O Prêmio Jabuti é considerado o mais tradicional e importante reconhecimento literário do País, sendo anualmente concedido pela Câmara Brasileira do Livro a figuras da comunidade intelectual brasileira. Foi criado em 1958, ano em que quase tudo deu certo para o Brasil, desde a primeira conquista da Copa do Mundo, passando pelo lançamento de Chega de Saudade, de João Gilberto, disco-base da Bossa Nova, até o espanto universal causado pela arquitetura de Niemeyer.
Concorria este ano, na categoria “Crônicas”, a obra O dia em que achei Drummond caído na rua (Editora Zarte), de autoria de meu amigo Marcelo Torres, o menino tabaréu do Junco (hoje Sátiro Dias, a 200 km de Salvador) que conheci na virada do século, jornalista e escritor adaptado a Brasília.
Trata-se de um livro fabuloso onde grandes escritores como Amado, Cecília, Drummond, Graciliano, Marquez e outros tornaram-se personagens bem construídos de 26 histórias curiosas, hilárias ou mesmo trágicas – as minhas preferidas são O menino e os coronéis, Ô de casa! e O silêncio das igrejas –, frutos, segundo ele, de muita pesquisa sobre a obra e a vida de suas fontes de inspiração.
Marcelo me contava outro dia, antes da divulgação do resultado final, que já se sentia satisfeito por ter sua obra conquistado duas dificílimas vitórias, sendo escolhida entre as 10 melhores (no meio de 200 livros inscritos), depois entre as cinco melhores, numa concorrência em que estrelas da constelação brasileira ficaram pelo caminho. “Nunca imaginei que na primeira vez que me inscrevi no prêmio, com uma publicação muito simples, já fosse duplamente finalista”, pontuava.
Bateu na trave! A categoria teve como ganhadora a obra Uma furtiva lágrima (Editora Record), de Nélida Piñon. O imponderável cochilou no plantão e o prêmio, não se pode negar, acabou em boas mãos. Nélida é escritora de primeira grandeza e senta-se há bom tempo, merecidamente, à mesa dos imortais da Academia Brasileira de Letras.
Quarta-feira passada, ao saber do desfecho, eu comentei o óbvio com meu amigo: o Jabuti, para autor pouco conhecido do grande público, deve ser visto como os escritores de renome mundial encaram todo ano o Prêmio Nobel de Literatura, isto é, com silenciosa e pragmática esperança. Se não der certo, nada a temer senão o correr da luta, nada a fazer senão esquecer o medo. Você já cruzou a linha, chegou onde pouquíssimos chegaram e continuará entregue a paixões que nunca terão fim.
Disse-lhe ainda outra obviedade: literatura é arte de dentro para fora. Para declarar seu espanto diante dos mistérios da vida, o fotógrafo usa lentes; o pintor, tintas; o escritor, palavras. Quem escreve não deve preocupar-se em demasia com a opinião alheia, dado que nunca terá controle sobre como os leitores amortecerão no peito a bola de papel arremessada.
Por isso, toda leitura é feita de suspiros, risos e silêncios. Seria frustrante para o escritor descobrir o que seus filhos (textos) fazem no escuro do quarto enquanto ele não está por perto. Os leitores criam seus próprios quereres – “onde queres o prazer, sou o que dói; onde queres tortura, mansidão; onde queres um lar, revolução; e onde queres bandido, sou herói”, diria outro baiano como meu amigo.
Voltamos a trocar mensagens no dia seguinte e ele fez uma analogia interessante ao trazer para o campo de jogo o seu querido Vitória. Nas duas vezes em que chegou à final de uma competição nacional, no Brasileirão de 1993 e na Copa do Brasil de 2010, foi nocauteado por dois adversários indigestos: O Palmeiras de 1993, de Edmundo, Evair, Roberto Carlos, Edilson, Mazinho etc., e o Santos de 2010 (campeão da Libertadores), de Neymar, Robinho, Ganso, Elano, Renato etc.
Naquela quinta-feira seria sepultado o que sobrou de Maradona, de quem muito se falou ultimamente, mas pouco se disse sobre sua maior contribuição: mexer com a autoestima de baixinhos, gordinhos e pernetas (cuja perna inútil não se presta nem para chutar a bunda de quem lhe condena pelo que faz a si próprio), provando que vale a pena, sim, cruzar a linha de chegada, mesmo não sendo o primeiro.
Às vezes, bola na trave também é gol. Golaço!