quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Maior de todos

Quem de vocês nunca viu mãe ou pai pegando a mão de sua cria a dizer e perguntar: “Dedo mindinho, seu vizinho, maior-de-todos, fura-bolo e mata-piolho... Cadê o bolinho que tava aqui?” O riso frouxo de quem pressente cócegas é uma das primeiras e inesquecíveis trocas de amor e afeto entre os envolvidos. Vem de lá, imagino, a aptidão para os múltiplos usos dos dedos, que passam a ser conhecidos pelos respectivos nomes.


No começo deste mês, em Torino, capital da região italiana do Piemonte, Antonio Conte, antigo meio-campista e símbolo da poderosa Juventus dos anos 90, hoje treinador da Internazionale de Milão, foi visto mostrando o "maior de todos" (aquele entre o “seu vizinho” e o “fura-bolo”) para Andrea Agnelli, presidente da Juve, na saída para o vestiário após a semifinal da Copa da Itália. 

Agnelli cuspiu ouriços. Depois do apito final, desceu as arquibancadas e, com todas as letras e um contundente ponto de exclamação, mandou Conte para certo lugar. Não foi obedecido, claro.

Rusga entre buona gente. Conte justificou-se aos jornalistas dizendo que sofrera vários insultos durante o jogo. Agnelli calou-se. Vivendo desde criança o dia a dia do clube que preside há mais de década, ele conhece Conte desde a época em que era o capitão da Juve, entre 1991 e 2004. 

 

O gesto de erguer o dedão para outra pessoa tem a ver com costume bastante comum entre macacos. Isso porque, na hora de uma encrenca entre bandos e para marcar território, mostram o pênis para seus oponentes. A adaptação pelo homem, então, foi uma forma mais civilizada e racional de fazer o mesmo gesto de “poder”, só que com o dedo (ainda bem!).

 

Descobri que um dos primeiros registros escritos sobre essa antiga prática aparece no ano de 423 a.C, quando o grego Aristófanes, dramaturgo e poeta, escreveu a peça As nuvens, onde o personagem Estrepsíades acaba fazendo a comparação, em meio a uma piada, entre o dedo do meio e o pênis. A ofensa, então, migrou da Grécia para Roma, onde passou a ser conhecida como digitus infamis (dedo obsceno).

 

Mais adiante, ao tentar demonstrar seu desprezo por um político bom de garganta e péssimo de entregas – algo comum no meio –, um intelectual também recorreu ao famoso gesto. Após exibir o dedo médio, ainda esculachou: "Tá aqui pr'ocê, seu feladaputa!" (claro, num linguajar mais chulo, da época). 

 

O fato não aconteceu em debate às vésperas de eleições ou na bancada do telejornal noturno, mas sim no século 4 a.C., em Atenas, quando o filósofo Diógenes disse o que pensava sobre o orador e político Demóstenes. Há dois milênios, portanto, o “maior-de-todos” exibido enquanto os demais dedos são seguros pelo "mata-piolho" foi catalogado pelos historiadores como gesto de insulto e menosprezo.

 

Os romanos chegaram a criar outra expressão para descrevê-lo: digitus impudicus (dedo indecente). Na obra Epigrammata, do poeta latino Marcial, no século 1 d.C., um personagem que é conhecido por ter boa saúde oferece "o dedo indecente" a seus médicos. 

 

Já os franceses foram inovadores e têm a sua própria saudação fálica. O brás d'honneur (braço da honra) é conhecido entre nós como a tropicalíssima banana. E nem se pode aqui culpar nossos antepassados primatas. O ato consiste em apoiar a mão na dobra do outro braço, mantendo o antebraço livre, ereto, de punho fechado, apontando pro céu.

  

Se tivesse que escolher entre palavrão e gesto ofensivo, considero a banana  incluído o estalo da palma da mão na dobra do outro braço  algo bem mais robusto e simbólico do que um simples dedão, ainda que pertença ao proctologista de Bagé (RS), parente de certo analista que labutava nos Pampas nos anos 70.

 

O "maior de todos" ultrapassou barreiras culturais e linguísticas. Para mim, deixou de ser obsceno e não representa o órgão sexual masculino coisa nenhuma. Antes da pandemia, já era visto com naturalidade e graça em tudo que é lugar, de feiras livres a estádios de futebol, passando por shows musicais. 

