Faz parte do imaginário coletivo de Pindorama acreditar que constitui uma nação de 200 milhões de almas abençoadas, acolhedoras e cheias de graça, vivendo num paraíso miscigenado e igualitário. Pensar diferente soa impatriótico para alguns, seja lá o que isso signifique. Nos dias atuais, então...
O culpado disso talvez seja o cidadão que compôs País Tropical na virada dos anos 1970, ufanista homenagem a carnaval, clima, futebol e até ao Cristo Redentor de braços abertos numa época nada redentora em que se enaltecia um povo ordeiro e inteligente, filho de uma pátria-mãe bonita por natureza, com um futuro maravilhoso.
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Hoje, sei não... Ainda que circulem nas redes sociais vídeos exaltando a inteligência e a criatividade do povo, com seu jeito macunaímico de ser, capaz de encontrar soluções simples para os problemas mais complexos. E o desfecho é sempre o mesmo: “Agora a NASA vem!”
A menção à agência espacial norte-americana, claro, reporta-se a uma inteligência digna de ser esmiuçada, tão incomum que seria importante aprofundar estudos para que a mais poderosa nação do mundo não seja apanhada de surpresa.
Tenho motivos para acreditar que o povo de Pindorama anda retrocedendo intelectualmente a passos largos.
Você, leitor ou leitora, acha inteligente um cidadão, que diz amar a Deus sobre todas as coisas, querer explodir um aeroporto em pleno Natal? Pior: usando tornozeleira eletrônica, instalar uma bomba num caminhão de combustível, convicto de que nunca seria descoberto?
Cidadão, aliás, que até bem pouco tempo fazia um barulho medonho por causa da discussão sobre banheiro público unissex e, mesmo assim, passou os últimos meses acampado em frente a um quartel-general, produzindo obras líquidas e pastosas em cubículos compartilhados com todos, todas e “todes”.
Por falar em “todes”, nesses tempos de linguagem neutra, até o “bom-dia” na abertura de uma reunião passou a ser desejado a todos, todas e “todes”. Perguntar não dói: não seria pouco inteligente (ou, no mínimo, um retrocesso) chamar a principal líder de uma empresa de presidenta?
Eu já vinha chateado com o fato de que outro cidadão, endeusado por fãs como uma jazida moral acima de qualquer suspeita, teria gastado, nos quatro anos em que ocupou um determinado cargo público, nada menos que R$ 8,6 mil em sorvetes, utilizando um cartão corporativo cuja fatura foi paga por mim, você e outros milhões de contribuintes bestas (perdão pelo pleonasmo!).
Uma semana após assistir pela TV a posse de um líder político antipatizado por metade da população, eu cochilava depois do almoço do domingo, 8 de janeiro, quando vi milhares de almas inconformadas com a vitória nas eleições da outra metade partirem para o quebra-quebra dos templos sagrados dos três poderes da República.
No dia seguinte, revendo as cenas do quase apocalipse de Pindorama, onde os seres vivos mais sensatos pareciam ser os cavalos da Polícia Militar, ficou claro: nem aborto, camisa-de-vênus, coito interrompido ou fingida dor-de-cabeça teria evitado tanta asneira.
Entre os extremistas, não havia negros, homossexuais, portadores de deficiências ou povos indígenas, nem mesmo yanomâmis. Só “caras-pálidas” de bundas brancas, agora acampadas num retiro nada espiritual à espera de um milagre, talvez refletindo sobre “vasos turcos” no chão, aquele buraco que obriga o preso a ficar de cócoras para utilizá-lo.
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No contragolpe para responsabilizar os que tiveram participação concreta nos atos de terrorismo (inclusive com a “sábia” veiculação nas redes sociais de provas contra si mesmo), descobriu-se que um incauto cidadão guardou em sua própria casa uma minuta do documento que poderia decretar o natimorto golpe de estado.
Fora isso, ao ser preso, no exterior, verificou-se nos registros alfandegários que até hoje ele teria sido o único turista que esteve nos Estados Unidos e não trouxe um celular novo, com o agravante de ter esquecido o antigo, como se fosse uma cueca suja ou um par de meias furadas.
Cheguei a pensar que o turbilhão de asnices pudesse ser uma molecagem vinda “lá de cima”, partindo de alguém que neste mês completaria 100 anos: Sérgio Porto, ex-bancário falecido em 1968, que continua vivíssimo sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Com seu humor corrosivo e irônico contra os absurdos do regime militar, ele inspirou toda uma geração de jornalistas, escritores e chargistas com as crônicas que compõem o inesquecível Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá).
Digo isso porque a fonte de idiotices não para de jorrar. Esta semana, por exemplo, soube de uma estudante de medicina que está sendo investigada por dar um golpe em colegas da faculdade. Desviou quase R$ 1 milhão dos valores arrecadados para festa de formatura que não estavam sendo bem geridos pela empresa contratada, fez “aplicações ruins” e perdeu dinheiro. E, “inteligentemente”, tentou recuperá-lo em apostas lotéricas.
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E acabo de ler numa rede social a mensagem de outro importante cidadão: “Para minimizar os efeitos das chuvas…, antecipamos o pagamento das parcelas atrasadas, pelo governo passado…”. Você, que me leu até aqui, sabe como se antecipa o pagamento de parcelas em atraso?
É, talvez agora a NASA venha. A ciência precisa explicar o fenômeno.