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Sem motivo, juro!

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Você não deve condenar os invejosos. No lugar deles, certamente também iria querer ser você, concorda? Se eu tivesse sido poderoso como meus filhos pensavam, rico como minha mãe achou que eu seria e irresistível como minha mulher ainda tem certeza de que sou, não vou negar: eu teria inveja de mim.   Você já ouviu falar na expressão inveja masculina? Pode parecer estranho à primeira vista e o motivo seria que esse sentimento sempre foi associado às mulheres. Nada mais sexista. É outra forma de colocar as mulheres em posição de inferioridade em relação aos homens.   Dito de outra forma, é como se a inveja não fizesse parte do acervo de emoções do homem, porque ele seria um ser “completo”. Não é assim. Manifesta-se quando qualquer pessoa se sente ameaçada diante da possibilidade, fantasiosa ou não, de ser preterida na escolha de determinado cargo profissional, ao ver a pessoa amada com outra, essas coisas.    Enfim, estou seguro de que a inveja também é coisa de cabra macho. E nem preciso

Segue o baile

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Meu filho, hoje quarentão, outro dia compartilhou comigo a nova grade de aulas complementares de meus netos, ambos no 1º ano do ensino Médio de um colégio no bairro do Tatuapé, em São Paulo. Não sou do ramo, longe disso, mas fiquei animado. E não só por conta da titulação rebuscada das cinco trilhas de aprendizagem no contraturno escolar de segunda a quinta-feira. Veja: Gestão de negócios e consumo sustentável; Paz, justiça e instituições eficazes; Saúde e bem-estar; Ação contra mudança global do clima e Escola de negócios: crescimento econômico global.     Há quatro décadas, já membro, a contragosto, da “elite” pagante de mensalidades escolares, me indignava com a excessiva mercantilização da educação. No começo de cada ano letivo, cobrava-se dos pais de alunos desde rolos de papel higiênico até caixa de fósforos, passando por barbantes, bolas de isopor, canudos, garrafas, pregos, velas etc., numa lista interminável de materiais “escolares”.  Ficava intrigado: se todos os alunos cumpr

Tá pensando o quê?

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É, meu amigo “Charlie” – assim você era chamado, numa referência boba àquela velha canção popular, lembra? –, lá se foram três anos que suas cinzas foram lançadas sobre as águas de um braço da lagoa de Pituaçu, próximo ao condomínio onde você morava, na Bahia.    A morte em si não melhora (nem piora) ninguém. Você, meu amigo, continua sendo uma das maiores reservas de caráter que conheci.   Apesar da dúvida quanto à existência de Deus. Afinal, você nunca engoliu essa história de “poucos com tanto e tantos com tão pouco”  como desígnios divinos .  Ou de suas esquisitices terrenas, algumas inexplicáveis. Por exemplo, detestava “barbudinhos vermelhinhos”, como você dizia.   Talvez resquício da primeira metade dos anos 1960, quando, vindo do interior paulista, você servia à Polícia do Exército no Rio de Janeiro. Ou porque, diferentemente de outras pessoas, você não tinha motivos para idolatrar Marx, Fidel, Guevara e outras barbas icônicas.    Um dia, você virou bancário. Doeu, mas teve que

Amor que fica

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Era comum, antigamente, a pré-estreia de filmes nas salas de cinema do interior. Algumas personalidades eram convidadas a pagar um ingresso especial para, em primeira mão, assistir aos filmes que entrariam em cartaz nas semanas seguintes.   Meu pai insistiu para que minha mãe fosse com ele à pré-estreia de  Love Story , que se tornaria um dos maiores clássicos de bilheteria de todos os tempos. O filme narra o drama de um estudante de direito que se apaixona por uma estudante de música. Logo depois de casados – contra a vontade da poderosa família dele –, ela descobre que não consegue engravidar e que sofre de uma doença grave, irreversível.   Minha mãe, cansada da faina diária envolvendo nove crias, no escurinho do cinema não viu nem a abertura das cortinas. Acordou com o choro convulsivo de uma moça a seu lado: – O que foi, filha, tá passando mal?   – Que tristeza... – soluçava a moça.   Esses dramas não eram corriqueiros na União dos Palmares – berço de Jorge de Lima, o príncipe dos

Nao pegou bem!