 

O gesto ganhou sentido bem mais amplo no cotidiano de vários países, inclusive o Brasil. Pode traduzir decepção, desprezo, insatisfação, mágoa, protesto, raiva ou revolta. Não deve ser representado pelo órgão inoperante de alguns machões, sobretudo membros nada viris de um grupo prioritário na ansiosa fila da vacina contra a covid-19. Eu que o diga!

 

Se você acredita nisso e quer estruturar partido politico, seita ou bloco carnavalesco, atrair defensores para a causa, além de expressar sua mais absoluta indignação com “tudo isso que tá aí” (ou com "tudo aquilo que esteve aí"), talvez esta humilde crônica lhe inspire a criar a logomarca. 


Lembre-se: o design deve ser conciso e memorável. Quem sabe escorado em slogan do tipo: “Aqui pra eles, ó!”

40 comentários:

  1. O bom descobrir que todos os dedos, sem discriminação, foram utilizados para compor este texto. Viva a liberdade, abaixo as grosserias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ainda bem, Ademar, que se trata de escrito. Se fosse áudio, tô aqui só imaginando como seria traduzido em Libras – Língua Brasileira de Sinais.

      Excluir
  2. Pra muita gente aí, na verdade, não sei que gesto eu utilizaria para representar minha indignação. Pra você, com certeza, palmas simbolizam precisamente o competente registro histórico da evolução da comunicação visual através dos gestos. Do jeito de as coisas andam, vamos precisar inovar e criar um coletivo sequenciado de gestos que agigante nosso escárnio, desprezo e indignação por aqueles que já zombam de nós há tempos. Parabéns!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tô aqui matutando sobre o que os arquitetos que conceberam Brasília quiseram expressar no projeto da casa dos representantes do povo.
      Será que, usando o “maior-de-todos”, anteviam a possível reação deles, depois de eleitos, às expectativas de seus eleitores? Confira: https://images.app.goo.gl/iKLy4M6poU87tjDA8

      Excluir
  3. Olha a pesquisa extensa que este "criaturo" foi fazer. Muito legal saber a origem do dedo...

    ResponderExcluir
  4. Nunca mais vou apontar ou ne render ao dedão da mesma forma. Um texto libertador. Outro dia um cidadão deu uma entrevista dizendo que haveria filas de interessados em vender vacina pro Brasil. Neste Carnaval, outro cidadão, o chefe do primeiro, falou que tem dinheiro pra comprar, mas não tem no Mercado para vender. Mentalmente flexiono os dedos para eles e abro um sorrisão maroto. Agora no modo erudito, após aprender tanta coisa com este belo registro histórico. Mas, não é no proctologista. A não ser que a pessoa queira receber duas dedadas. A dedada cruel é no urologista. rsrs Sei por experiência própria de quem foi indevidamente no primeiro. rsrs. Obrigado amigo por alegrar esta quarta de cinzas, e de lenha de angico.

    ResponderExcluir
  5. Esse Hayton sabe eh de coisa, viu !!!! Vivendo e aprendendo.

    ResponderExcluir
  6. Excelente texto e faço do comentário de João Neto, acima, meu sentimento, de usar cada par dos meus dedos-mindinhos, seus-vizinhos e demais, em movimento de encontros sonoros, ao aplaudir a crônica.

    ResponderExcluir
  7. Um outro nome para esta deliciosa crônica poderia ser “A Utilidade do Dedo”, mas aí você estaria plagiando o compositor e cantor Gaúcho da Fronteira, grande sucesso na querência amada do nosso amigo Fadanelli.
    Que viagem maravilhosa fez esse dedo. Ele entrou pelo túnel do tempo, embrenhou-se na Grécia Antiga e, depois, cruzou o Rubicão, acompanhando Júlio César. Sem esquecer de dar uma passeadinha pela Champs Elysées.
    E assim, depois desse passeio, ficamos mais capacitados a respeito das várias utilidades dos dedos.

