pensantes que nos salvam do “pão e circo”!

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  23. Que sorte a nossa, seus leitores , até a falta de assunto do escritor gerou um belo texto.

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  24. Muito massa Hayton. Qd você fala das críticas aos jornalistas novatos me remete as coberturas de futebol na rádio gaúcha: as perguntas feitas p não serem respondidas, e sabem que não o serão. E no caso nen só os jovens as fazem. Gostei da crônica sobre a falta de assunto. Imagina se tivesse assunto. Kkkk

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