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Apesar de nunca ter visitado a República de Santa Cruz, meu espirituoso amigo Carnaúba, aposentado, morador da Massagueira, distante 15 km de Maceió, me disse certa vez que o melhor dos mundos é quando um comandante de um transatlântico conduz um barquinho entre as ilhas da lagoa Manguaba. E o pior, quando um piloto de teco-teco, numa emergência, é chamado para aterrisar um Boeing 747.    Antiga colônia do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a República de Santa Cruz só obteve sua independência em meados dos anos 1930. Trata-se de uma das menores nações em extensão territorial da África.    Além de ser banhada pelo oceano Atlântico, grande parte do território é coberta por savanas e possui belas paisagens naturais, sendo que as praias e os parques de animais (inclusive antas, jabutis, papagaios, quero-queros e veados) atraem milhares de turistas do mundo inteiro.    A economia é incipiente, já que o país não consegue oferecer trabalho para a maioria da população (10 milhões de

Cinzas de uma Quarta-feira

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Nestes catárticos dias de Carnaval pós-Covid-19, lembrei-me do líder político russo Vladmir Putin, que vira e mexe ameaça apertar o botão e deflagrar a terceira e definitiva guerra mundial, determinando o fim da aventura humana na Terra. Fotografia: Dedé Dwight Não sei a quem pretende assustar.    Dos mais velhos, como eu, corre o risco de ouvir algo como “já aperta tarde!”. Afinal, ficar por aqui assistindo à onda de catástrofes naturais (ciclones, dilúvios, epidemias, incêndios, deslizamentos de barreiras, terremotos etc.) e antinaturais, como irmãos famintos na fila do osso na porta de açougues em busca de sobras dos mais favorecidos, talvez o confronto generalizado nos poupe inclusive da tristeza do noticiário.   Dos mais novos, nem sei se ouvirá alguma coisa, dado que têm preocupações mais substantivas (para eles!) como o alucinógeno da hora, a coreografia da vez ou ouvir de novo “Zona do Perigo”, o pagodão de Leo Santana que me tortura os ouvidos há dias, mesmo de janelas fechada

Nunca se sabe

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Tive a sorte de poder bater papo por 15 ou 20 minutos com alguns personagens de nossa história contemporânea. Isso, claro, por conta de algumas funções que exerci durante mais de 40 anos numa grande empresa brasileira. A lista é boa e vai do universo artístico-cultural (Altamiro Carrilho, Armando Nogueira, Capiba, Carlinhos Brown, Daniela Mercury, Dona Canô, Gilberto Gil, Herbert Vianna, Ivete Sangalo, Jaguar, Jessier Quirino, João Barone, João Carlos Martins, Lulu Santos, Maria Gadu, Roberto Carlos, Samuel Rosa, Zeca Baleiro e Ziraldo), passa pelo campo esportivo (Bernardinho, Buglê, Cafu, Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Guga, Nalbert, Pelé, Roberto Dinamite, Tande, Zé Roberto Guimarães e Virna), até a classe política (ACM, Marco Maciel e Miguel Arraes).    Conversas que me renderam alguns textos publicados neste espaço. Escritores cascudos, reconheço, produziriam coisas mais interessantes, mas não tiveram o privilégio de assistir (de camarote!) aos fatos, ainda por cima recebendo s

O jogo das coisas que são

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Esta semana meus primeiros netos completaram 15 anos. Mesmo de longe, acompanho a odisseia deles desde a época em que o tempo se media – e se celebrava! – em gramas, até que a fé na vida suplantasse a dúvida e o medo.   Hoje, vê-los sorrindo é suficiente para reabastecer o meu tanque de esperança e seguir viagem. Sem pressa.   Vingou a vida, brotou o avô que hoje conta histórias. Como esta compartilhada neste espaço há mais de três anos.     A vida pede passagem   Em sua crônica “Antes que eles cresçam”, o escritor e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna foi muito feliz ao dizer que “(…) O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco (…)”   Com apenas 27 semanas de gravidez, Renata teve que se submeter a uma cesariana bem antes da hora para receber meus primeiros netos, Breno e Camila. O rompimento acidental da bolsa, aliado à perda de líquido, a colocava com os filhos em extremo risco de infecção se nada fosse feito.  

Uma estrada e a lua branca

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Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância, pontuou certo dia o poeta Mário Quintana.  Entre oito e nove anos de idade, todo sábado eu ouvia os discos (em especial os de Luiz Gonzaga) que meu pai punha na radiola enquanto encerava nossa casa. Ficava imaginando os cheiros, as cores e os sons do Sertão onde comecei a me despertar pro mundo.    Tudo era simples. Quando dei por mim, tinha decorado  Estrada de Canindé , no linguajar de meus avós maternos ( clique e escute ) :     “Ai, ai, que bom, Que bom, que bom que é Uma estrada e uma caboca Cum a gente andando a pé. Ai, ai, que bom, Que bom, que bom que é Uma estrada e a lua branca No sertão de Canindé. Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié. Quem é rico anda em burrico, Quem é pobe anda a pé. Mas o pobe vê nas estrada O orvaio beijando as flô, Vê de perto o galo campina Que quando canta muda de cô. Vai moiando os pé no riacho… Que água fresca, nosso Sinhô! Vai oiando coisa a grané, Coisas que, pr