Tudo tem limite!

O ex-presidente José Sarney de Araújo Costa, batizado há 94 anos como José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, não era o único Ribamar do Maranhão. O nome é tão comum no Estado quanto José ou João, e o santo que inspirou seu nome original é um dos mais venerados pelos maranhenses. A cidade de São José de Ribamar, a cerca de 32 km da capital, atrai cerca de 50 mil romeiros para sua festa anual, que dura 13 dias em setembro.


Existem três versões para a origem do nome da cidade. A mais simples diz que Ribamar era um pescador que encontrou no mar uma imagem de madeira de São José, similar ao que aconteceu em 1717 em Guaratinguetá (SP) com Nossa Senhora Aparecida. Curioso que ninguém se pergunte quem jogou a imagem na água. O que teria motivado essa pessoa? Uma derrota do seu time? A falta de cerveja gelada? Nunca saberemos!

Outra versão diz que tentaram construir uma igreja voltada para a cidadezinha, mas a construção sempre desabava. Até que alguém sonhou que São José queria ficar virado para o oceano para proteger os pescadores, daí o nome Ribamar, uma corruptela de "arriba do mar".

A terceira versão menciona um capitão português salvo de um naufrágio graças à fé em São José. Os índios contribuíram com a denominação São José de Ari-bamar, que ao longo do tempo se transformou em Ribamar.

Escolha a versão que você preferir. Eu me daria por satisfeito se entendesse a mera troca de Ribamar por Sarney. De qualquer forma, homenagens ao protetor da cidade não faltam. Em uma pequena elevação próxima ao mar, há uma enorme estátua de São José de mãos dadas com o Menino Jesus.

Na frente da igreja principal, estátuas retratando cenas da vida do pai adotivo do Menino Jesus lembram as obras de Aleijadinho em Congonhas do Campo (MG). Não pela magnitude, mas pela disposição: duas fileiras simétricas de estátuas abrem uma passarela para os fiéis se dirigirem ao altar ou à arquibancada do outro lado da praça.

Apesar de tanta devoção, é no Carnaval fora de época que a cidade enfrenta uma superlotação e falta de itens básicos, de cadarço de tênis a sal de cozinha. Celebrado no primeiro fim de semana após a Quarta-Feira de Cinzas, o evento atrai cerca de 100 mil pessoas para ver os tradicionais blocos de São Luís. Talvez o fato de a cidade atrair mais foliões do que romeiros explique por que o santo teria tentado se afogar nas águas salgadas da costa maranhense.

Não é só em dias de festa que os moradores da capital migram para São José de Ribamar. É tradição ir de São Luís a pé ou de bicicleta para assistir à missa aos domingos. Após a obrigação, vem a diversão: as praias ficam lotadas de fiéis que, entre um banho de mar e outro, saboreiam cervejas geladas e devoram o prato típico local, o peixe-pedra.

Surfando na internet, descobri que a Justiça do Maranhão condenou um morador da cidade a 3 anos e 3 meses de prisão por usar uma tornozeleira eletrônica no lugar de outro réu. Em troca, ele recebia uma mesada de R$ 3 mil para não revelar a origem do dinheiro.

José de Ribamar foi preso em maio do ano passado, em sua casa no bairro de Itaguará, porque se identificou com um documento falso em nome de Ribamar José, investigado por tráfico de drogas. E o verdadeiro criminoso está foragido. Não foi localizado para responder ao processo junto com ele.

Em depoimento, José de Ribamar contou que conheceu Ribamar José por meio de um amigo, por coincidência chamado Ribamar dos Santos. Ele aceitou a proposta de Ribamar José para quitar uma dívida com um agiota e receber uma mesada fixa, pois estava desempregado e vivendo de "bicos".

Alerta: se você se confundiu um pouco com a profusão de josés e ribamares (um deles pertencente aos céus, que não tinha entrado na história), sugiro reler os parágrafos acima. Isso será importante ao final!

