
Conheci-o em meados de 1995. Acompanhava numa audiência, que me solicitara no dia anterior, seu velho amigo oficial da reserva do Exército, coronel Humberto Bezerra, sócio-proprietário e então presidente do BicBanco, credor de várias operações vencidas em nome de prefeituras alagoanas.
Embora o Banco do Brasil fosse responsável pelo pagamento do Fundo de Participação dos Municípios – por ordem do Tesouro Nacional –, esclareci que não seria possível retirar das contas das prefeituras os valores em atraso sem expressa autorização. Mas me dispus a orientar nossos gerentes para que tentassem convencer os prefeitos a renegociarem as dívidas atrasadas.
Satisfeito com o desfecho da audiência, o coronel Amaral fez questão de registrar na saída: “Soube que você chegou criança aqui em Alagoas e vejo que é gente boa. Se precisar de mim, é só ligar. Nada como uma conversa franca pra conhecer uma pessoa...”. Devia falar daquilo que hoje em dia a molecada chama de um papo reto.
No dia seguinte, chegou à recepção da superintendência um pacote em meu nome, contendo algo incomum: um revólver calibre 38, prateado, seis balas, com documento de porte, segundo o remetente para “minha defesa pessoal”. Do seu jeito, quis o coronel apenas ser gentil, retribuindo a atenção dispensada a seu antigo colega de farda.
Com três filhos menores e sem nunca haver disparado um tiro sequer – a não ser de espingarda de ar comprido em "tiro ao alvo" de festas no Interior –, pensei em me desfazer do “mimo” mas logo percebi que não seria tão simples. Estava registrado em meu nome e poderia me complicar em eventual exame de balística, caso fosse utilizado de forma criminosa por terceiros.
Devolver poderia ser interpretado como desfeita de minha parte. Resolvi então separar os projéteis da arma de fogo e escondê-los até o dia em que deixasse Alagoas. O sossego só reapareceu lá em casa bem mais tarde, quando da campanha nacional de desarmamento da população.
Menos de três meses depois recebi o gerente de uma de nossas agências, bastante assustado com uma ameaça de morte que teria sofrido naquela manhã. Ele vinha conduzindo inquérito administrativo para apuração de irregularidades que poderia resultar na demissão de uma pessoa.
Contou-me que alguém ligou perguntando se ficara satisfeito com a peixada que comeu no almoço do dia anterior (um domingo), ao lado da mulher e dos filhos pequenos, num restaurante próximo de sua casa. Em seguida, perguntou se não temia o que pudesse acontecer, caso insistisse em prejudicar a vida dos outros.
Ouvi o relato e questionei se por acaso fazia ideia de quem estaria por trás daquela ameaça. Disse que desconfiava que poderia ser algum parente da pessoa que estava respondendo ao inquérito administrativo. Mas como não havia provas, não queria, óbvio, fazer ilações, levantar falso testemunho.
Não era a primeira nem seria a última vez que me procuravam em pânico, sob ameaça, mas algo me dizia que se tratava de coisa mais séria. Era nessas horas que me perguntava diante do espelho: isso aqui é mesmo atividade bancária? Quem disse que "cão que late não morde"?
Lembrei do coronel Amaral, peguei o telefone e pedi sua opinião sobre o caso. Contei os fatos rigorosamente como me foram relatados. No mesmo dia, foram intimados a comparecer à Secretaria de Segurança Pública: o gerente que se sentia ameaçado, a pessoa que poderia ser demitida e alguns de seus familiares, escolhidos, claro, nem tanto aleatoriamente.
Conhecido por seu temperamento imprevisível, o coronel começou a reunião em tom amistoso, falando sobre a enorme admiração que nutria pelo BB, do respeito pelo superintendente que conhecera havia pouco tempo, até chegar à ligação que recebera, reproduzindo-a passo-a-passo, esmiuçando cada detalhe de forma mansa e didática.
De repente, seu rosto transfigurou, ficou encarnado. Voltou-se então para os familiares – que ouviam a tudo com ar de “onde ele quer chegar com essa conversa mole?” –, deu um tapa na mesa e esbravejou: “se não for nenhum de vocês, procurem e achem quem anda fazendo isso com o gerente do BB, se não todos irão prestar contas comigo, fui claro?!”
De fato, nada como um papo reto. Não sei se foi apenas coincidência, mas o gerente pôde concluir em paz o trabalho que vinha fazendo. E nunca mais me procurou para falar de ameaças. Só de atividades bancárias.