Não se falava em "bullying" no Sertão da Paraíba nos anos 60. Se muito, em menino buliçoso, danado. Meu passatempo favorito naquela época, não nego, era torrar a paciência dos irmãos mais novos com apelidos, caretas e cutucadas nos redemoinhos de cabelo do topo da cabeça deles. Por isso, imagino, apanhava tanto.
– Acorde, meu filho, o que é isso? – alarmou minha mãe.
– Foi a fivela do cinturão de papai. – respondi, descaradamente fingindo dor e sono.
Já havia sido castigado uma vez por conta de minha curiosidade sexista. Aos cinco anos, no Jardim da Infância do Colégio Cristo Rei, em Patos(PB), não sabia se freira era homem ou mulher. Irmã Priscila não pintava unhas, não usava batom como minha mãe, nem tampouco se tinha ideia do tamanho de seus cabelos. Resolvi tirar a dúvida lhe puxando o véu e minha saliência foi devidamente punida quando cheguei em casa.
Como a crônica de mais uma surra anunciada, ficaram na memória algumas sentenças:
– Vou contar pro seu pai quando ele chegar do trabalho, ouviu?
– Se correr vai apanhar mais, cabra safado!
– Não quero escutar nem mais um pio, ouviu?
– Se apanhar na rua dos moleques, vai apanhar de novo em casa!
Não chegamos a conversar sobre o assunto depois que cresci. Morreu antes. Jurei a mim mesmo que faria diferente quando chegassem os meus filhos: nem palmadas na bunda. Parece que deu certo.
De tudo restou a certeza de que a maior parte das surras que levei aconteceu por motivos banais, sem maior gravidade. Meu pai nunca soube dos mais sérios, inconfessáveis e obscenos.
Mas não conseguiu da última vez que tentou. Em 1971, com quase 13 anos, no primeiro golpe eu segurei firme na outra extremidade do cinturão e o puxei com força. Ao perceber que o filho já era taludo o bastante para não mais apanhar, desistiu.
Quando jogava futebol, se em qualquer disputa levasse uma pancada ou me sentisse ameaçado, reagia, de forma desproporcional, a chutes e murros. Arrepender-se em seguida não me impedia de repetir a dose no próximo racha, só violência onde deveria haver apenas diversão e prazer.
– "Peraí, pô"! eu sou funcionário do Banco do Brasil!
E a estupidez em carne e osso quase joga no lixo o pouco que havia conseguido na vida até ali, ao usar em vão o nome da empresa que lhe acolhera como Menor Aprendiz havia nove meses. Quanto ao rapaz que ao jogar o copo com gelo apenas revidara uma agressão gratuita e imbecil, acabou retirado à força do clube.
Como um rio no rumo do mar, a vida seguiu adiante. Se hoje meu pai aparecesse na porta de minha casa, quem sabe me diria:
– Lembra quando eu lhe batia de cinturão? Me perdoa! Você não tinha culpa de nada do que se passava comigo.
– Faz tanto tempo, pai. Já esqueci. Senta e vamos tomar um vinho. Daqui a pouco seus bisnetos chegam por aqui...