quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Narizes

Seja arrebitado, de batata ou feito gancho, o nariz é o epicentro do rosto humano. Seu formato depende da genética, mas, a rigor, trata-se de uma adaptação aos odores e ao clima das diferentes regiões do Planeta, segundo um estudo recente, publicado por uma revista científica vinculada à Biblioteca Pública de Ciência dos Estados Unidos (a PLOS Genetics).

 

Pesquisadores se debruçaram sobre uma gama de tamanhos, analisando a largura das narinas, a distância entre elas, a altura, o comprimento etc., e concluíram que as diferenças entre os formatos poderiam ter sido acumuladas ao longo do tempo, além da seleção natural (os mais aptos sobrevivem, reproduzem-se e repassam suas características aos descendentes).

 

“Nariz, ai, meu nariz/ Como falam mal deste nasal, que é tão normal...”, cantava o inesquecível Juca Chaves, que sabia como ninguém se aproveitar de seu “bandeirante” – o primeiro a chegar nos cantos, segundo ele. Aliás, o de Juca precedeu a fama de outros célebres, como os de PC Caju, Fagner, Zé Ramalho e Luciano Huck. 

 


Li na Folha de São Paulo, recentemente, um artigo assinado pela jornalista Dália Ventura, afirmando que a crinolina teria sido uma das roupas mais perigosas já inventadas, mas também uma das mais amadas da história.

 

Para quem desconhece (eu não sabia, confesso! Até pensei ser um parente próximo da creolina), a crinolina é uma armação metálica usada sob as saias para lhes conferir volume, dispensando várias anáguas. A peça marcou o surgimento da moda propriamente dita porque trouxe um avanço: enquanto a estrutura da anágua era feita de osso de baleia, crina de cavalo, vime, madeira ou borracha inflável, a das crinolinas era feita de metal. 

 

O artigo citado revela que, na noite de 31 de outubro de 1871 (Dia das Bruxas, segundo a crença dos colonizadores dos Estados Unidos), as irlandesas Emily e Mary, meias-irmãs do escritor, poeta e dramaturgo Oscar Wilde, foram a um baile. Perto do final, Emily dançava com um de seus admiradores e, num de seus giros perto da lareira, o vestido pegou fogo. Mary tentou socorrê-la, mas também ateou fogo em sua própria roupa. E as irmãs não resistiram às queimaduras, tal como milhares de outras vítimas fatais, ao longo da História, envolvendo uma das roupas mais desejadas de todos os tempos.

 


Desejadas, sim, porque, apesar de várias tragédias 
– apurei que a pior delas ocorreu em 1863, quando milhares de pessoas não conseguiram escapar de um incêndio numa igreja da Companhia de Jesus em Santiago do Chile , a crinolina oferecia melhor mobilidade, ventilação e espaço, conferindo mais autonomia para evitar contatos indesejados e permitindo às mulheres decidirem sobre o que exibir ou esconder. Podiam, inclusive, guardar segredos inconfessáveis, desde amantes baixinhos, contrabando, gravidez, até pernas peludas e tortas.

 

Para desagrado da elite no Reino Unido, a crinolina passou a ser usada por todas as classes sociais, até mesmo por escravas libertas, que evidenciavam com seus dotes físicos força e poder para encarar de forma mais equânime a luta por igualdade social.

 

Fiquei numa dúvida terrível. Para mim, havia outro motivo bem mais razoável para o uso daqueles saiões de filmes e novelas de época. Seria capaz de jurar que, por baixo, nem calcinhas havia. Como não existiam cuecas, bidês nem duchas higiênicas.

 

Além disso, o primeiro papel higiênico do mundo só foi produzido em massa na segunda metade do século XIX, na tentativa de poupar certas partes dos danos causados por jornais, papéis de bodega, sabugos de milho e outros itens improvisados (folhas, gramas, peles de animais etc.) ao longo da aventura humana sobre a Terra.  

 

Penso que, naquela época, a etiqueta de convívio devia exigir um distanciamento social protocolar para não ferir narinas mais sensíveis, sobretudo no inverno europeu em que não se tinha o menor estímulo para o banho semanal.

 

Dizem, aliás, que a ausência de redes encanadas e esgotos era suprida com a utilização de copos e bacias que raramente permitiam o banho de hoje. As pessoas se sentavam numa cadeira enquanto despejavam pequenas porções de água nas áreas a serem asseadas.

 

Fala-se também que, mais remotamente, na falta de sabão, os babilônios misturavam gordura animal e cinzas vegetais para diminuir o cheirume. Entre os egípcios, a receita era até um pouco mais elaborada: levava também argila e bicarbonato de sódio. 


O cheiro característico das partes íntimas, afinal, remonta ao dia do despejo do Paraíso de Adão e Eva. O casal, imagina-se, não teria levado nem uma mísera sacola de bugigangas (cotonetes, creme e fio dental, desodorante, escovas, lenços umedecidos, protetores íntimos, sabonetes, essas coisas). 


De modo que minha dúvida persiste, mas estou seguro de que a crinolina, apesar de seu trágico histórico, prestou inestimável serviço às referências olfativas e ao formato atual das fossas nasais humanas, livrando de certos odores que deixaram de ser inalados. Ou não. 

23 comentários:

  1. E será que os narizes cresceram para buscar sentir os odores mais distantes, como a planta que cresce em busca de sol? Ou foram ficando menores por não perceberem tanto os cheiros, em função da higiene que evoluía?E lembrei de Cyrano de Bergerac (1619 -1655) cujas fotos apresentam um Imenso nariz.