Ao tomar conhecimento desse caso, tive um pesadelo medonho. Com a volta dos ex-jogadores vascaínos Philippe Coutinho, Alex Teixeira e Souza, sonhei que o Vasco também teria trazido de volta o inesquecível Lucas Ribamar, conhecido como Ribamito ou Ribagol, autor da façanha de oito gols em 64 jogos entre 2019 e 2020.

Felizmente, não é verdade. Assim como é pura imaginação a história do Ribamar que foi preso por usar a tornozeleira de outro, o que revelaria um sistema de justiça vulnerável e a precariedade da vida de muitos brasileiros. 

 

Alguém aceitar uma proposta criminosa para quitar dívidas e sobreviver é um sinal de marginalização social e econômica que definitivamente não existe entre nós. A desigualdade e a injustiça por aqui não são tão gritantes assim. Tudo tem limite, ora bolas! 



 

Comentários

  1. Ademar Rafael Ferreira4 de setembro de 2024 às 05:30

    Nesta questão podemos ver um novo modelo de terceirização para uso do "adereço penal".

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  2. Meu amigo… não fique dando ideia como essa de alugar o tornozelo para bandido se livrar da tornozeleira… tem político por aí que irá adorar (Isa Musa de Noronha)

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  3. Belíssima homenagem ao Maranhão e a seus ribamares. Ficamos no aguardo da do Raimundo Nonato do Piauí, os Geraldo Magela de Minas Gerais e outras de nossas particularidades tão belas e profundas de cultura e história. Dedé Dwight

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  4. Aconteceu essa troca de canelas, não lembro se foi no Maranhão e o valor da mesada.

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  5. Enriquecedora e divertida esta crônica. Admito
    que não conhecia a história da cidade de São José de Ribamar. Todavia , haja Ribamar naquela terra !

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  6. É muita prosa !! 👏🏻👏🏻

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  7. Os coitados dos santos não aguentam tantas homenagens falsas! E o desrespeito aos seus nomes pelos políticos aproveitadores. Afinal, você não disse de que santo vem o nome Sarney? Marina.

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    1. Não sei, Marina. Lembro-me bem do livro “Marimbondos de Fogo”, do poeta Zé Sarney, sobre o qual Millôr Fernandes referiu-se como “aquele livro que quando você larga não quer mais pegar”. 

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  8. O Ribagol ex-Vasco deve ter ensinado o caminho das pedras sobre como perder gols a Gabigol do Mengão. Que fase!!!

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  9. Gostei muito dessa crônica pois explica a ocorrência de tantas pessoas de uma determinada região usar um mesmo nome, como é o caso do litoral norte de Alagoas onde encontramos muitas pessoas usando o nome Amaro, acho que em homenagem a Santos Amaro.

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  10. Diz-se que aquela ave de arribação (arribacã), fugiu dai de tanta confusão, kkkkk

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  11. Muito interessante e curiosa a história de tantos Ribamares. Excelente leitura. Heloisa Oliveira.

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  12. Agora, de fato, qualquer parte do corpo virou comércio. Após o início do tráfico de órgãos, descobriram uma rentabilidade em "canela de aluguel". Valei-me São José!

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  13. As crônicas do Hayton são um deleite para nós, os caatingueiros, sejam baianos, alagoanos ou de outras plagas desse amado bioma.
    Ainda com referência aos Ribamar, no Maranhão, tem os José de Alencar no Ceará, homenagem justa ao nosso grande escritor.

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  14. Crônicas sempre trazendo cultura, história e humor.
    Muito bom saber um pouco sobre o município de São José de Ribamar.
    O ex Ribamar que presidiu a Nação com tanta impopularidade, fez um favor ao santo São José de Ribamar e também aos Ribamares ao trocar de nome. 🤣

    Já dizia um José Ribamar,
    que se alguém
    difamar o nome,
    Que iria reclamar ao São José de Ribamar,
    Para que fosse desprogramar a certidão do fulano e acalmar a população.

