Quem já passou dos 50, como eu, deve lembrar de “General”, personagem do humorístico “Viva o Gordo”, criado por Jô Soares e exibido pela TV na década de 80.
Amigo do então presidente Figueiredo, “General” literalmente teria caído do cavalo e passou seis anos em coma. Ao acordar, conectado a um respirador artificial, descobriu que já não havia ditadura e que seu colega milico não mais ocupava a presidência. Pior: quem agora se sentava na poltrona era o bigodudo Zé Sarney, um reles civil. "General" ficava louco toda vez que era contrariado pela realidade dos fatos: “Me tira o tubo! Me tira o tubo!”
Todos nós, viciados em futebol, estamos prestes a reagir como o inconformado militar de Jô Soares. Melhor a morte do que aguentar o que vemos. Ou buscar algo que nos poupe de AVC ou infarto fulminante, tipo: dama, dominó, gamão, porrinha etc.
Para Graciliano Ramos (em “Traços a esmo”, crônica publicada do começo do século passado), aliás, o Brasil nem deveria ter introduzido o futebol por aqui. “Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé (tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas), a pega de bois, o salto, a cavalhada, e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira... Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros...”
Sim, reconheço que ando irascível. Tenho motivos e se abro o jogo aqui é para que vocês não creditem minha implicância à rabugice da idade ou à cruz (de malta) que carrego sobre os ombros.
Não se trata do futebol em si, mas de uma penca de situações que refletem o caráter nacional, a cultura de um povo que era tido como alegre, cordato, inteligente e solidário. Vejam:
1 – Goleiro que insiste em fazer “cera”, mesmo após ser advertido, certo de que o árbitro não irá expulsá-lo nem acrescentará o tempo perdido.
2 – Atacante que pressiona o zagueiro adversário pelas costas, na linha de fundo ou lateral, mesmo sabendo que ele simulará falta e o juiz, fingindo-se enganado, apitará.
3 – Treinador que cobra maior “pegada” de quem atua, a cada três dias, viajando de lá para cá num gigantesco e tórrido país tropical.
4 – Atleta atingido pela mão do adversário (na altura do peito) que cai, rola, estrebucha, como se tivesse sido agredido no rosto e quebrado o nariz e dois dentes incisivos.
5 – Técnico que reclama o tempo inteiro da arbitragem junto ao 4º árbitro, como se isso “sensibilizasse” o juiz principal para sua causa.
6 – Jogador em impedimento que finaliza um ataque e, ao ser advertido, diz que não ouviu o apito.
7 – Comentarista de TV, que nunca amorteceu uma bola no peito, tirando conclusões “geniais”: “Tá faltando o último passe” ou “ganhou porque aproveitou melhor as chances que teve”.
8 – Árbitro que, alegando que houve simulação, adverte jogador que realmente sofreu falta.
9 – Ex-atleta, hoje comentarista de TV, sugerindo que “o time toque mais a bola" ou "jogue pelas pontas”.
10 – Jogador que celebra gol com os dedos apontados para o céu, como se Deus vestisse a camisa de seu clube.
11 – Atleta que, no último minuto do jogo, com seu time perdendo, bate falta na barreira ou distante da meta adversária.
12 – Ex-árbitro, agora comentarista de TV, que não reconhece o cochilo na análise de um lance e, após o “replay”, tenta convencer daquilo que só ele teria visto.
13 – Jogador que, nos acréscimos do tempo regulamentar, comemora gol cobrando silêncio dos torcedores.
14 – Torcidas (ou facções) organizadas de clubes em má fase, invadindo centros de treinamento e ameaçando atletas e comissão técnica, para dar um “sacode” no grupo.
15 – Justiça desportiva que não determina o liminar banimento do futebol de agressores de árbitros, sobretudo quando a vítima é do sexo feminino.
Chega! Já defendi até a extinção da regra mais difícil de ser aplicada: a do impedimento. Mudei. Seria chato ver um “poste” grudado no goleiro adversário durante toda a partida. O ideal seria que a regra valesse apenas a partir de linhas intermediárias, a serem demarcadas entre as linhas de fundo e divisória do campo.
Quanto a outro foco crônico de chatice, o Árbitro Assistente de Vídeo (VAR, em inglês), reconheço: é a credibilidade do esporte que está em jogo. O problema não é a ferramenta. É quem está dentro de campo com um apito na boca, quando falta coragem para decidir sobre o que viu a poucos metros de distância.
Penso que deveria ficar a cargo dos treinadores, como no vôlei, a prerrogativa de acionar o olho eletrônico. Cada time teria o direito de acionar o VAR por duas vezes a cada tempo.
Deve ser afrodisíaco o poder de deixar meio mundo de gente em transe, por alguns minutos, enquanto, sob os holofotes da mídia, decide se mexe ou não no curso natural da história.
Tá duro de aguentar. Mas se o Vasco voltar a ser Vasco (mesmo vice-campeão, como o Flamengo, ultimamente), juro que tiro de letra minha rabugice. Se não, é melhor tirar o tubo.