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  2. Ademar Rafael Ferreira30 de agosto de 2023 às 07:15

    Só produz um texto desta natureza quem sabe onde coloca o nariz. Parabéns.

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    1. É muito importante saber onde se coloca tudo o que nos é caro, inclusive o nariz, meu caro!

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  3. Tal qual Machado de Assis, que disse "Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.“ , o cronista levantou-nos uma dúvida que certamente vai encontrar muitos adeptos à mesma, como eu próprio fiquei a imaginar sobre a veracidade da tese (rsrsrs).

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  4. Que riqueza de especulações. Partindo do possível formato dos narizes, passando por hábitos de indumentárias e chegando nos detalhes da higiene pessoal. Tudo isso perpassando os tempos idos desde priscas eras até dias atuais. A curiosidade que demonstra o cronista é que não tem paralelo. Passeia por fatos ricamente esmiuçados e conclui com base fática e teórica. Acaba fornecendo farto material para quem seja igualmente intrometido em descobrir porquês. E taí, esta é a essência da vida.
    Roberto Rodrigues

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  5. Taí um texto que não tem nada de nariz empinado. Apenas demonstra que o autor, que é dono do próprio nariz, o coloca mesmo onde não é chamado!

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    1. Este comentário não está me cheirando bem. Parece que mexeu com o signatário, cujo nariz, aliás, nada tem de atípico. O que será que houve? Rsrs

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  6. Bom vou meter o meu nariz e perguntar será que nosso fundo de pensão vai aguentar as retiradas que estão acontecendo.?Dayse

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  7. Lembrei-me da história de Cyrano de Bergerac, que duelava contra quem mangasse de sua "venta"...

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  8. Oh nariz... Quantas vezes foste medido, amassado, colocado no prumo... Lembro-me da época em que nosso querido cronista, ao referir-se a alguém que tentava ostentar um perfil que não lhe cabia, que essa criatura "precisa colocar o nariz na horizontal"... Por essa e outras, respeito todos os narizes...

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  9. Com tantos ares rarefeitos, ter um nariz avantajado, provavelmente, tem suas vantagens. As chances de se respirar um pouco mais de ar puro do que os outros será aumentada.
    Certamente que uma ventona pode trazer algum inconveniente estético, para os que ligam para isso, mas, se bem utilizada, pode ter múltiplas funções.
    Afinal, o nariz é um órgão sexual que os antigos, desavisadamente, e por pura ignorância, usavam apenas para sentir cheiros, filtrar o ar, respirar e outras funções nem tão nobres assim.
    Durma-se com um cheiro desses.

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  10. Excelente texto! Eu nem sabia que o nome dessa armação, utilizada pelas mulheres de antigamente, era crinolina.

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  11. Parabéns por mais um texto publicado, inclusive pela surpreendente originalidade no tema apresentado.

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  12. Legal!! Quer dizer que o formato do nariz pode ter sido uma defesa ?? Kkk

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  13. Que cheiro bom para nossos olhos ler seus textos, Hayton! Nessa guerra de odores, precisamos dar o devido crédito aos franceses com seus perfumes acima de todos. Tal solução permitiu que, apesar do mal cheiro, as pessoas não deixassem de cumprir a ordem de encher a terra. Kkk. Marina.

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  14. Amigo Hayton. Perguntei ao ChatGPT o que o sertanejo usa para tirar o mau cheiro e a resposta da IA foi que, como qualquer pessoa, usa desodorante e mantém a higiene pessoal. Coitada, não sabe de nada. Abraços

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    1. Só pode ser coisa de meu amigo Berilo Sandes! Só ele mesmo pra achar que a IA não seria capaz! Rsrs

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  15. Nem sei mais o que falta, você sempre extrapola.
    Nesta, vai de nariz a papel higiênico, sem contar que revela sobre a crinolina, para gáudio e ilustração de todos nós, seus privilegiados leitores.
    Como eu poderia imaginar, antes de passar desta para melhor(?), que existiu a crinolina, tão adorada pelas mulheres dos tempos passados??
    Distendendo um pouco, certeiro e mortal o comentário de Ademar Rafael Ferreira aí acima.
    Não bastasse, imbatível como é, você foi "ferino", fazendo-nos imaginar coisas de que é capaz uma mente verdadeiramente sadia.
    Continuo com esperança de que você um dia descreva sobre a REBIMBOCA DA PARAFUSETA...
    Grande abraço...

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  16. Bom, não posso falar do nariz alheio. Deus me dotou generosamente desse adereço. O bom, ou ruim, é que tenho uma sensibilidade enorme a cheiros. Se tivesse vivido nos tempos mais antigos a crinolina iria me salvar. O pior que até hoje existem pessoas que deveriam utilizá-la. Quem sabe ainda volte.

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  17. Também não conhecia a crinolina, Hayton.
    Mas achei interessante o relato. Assim como suas afirmações sobre os narizes, suas origens e formatos.
    Mas o que importa mesmo hoje é se o nariz é bonito ou feio. E tem muita gente pagando altas somas para torná-lo mais elegante, independente de sua origem, formato ou função.
    Vai entender …

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  18. Ao falar do maior refinamento dos egípcios me fez lembrar de umini curso sobre africanidades que fiz. É pressionando como o europeu bebeu na fonte de sabedoria africana, em várias áreas, depois jogou a história da África p.baixo do tapete. Portanto, isso que vc falou sobre Egito faz total sentido. Pesquise a respeito e ficarás chocado, isso se não revoltado como fiquei.

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