    ResponderExcluir
  8. Está comprovado: o blog do Hayton é mais que cultura e história! É vida com humor e inteligência!
    😂

    ResponderExcluir
  9. Depois que “a arte de ligar o Foda-se” foi pra capa de livros e ganhou destaque nas vitrines das poucas livrarias que restam no mundo, não há mais motivo pra pudor excessivo ao usar expressões que retratem a intenção de mandar o outro “às favas”, à pqp ou se valer da expressão em espanhol utilizada por Piquet e Griezman pra trocar “gentilezas” durante o banho que levaram do PSG ontem. Talvez essas expressões merecessem uma segunda crônica do brilhante Hayton!!! Poderia nos esclarecer o que levou Zidane a dar uma cabeçada no italiano Materazzi e ser expulso na final de uma Copa do Mundo. Teria sido um “dedo de prosa”?

    ResponderExcluir
  10. Pra esse show de história, nota 1000. Pra'queles políticos citados: O fura bolo e o mata-piolho em circunferência a dizer "Va a prenderlo nel culo".

    ResponderExcluir
  11. Maravilhosa a história do "maior de todos" hahaha... Excelente texto! Faltou dizer: "cadê o toucinho que estava aqui" (esse, o gato comeu rsrs). Mas isso fica para um outro e impecável texto.

    ResponderExcluir
  12. Maravilhosa a história do "maior de todos" hahaha... Excelente texto! Faltou dizer: "cadê o toucinho que estava aqui" (esse, o gato comeu rsrs). Mas isso fica para um outro e impecável texto.

    ResponderExcluir
  13. Da erudição da sua crônica extraio, dentre outras, as seguintes conclusões:
    1) viemos dos macacos, dos quais "herdamos" vários gestos;
    2) o projeto de Niemeyer quis, certamente, representar - numa invejável premonição - o que nos mostram os nossos parlamentares depois de eleitos!
    Grande abraço,
    Abbehusen

    ResponderExcluir
  14. Rapaz, isto aqui está ficando sério! “Tretou, relou”, vira crônica (e muito bem escrita!)!
    Em plena era “digital”...
    Ótima!

    ResponderExcluir
  15. Muito bom. Um belo aprendizado sobre nossos dedos.
    Como aqui já mencionado, a primeira lembrança que tive foi do Gaúcho da Fronteira, com sua música: A Utilidade do Dedo, cuja letra reproduzo abaixo.

    A Utilidade do Dedo
    Canção de Gaúcho da Fronteira

    Hoje comecei pensar pra desvendar um segredo
    Das tantas utilidades que pra gente tem os dedos
    Pra tocar violão e gaita não tem maiores segredos
    Por mais floreio que faça, entre eles, nunca me enredo
    Pra qualquer gesto ou sinal é muito importante o dedo

    Mas olha o dedo, que dedo?
    A utilidade do dedo
    Mas olha o dedo, qual é o dedo?
    A utilidade do dedo

    Sei até que certa gente já pensando mardade
    Só porque eu falo do dedo e da sua utilidade
    Mas quem pensa e analisa vai ver que é uma realidade
    Se a gente tá no escuro, em qualquer dificuldade
    Primeiro se leva o dedo pra procurar claridade

    Mas olha o dedo, qual é o dedo?
    A utilidade do dedo
    Mas olha o dedo, que dedo?
    A utilidade do dedo

    Tem dedo curtinho e grosso, outros fininho e cumprido
    Tem dedo que nem se mexe, tem outros dedo tão metido
    Comigo está tudo certo se eu estou com o dedo erguido
    Meu pai me apontava o dedo, por sinal, muito sabido
    Mostrando-me o rumo certo que devia ter seguido

    Mas olha o dedo, que dedo?
    A utilidade do dedo
    Mas olha o dedo, qual é o dedo?
    A utilidade do dedo

    Tem dedo que prova sopa, dedo que tempera molho
    Dedo que buzina carro e algum que planta repolho
    Tem o dedo da lavadeira que passa o dia de molho
    Pai de todos, fura bolo, meio gordo, ele mata piolho
    Mas o que eu quisera ter na ponta, bem na pontinha do dedo, um olho

    Mas olha o dedo, que dedo?
    A utilidade do dedo
    Mas olha o dedo, qual é o dedo?
    A utilidade... (como tem, né)

    Que dedo?
    A utilidade... (cada vez mais hein)
    (Vai passando no zóio mas a utilidade continua)
    (Nossa, mãe)

    Mas olha o dedo, que dedo?
    A utilidade do dedo
    (Mas como tem, tem, tem, tem, haha)
    A utilidade do dedo
    Mas olha o dedo, qual é o dedo?
    A utilidade do dedo
    Que dedo?
    A utilidade...