    Simbora rumo à próxima crônica .

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  15. Muito boa! Conheci a cidade de São José de Ribamar há muitos anos!

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  16. Na família de minha ex nora Joseane mãe de Júlio e do Maranhão. O pai de nome José Ribamar Moreno (é o vovô Zezé) o irmão que mora no Rio de janeiro José Ribamar Moreno filho, (Zeca). Já pensou qtos nomes repetidos? Dayse lanzac

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  17. Parabéns por mais um texto publicado. Hoje, discorrendo sobre o folclórico nome José de Ribamar. Enriqueceu os conhecimentos do leitor e fez uma apresentação divertida. Muito bom. Valeu!

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  18. Num país onde se aluga extintor de incêndio na porta do Detran, pra passar na vistoria do carro, é de se acreditar em tudo. Até no futuro São Sarney do Maranhão, padroeiro de todos os padroeiros.
    Sem falar na nossa senhora dos esbaforidos.

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  19. Rapaz! Lembrei de Luiz Gonzaga: “como tem Zé lá na Paraíba!” . Mas o Maranhão parece que ultrapassou a lógica. Se o nome é dado para diferenciar um ser de outro, qual a lógica de tanto José, e de tanto José de Ribamar? Está parecendo que há um propósito nisso: confundir e fazer escapar de responsabilidades. Sobrou a pergunta - de onde veio o tal sobrenome Sarney se naquele tempo nem era permitido casamento entre pessoas do mesmo sexo? Kkk. Nelza Martins

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    1. Não acredito, Nelza, que tenha derivado daquela doença de pele contagiosa que pode causar um desconforto miserável, já que o seu principal sintoma é uma coceira renitente. De todo modo…

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  20. Ainda que bizarra, já estava acreditando na história da troca de tornozeleira entre os Ribamar(es).

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  21. Há, ainda, a tese de que Sarney foi a forma como um maranhense interpretou a fala de um inglês, que teria dito "Sir Ney".

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  22. Adorei a crônica.
    Mas o autor fica nos devendo uma explicação cientificamente improvável ou completamente falsa, desde que divertida e criativa, para a escolha do vocábulo “Sarney” para substituir Ribamar.
    E não vale a explicação simplista de origem patronímica!
    Haveria um estrangeiro detentor de um suposto título nobre chamado Sir Ney que participou de alguma forma do enredo? Haveria traição na história, dúvida sobre paternidade?
    No Dicionário Informal, o verbo “sarnear” tem mais de sete significados: ação ou efeito de pegar as meninas; tirar onda, esculachar; incomodar, encher o saco; fazer algo muito legal ou difícil; importunar uma pessoa.
    Sem falar que “sarnei” é um inseto hemíptero (Tibraca limbativentris), da família dos pentatomídeos, que ataca plantações de arroz, trigo, feijão, soja e tomate de todo o Brasil.
    Não sei se faz sentido pra algum leitor!!

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    1. Depois de uma aula dessas, Riede, eu diria que todas as alternativas estão corretas. E aquele bigodão merece uma crônica à parte, não?

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    2. Com certeza! Exclusivíssima! Rsrs

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  23. Tanto os "Ribamares" ou "arriba mar", como tantas outras homenagens que os pais prestam ao batizarem seus descendentes, nomes que depois se tornam populares, afora os apelidos, algumas vezes incorporados à identidade de batismo, contribuem para a complexidade da comunicação e das culturas regionais...

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  24. Marcos Fadanelli Ramos4 de setembro de 2024 às 10:00

    O melhor da crônica é a tentativa de afogamento. A versão que trata da igreja de frente é a riba del mar é a minha escolhida.

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  25. Caro Cronista .... EXCELENTE .... mas a única coisa que entendi em nessa bela crônica é que o pescador Ribamar achou uma imagem de um tal José que foi jogada de um navio naufragado pela incompetência marítima de um capitão português que, como o Presidente, trocou o nome de Joaquim Manoel para José e foi salvo pelo índio Ribamar que construiu sua oca de frente pro mar. E viva o MARANHAO.

