Deu o que falar uma peça publicitária estrelada por uma famosa atriz, mas já saiu de circulação (a peça, bem-entendido!). Mostrava a beldade colhendo um caju. Dois pequenos descuidos chamaram a atenção dos internautas. Além de o fruto estar pendurado no galho de cabeça pra baixo, a árvore não era um cajueiro, que chega a alcançar 10 metros de altura, possui copa larga, tronco tortuoso e galhos pendentes.
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Reprodução/Tweeter |
Tem quem veja o dito-cujo como o fruto do cajueiro quando, na realidade, é a castanha. Nada de mais. Nem sempre aquilo que dá maior prazer é a fruta em si, sobretudo numa fase da vida em que uma caipirinha bem socada, rodela por rodela, desperta as papilas gustativas na língua, no céu da boca, na garganta e até na memória. Tem sido assim desde a mordida de Adão no fruto proibido.
A campanha publicitária era de uma marca de cosméticos muito conhecida por usar em seus produtos ingredientes típicos do Brasil, como a bromélia, o capim-limão, a carambola, o mandacaru etc. Os cochilos viraram motivo de intensa zoada na web, rendendo vários memes associados à imagem da pobre moça com o caju na mão. E a peça sumiu rapidinho dos perfis oficiais da anunciante.
Logo que o vídeo começou a circular, um internauta criticou os deslizes no processo de aprovação da campanha. "Como deixam isso passar? Geralmente tem uns 20 profissionais envolvidos (do briefing, passando por orçamento, estudo de tendências, escuta de consumidores, desenvolvimento de mensagem, até a escolha de veículos de mídia)", questionou.
Outro quis explicar o fato invocando uma questão tão antiga quanto tola: os movimentos separatistas que pregam a independência de regiões brasileiras por motivos culturais, econômicos e políticos, realçando que a maior produção de caju está concentrada no Nordeste. "O vídeo foi feito por um ‘sudestino’ que nunca viu um cajueiro na vida, e o pior é que passou por uma equipe que viu e aprovou, não se deu nem ao trabalho de pesquisar", pontuou.
Outra internauta chegou a ser desaforada. Abriu uma “caixa de ferramentas consoantes” que demorei alguns segundos para entender. Parecia uma expressão latina como “vade retro Satana”, ou “afasta-te, Satanás!”. Escreveu assim a garota: “VTNC, bando de analfas!”.
Pela “caligrafia”, pensei até na improvável reencarnação de Dercy Goncalves. Vai ver se trata de uma neófita na área acostumada ao linguajar fluente nas redes antissociais, uma boca suja desgraçada a sugerir aos outros destino indesejável para si mesma. “Jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da imaturidade”, dizia Nelson Rodrigues.
Não vou negar, um dia eu também já fui desaforado, ali na largada da década de 1980, quando um de meus rebentos me trouxe da escola, todo sorridente, um envelope contendo uma cobrança de mensalidades em atraso, assinada, em tom ameaçador, pela diretora e pela tesoureira.
Logo eu, que atrasaria qualquer conta – prestação do imóvel, do carro, da linha telefônica etc. –, menos uma que provocasse constrangimentos a quem mal começava a engatinhar sobre os mistérios da vida entre animais sociais.
Pior que não havia atraso. A transferência de recursos entre bancos, via DOC (Documento de Ordem de Crédito), fora criada naquela época. Gostei tanto da novidade que, logo que o salário pingava em minha conta, transferia para a escola o valor da mensalidade. Com o tempo apertado, dividido entre a faculdade e o trabalho, deixara de ir à tesouraria do colégio.
Eu poderia ter sido mais flexível, tolerante, como todo sujeito que vive nos braços da paz, com salários e impostos em dia. Mas na manhã seguinte achei de revidar a “ofensa” no verso da própria cobrança escrevendo, em negrito/itálico, algo nessa linha:
“(...) Não devo nada! Seguem os comprovantes de que transferi para a escola, antes de cada vencimento, os valores das mensalidades que ora me cobram. Dinheiro não cai do céu. Se aparece na conta, procurem identificar a origem no banco para evitar cobrança indevida. E nunca mais me cobrem dessa forma, utilizando portadores inocentes! Senão serei obrigado a mandar vocês enfiarem a cobrança no lugar onde macaco esconde castanha de caju (...)”
Assim como imagino que macaco não gosta de abacate (o caroço deve assustar!), eu sabia que “caju” embute um dos monossílabos mais usados pelos brigões no esculacho do futebol. Poderia, portanto, ter sido indiciado por agressão verbal, injúria, misoginia, ou levar uns sopapos (tiros, sei lá!) de um marido bravo, em legítima defesa da honra de sua esposa. E não estaria aqui contando o caso.
Tive sorte. O Código de Defesa do Consumidor (tal como a troca de e-mails entre internautas) surgiria apenas 10 anos mais tarde. Desde então, até um macaco pendurado de cabeça pra baixo no galho de um cajueiro sabe que não se deve criticar o trabalho de ninguém (nem mesmo contestar uma cobrança) citando o lugar onde supostamente esconde castanha.
Alguns primatas evoluem. Inclusive os espíritos de porco.