A apertada disputa voto a voto – João Agripino venceria com menos de 1% de vantagem – no final de 1965 empolgou o município e tocou fogo na meninada da Rua Bossuet Wanderley, a disputar quem juntaria mais “santinhos” dos dois candidatos. Mais tarde, parte desses papelotes serviriam de cédulas na votação para prefeito da rua. Para fazer o quê? Não sei. O que fazer depois de eleito nunca foi importante no universo político deste país.
Ninguém queria enfrentar Lindomar, chamado de “Lindo”, moleque dentuço, brigão, metido a intimidar crianças menores, filho caçula de Seu João da perfumaria. Seria derrota líquida e certa de quem se atrevesse a encará-lo em todos os sentidos. Vivia a imitar o lutador de luta-livre Ted Boy Marino (1939 – 2012), fazendo das esquinas ringues de brigas de rua no auge do “telecatch” na tevê.
Mas se não houvesse disputa não teria graça alguma. Alguém cogitou minha candidatura e a vaidade, por certo, me fez entrar na brincadeira. Acho que só não queria perder de goleada, porque a derrota era quase inevitável. De cerca de 21 moleques eleitores, na largada uns 15 declararam apoio a Lindo.
Zé Augusto, vizinho meu, estava quieto no seu canto a observar a paisagem, sentado no meio-fio junto a um poste de madeira. Era respeitado por ser mais velho, estudioso, um líder pré-adolescente. Foi o primeiro a quem procurei. Mas dele logo ouvi que não poderia pedir votos aos amigos porque não queria encrenca com Lindo.
Ao pé do ouvido, porém, cochichou que me ajudaria no que pudesse. Lembrava, certamente, de que eu o flagrara alguns dias antes, por cima do muro do quintal, se esfregando numa cozinheira que trabalhava em sua casa. Se sua mãe soubesse disso a encrenca seria outra. E vejam que nem existiam smartphones para registrar a ocorrência.
Já com os irmãos Cleto e Flávio, filhos de um conhecido advogado na cidade e amigos de Lindo, com quem partilhavam o hábito de fumar tocos de cigarro atirados ao chão que encontravam pelas ruas, devo ter sido mais explícito. Vira os dois aprendendo safadezas com o vigia de uma obra numa esquina nos fundos do Colégio Cristo Rei. Devo ter dito algo assim:
– Votem em mim e podem dizer que votaram nele; fica só entre a gente...
– Votem em mim e podem dizer que votaram nele; fica só entre a gente...
Júnior, filho de um dos empresários mais ricos da cidade – dono da concessionária Willys nos anos dourados da Rural, Pick-Up, Jeep e Aero-Willis – foi outro que acabou trocando de lado depois que levou uns murros de Elpídio, irmão mais velho de meu adversário. Não tive nada com a briga mas confesso que podia separá-los e cruzei os braços, a pressentir que lucraria com a troca de sopapos.
No dia da abertura da caixa de papelão improvisada como urna para votação secreta, veio a surpresa: fui eleito por um mísero voto de diferença, para desespero de Lindo, que chegou a exigir a recontagem dos votos. Era tarde.

– Hayton, venha já pra casa! Saia do meio desses moleques senão vou contar pro seu pai que você só quer viver no olho da rua! – esbravejou. Chorei de raiva e constrangimento mas tive que renunciar ao cargo sem tomar posse.
Mudaria com minha família para Alagoas no começo de 1968, acompanhando meu pai em sua vida cigana como funcionário do Banco do Brasil. Nunca mais ouviria falar daquela turma até voltar a Patos, 35 anos depois, quando soube que alguns dos meninos também haviam partido... para sempre. Envolvidos com arruaças e drogas, morreram em conflitos entre quadrilhas ou com a polícia.
Disse outro dia, e repito neste instante, que estaria até agora sob penitência se tivesse contado ao padre todos os meus pecados antes da primeira e única comunhão. Dei sorte. Pais farejam no ar certas coisas – como cheiro de terra molhada em plena estiagem – e tratam de cortar as asas de seus filhotes ainda no ninho. Parecem bruxos.