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Eu sei e você sabe

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Ele fingia na maior cara lisa! No Carnaval de 1972, deu a entender que gostava da folia e não largou minha mão nos três bailes, chegando a assobiar, no último dia, “Oh, quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar... É de fazer chorar!”. Na hora, não percebi que o assobio era mais sinal de alívio e ironia. Filho de um colega de trabalho de meu pai, eu o conheci ainda criança numa cidadezinha do interior, jogando futebol-de-botão com meus primos. Festeira desde cedo, quatro anos depois, naquele Carnaval, pensei com meus brincos e pulseiras: “Taí o cara!”. Se bem que nada rolou além de alguns abraços encabulados. Nem sequer um beijo – na época, matava-se a sede gole a gole –, mas me fez deixar de lado um relacionamento que eu mal começara com um rapaz bem mais velho que eu, que viajou em pleno feriadão.    O “cara” era alto, magro, queimado de sol e faria 14 anos no final do mês. Na madrugada de Quarta-Feira de Cinzas, ele propôs: – Fale com sua mãe… Passe lá em casa seman

Tiro no pé (descalço!)

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No final do ano passado, a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) apresentou projeto de lei que deverá ser apreciado pelo plenário da Câmara nos próximos meses mas já provoca intensa troca de farpas nas redes sociais. A proposta, se acolhida, altera o artigo 155 do Código Penal, isto é, descriminaliza o “furto por necessidade” e define o que é “furto insignificante”.   O crime de furto é a subtração de parte do patrimônio de alguém sem o emprego de violência. O Código Penal prevê cadeia de um a quatro anos e multa. A lei ainda admite o aumento da pena para quem furta durante a noite, horário em que as pessoas costumam dormir. Mas quando se trata de pequeno valor, permite a redução da pena ou até o perdão, aplicando-se apenas multa.   A justificativa para desqualificar o crime de furto é o recrudescimento da miséria nos últimos anos. O projeto caracteriza furto por necessidade quando “algo for subtraído em situação de pobreza ou extrema pobreza para saciar a fome ou necessidade bási

Golaço de ombro

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Mal começa o ano e Roberto Dinamite, com o rosto pálido, olhos sem brilho, anuncia o início de tratamento para tentar derrotar tumores no intestino. E na onda de solidariedade que se forma, aparece Zico, no Instagram : “Bob, amigo... Você sempre foi um guerreiro e vai vencer mais essa luta fazendo um gol de placa... Queremos você sempre com o seu sorriso...” Conheci Dinamite na noite de 06/10/2013, no Aeroporto JK, em Brasília. Ele, presidente do Vasco da Gama, chefiava a delegação do clube ,  que   acabara de empatar em 1x1 com o Flamengo , no estádio Mané Garrincha . Eu participaria de uma reunião de trabalho na manhã seguinte, no Rio, e aguardava o embarque quando ele se sentou ao meu lado.    Tomei a iniciativa de me apresentar. Logo, ele quis saber se havia como a “minha” empresa patrocinar “seu” clube sem a exigência de certidões negativas  requeridas  pela Caixa Econômica. Esclareci que a regra valia para todas as estatais envolvidas com marketing esportivo. E tocamos a conversa

Bagunça das boas

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Semana passada toquei no assunto, mas sem maiores detalhes. Durante certo tempo, aos sábados, juntávamos dez irmãos na casa da matriarca para beber cervejas, falar de conquistas e frustrações e ouvi-la de novo a nos convocar à velha mesa onde ajoelhávamos diante do panelão do dia, mesmo depois de casados e da chegada das primeiras crias de uma nova geração.    Etiqueta nenhuma! Quase todos colocavam os cotovelos sobre a mesa. Embora a atitude passasse um ar de desleixo, era importante garantir espaço roubando daqueles que estavam ao lado, sob pena de perder os melhores pedaços. Manter os cotovelos junto ao corpo, apoiando apenas os antebraços ou os punhos, como reza qualquer manual de bons modos, poderia levar o bem-educado a deixar a mesa com fome, procurando reforço de  cream crackers .    Ilustração: Umor Ninguém usava adequadamente os talheres. Não adiantava a mãe lembrar que o garfo deveria ser usado na mão direita, enquanto a faca descansava na parte superior do prato, com a serr

Tá perdoada, mãe!