    ResponderExcluir
  16. Hayton, foi uma aula internacional de gestos e comunicação. Gostei!!!!

    ResponderExcluir
  17. O mergulho “fundo” desta vez! 😂👏👏👏👏
    Abs amigo ...

    ResponderExcluir
  18. Amigo Hayton!
    Juntando todos os dedos das mãos para bater palmas!
    Um abraço, Fernando

    ResponderExcluir
  19. Muito boa crônica, Hayton. Abraço do Sidney

    ResponderExcluir
  20. Além de deliciosíssimo o texto é altamente culto e instrutivo! Se é que você não inventou (o que não tiraria o mérito da criação tão interessante!).

    ResponderExcluir
  21. Lembrei demais de meu avô, que nos ensinava a contagem nominal dos dedos junto com as cócegas do “cadê o gatinho que estava aqui”. Para nós no Ceará, o tal gesto se chamava “dar Pitoco” e era o que de mais ofensivo se podia dedicar a alguém. Sua crônica foi Punk!
    Dedé

    ResponderExcluir
  22. Se voce já sabia de muita coisa antes, imagino agora cim tempo sobrando. Kkkk

    ResponderExcluir
  23. Mais uma excelente crônica! Muito interessante saber a origem e o significado literal de alguns gestos.
    Que bom seria, por exemplo, se a agressividade no trânsito nunca passasse de um gesto simbólico. Viva os macacos!

    ResponderExcluir
  24. Impressionante que de um simples gesto, você consegue extrair história e cultura, Hayton. Parabéns. E de seus textos, consegue inspirar outros. Valeu! Um abraço

    ResponderExcluir
  25. Rapaz, você é incorrigível!!!!
    Busca um gesto simbólico - haja simbolismo! - da indignação do ser humano e comete erudição que nos deixa mais que humilhados, tripudiados mesmo. Dá até vontade de fazer o gesto e dizer - aqui pra você, oh!!..
    Nada obstante, deliciosa sua crônica, sem contar que a foto da criança é verdadeiramente inusitada.
    Queria até fazer um comentário mais venenoso, mas aí teria que ser no particular e estou sem celular desde o domingo, consequência de um acidente com o aparelho.
    Estou agora pensando em dizer pra a SANSUNG quando os de lá me ligarem com o orçamento - aqui pra vocês, oh!!!, e preferir adquirir outro.

    ResponderExcluir
  26. Parabéns, Hayton! Fazer do dedão uma história inteligente e bem humorada, além de uma aula, é uma arte! �� Tiberio

    ResponderExcluir
  27. Excelente leitura, ancorada em humor e história. Maravilha!

    ResponderExcluir
  28. Excelente! Com direito a aula de história. Adorei.

    ResponderExcluir
  29. Excelente! Nunca tinha escutado história da espécie. Vivendo e aprendendo com o amigo. 👏🏻👏🏻👏🏻

    ResponderExcluir
  30. Agostinho Torres da Rocha Filho20 de fevereiro de 2021 às 11:10

    Coitado do maior-de-todos! Com tantas outras qualidades, competências e habilidades, tornou-se o vilão do texto por mero capricho de um dramaturgo grego. Importante destacar que, em parceria com o fura-bolo, ele também somboliza o V da vitória, da paz e do amor. E por falar de amor, vale ressaltar a maior de suas virtudes. Bela crônica! Criativa e bem humorada.

    ResponderExcluir
  31. O próprio WhatsApp, entre seus emojis, possui "o maior de todos" rijo, "impávido colosso", multicolorido (diversidade!) que pode ser distribuído não uma ou duas vezes, mas em sequência ilimitada, para indignação ou gracejo (a gosto do freguês) de quem recebe a mensagem.

    ResponderExcluir
  32. Hilário!!! Que pesquisa "profunda".
    Acredito que você tenha sido o primeiro a descrever um histórico de tal gesto tão popular. Minha surpresa foi o gesto da "banana" que "usei" muito na infância (sou mais velha que você) pensando que a origem fosse italiana.
    Amei!!! E repassei nos meus grupos.Grande abraço. Ah, todos os "gestos" para o vírus do momento.

    ResponderExcluir