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  26. Nunca duvide de absolutamente nada do Maranhão. Ali acontece de tudo...rs. só fiquei esperando o pobre do santo aparecer de tornozeleira. Aí seria o fim.

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  27. Eita! O que não faltam são histórias e estórias de Ribamares e Josés da vida nesse velho Maranhão! Já vi várias utilizações para canela, eu gosto de colocar a em pó no café com leite, a em lasca no doce de leite em calda, e principalmente, evito deixar as minhas de bobeiras quando estou jogando futebol, mas, essa de aluguel é a primeira vez que vejo! Valeu! 👏👏👍👍

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  28. Caríssimo Hayton, as suas crônicas são fantásticas pelas abordagens temáticas de tudo que é assunto (podendo-se dizer de A a Z), sempre trazendo algum conhecimento cultural/folclórico, comportamentos sociais, problemas ambientais e outros diversos, reais ou não.
    De forma muito inteligente e construtiva, elas estão sempre associadas com pitadas de humor, mas a sua verve literária invariavelmente nos remete à alguma reflexão, sendo muito perceptível, mesmo que com sutilezas, as suas críticas/preocupações e bastante sensibilidade pelas desigualdades e mazelas sociais, independentemente de fatos verídicos ou ficcionais.

    Nelson Lins

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  29. Você não toma jeito, até quase tripudia sobre qualquer que seja o tema de suas pérolas.
    Essa de agora beira o surrealismo, sem contar que nos faz lembrar de um personagem definitivamente singular em nossa história, o imbatível, insuperável, inesquecível até - haja adjetivos -, o bigodudo lá do Maranhão. Aquele, se não existisse, merecia ser inventado.
    Imperdível aí, também, o comentário de seu "cumpade" Jessier - em poucas palavras nos faz elucubrar, e como!!!!!

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  30. Hahahahahaha
    Meu Deus! Que confusão!
    E o pior é que a gente vai acreditando…
    Ótima! 🤣

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  31. Tudo tem limite! Tudo, exceto o poder da imaginação criativa. Fé, cultura popular, futebol, política - tudo encadeado em mais uma crônica que, diferente do “Marimbondos de Fogo”, quando a gente pega não consegue parar de ler… e viajar.
    Como sempre, os leitores-comentaristas fiéis do cronista conseguem ampliar e enriquecer a crônica.
    Sobre os nomes, sempre me chamou a atenção a quantidade de Francisco no Ceará. E o IBGE disponibiliza uma ferramenta de pesquisa - por município ou Estado - o número de cidadãos por nome. A interessante ferramenta é Nomes do Brasil.
    A propósito, também fiquei curiosa para saber a origem do nome do nosso admirável cronista.

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  32. Tive o prazer de conhecer a gloriosa São José de Ribamar nos idos 1995. Em setembro, a trabalho. Mesmo sem carnaval, foi ótimo.

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  33. É, Hayton. Tudo tem limites. Até a modéstia de afirmar que "a desigualdade e a injustiça por aqui não são tão gritantes"... Ora bolas, dizem os seus leitores fiéis! Kkkkkkkkkkkkkk

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  34. Gostei mesmo foi da “ironia”. Característica de grandes cronistas.

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  35. Hayton, sem palavras descrever mais esta crônica, onde como maranhense que sou, moradora de São Luís, ainda não tinha lido uma crônica tão completa como tal. Vou muito pouco a São José de Ribamar, caros amigos, mas é tudo isso. Contudo, chegando lá, in loco, ainda podemos ouvir mais história, lendas, etc. O nosso estado é muito místico mesmo e sua literatura é vasta mesmo. Quem ainda não a conhece, venha ver de perto, os segredos da cidade veraneio. Só faltou falar do lava - pratos, após o carnaval.

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