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Eu já a perdoei por todas as mamadeiras de mingau de amido que me serviu depois da chegada de meus  irmãos mais novos, quando perdi  o direito às tetas maternas. Também por todos os bolos, coalhadas, cuscuzes, omeletes, papas, pastéis, pudins, sorvetes, sopas, tapiocas e tortas com que ela, sem dolo ou má-fé, apostou em mim a sua própria perpetuidade.  Perdoei ainda as horas de quintal e de rua que me foram confiscadas para mexer panelas de doce de leite, caju, goiaba, mamão, ou de canjica e pamonha. É certo que havia algum pagamento em raspas de tachos, mas sob ameaça de castigo – meia hora num canto da cozinha, inalando aquela profusão de cheiros – caso a massa grudasse no fundo da caçarola.   Relevei também todas as vezes em que tive que acordar cedo e ir à padaria comprar pães, ainda que ela fingisse não ouvir quando eu lhe contava que um   ou outro caíra do pacote e que, só para não dar gosto ao cão, eu me impunha o sacrifício de comê-lo ainda quente, mesmo sem manteiga.   Esqueci

Pisaram no Tomate

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Você que ainda perde tempo com o futebolzinho que andam jogando no Brasil já deve ter ouvido falar de Gentil Cardoso (1906 – 1970), um técnico que fez sucesso na metade do século passado. Seu discurso paternal e folclórico incorporava o palavreado do povo com leituras de Gandhi e dos filósofos Cícero, Platão e Sócrates. Expressões suas são lembradas até hoje, como: "quem se desloca recebe, quem pede tem preferência"; "craque trata a bola de você, não de excelência"; "vai dar zebra" etc. Foi ele o primeiro a chamar de “cobra” atacante perigoso. E dizia que “brinca nas onze” aquele que era capaz de atuar em várias posições.    Era um entusiasta da troca de passes curtos, do jogo de pé em pé que mais tarde encantaria o mundo quando o Barcelona de Guardiola, Iniesta, Xavi e Messi mexeu com a estética do jogo, dentro de uma lógica puramente “gentil”: “A bola é feita de couro; o couro vem da vaca; a vaca gosta de grama; logo, lugar de bola é rolando no gramado”.

De queixo caído…

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Apesar do clima de casa-de-mãe-joana reinante entre nós, quem parece nunca perder dinheiro são os bancos. Lembram o joão-teimoso, aquele boneco de borracha ou plástico com base abaulada onde se concentra a maior parte de seu peso, o que o leva de volta à posição vertical a cada tentativa de derrubá-lo. Aplica-se também ao líder político da predileção de cada um.   Problemas como conexão remota “fora do ar”, cartões de crédito não solicitados, juros abusivos, tarifas exorbitantes, portas discriminatórias etc., ainda tiram os clientes do sério. Mesmo assim, não dá para comparar o sistema bancário clássico ao universo da agiotagem e seu repertório de perversidades.    Digo isso porque, depois de mais de 40 anos lidando com atividades financeiras, eu seria capaz de jurar que tinha visto tudo. E só agora, aposentado, fiquei sabendo de um caso que deixa qualquer pessoa de queixo caído.    Li no  Correio Braziliense , semana passada, que nos primeiros dias do ano tramitou pela Suprema Corte e

Por alguns punhados de dólares

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  Menino ainda, ele saía do cinema nas matinês de sábado com um toco de cigarro de mentira no canto da boca, as pernas arqueadas e as mãos prontas para sacar revólveres imaginários, rolar os gatilhos nos dedos fura-bolos e disparar contra bandidos fantasmas. Na sequência, com o olhar gelado, soprava a fumaça do cano das armas e seguia adiante. Ao fundo, ouvia-se o assobio da trilha sonora de “Por um punhado de dólares”.   Para o menino, no Velho Oeste tudo se resolvia na bala ou na ponta do punhal. Lugar de ladrões ousados que saqueavam em plena luz do dia, ávidos por, nas horas de folga, violentar as donzelas mais formosas. Terra também de dançarinas ruivas e voluptuosas nos  saloons  e de caubóis de bravura indômita, inclusive contra pele-vermelhas que resistiam em desocupar áreas de garimpo de pedras preciosas.  Ele cresceu. Aprendeu nos livros que o Velho Oeste era bem diferente daquilo que os filmes davam a entender.    Que, na verdade, as únicas terras ocupadas ficavam no Leste n

Tiro por mim… Muda tudo!

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Já se foi o tempo em que, de tardezinha, mesmo nos bairros mais nobres das grandes cidades, era costume as vizinhas se darem boa noite, levarem cadeiras de balanço para as calçadas e baterem com gosto a língua nos dentes, retirando as aranhas da garganta, a falarem de tudo e de todos enquanto aguardavam a janta.  Vivemos em  casulos domésticos desde antes da pandemia, o que tem nos isolado cada vez mais. Grades ou telas nas janelas não conseguem mitigar o tédio de almas carentes de calçadas e quintais, engolidas pelo uso desmedido de celulares e pela programação da TV divulgando da forma mais cruel a barbárie da hora.  Tiro por mim, aqui debruçado sobre uma triste constatação no fechamento do balanço de meus atos e omissões durante o ano. Moro há tempos em prédios residenciais e, afora os cumprimentos inevitáveis e protocolares no elevador ou na garagem, não me recordo de haver trocado três palavras com vizinhos sobre algo de fato relevante, capaz de propiciar retorno reflexivo mútuo.