Meu vizinho outro dia apareceu na piscina do prédio com uma conversa esquisita que me deixou preocupado. Ele não é médico, mas é daqueles que adoram ler bula de remédios recém-lançados para encher o saco do farmacêutico da esquina, criticando o peso dos interesses econômicos na saúde pública. Coisa de cabeça desocupada.
Falava ele da natureza humana, que o homem (leia-se: a pessoa do sexo masculino, enquanto essa classificação fizer algum sentido) desde criança tem uma certa sensação de imortalidade. Passa boa parte da vida livre dos transtornos que a mulher sofre, o que o faz mais relaxado com a própria saúde. Com o tempo, porém, percebe que a coisa não é tão simples como ele imagina e passa a dar mais valor aos cuidados médicos preventivos.
O que mais mete medo no homem – prosseguia – são os problemas com a próstata, as disfunções sexuais e a decadência física, ressalvando que isso também mexe com a cabeça da mulher. Para meu vizinho, a mulher pauta a vida em função da beleza e o homem, da força e da virilidade. E quando surgem os primeiros sinais de fadiga do material corpóreo – fenômeno natural até no campo da Física –, ele constata que tem prazo de validade.
Ao me ver atento ao que pregava, engoliu corda e passou a discorrer com fartura de detalhes sobre seus achados literários. Para ele, dos grandes temores do homem, o pior é o crescimento benigno da próstata, que ocorre praticamente com todos (até com os gorilas), exceto com os natimortos e os mentirosos.
Após os 40 anos – enfatizava ele, já assumindo um certo tom pedagógico –, a danada da glândula aumenta de tamanho e pressiona o canal da uretra. Isso faz com que o sujeito comece a urinar várias vezes ao dia, a perder o foco numa reunião se estiver distante do banheiro e a levantar-se de madrugada uma ou duas vezes, comprometendo o sono e o humor no café da manhã.
Mas garantiu que esse crescimento benigno é quase inevitável. Todos vão ter, se bem que apenas um terço acusará sintomas mais significativos, capazes de exigir suporte médico. Nesse caso, assegurou que existem remédios que desobstruem parcialmente a uretra e permitem urinar e viver melhor. E que só 5% dos homens necessitam de cirurgia para desobstruir a uretra.
Ainda segundo meu vizinho desocupado e estudioso, o problema não tem origem claramente definida. Surge por conta de um desequilíbrio hormonal no homem maduro, quando as células do órgão se multiplicam desordenadamente. E não tem como prevenir, só remediar.
No final, praticamente nos obrigou – eu e meia dúzia de moradores do prédio, que prestava atenção ao relato – a rever os testamentos e procurar saber o custo de um jazigo, quando arrematou convicto: “todo homem que chegar aos 99 anos vai ter câncer de próstata”.
Metade dos que estavam na mesa foi procurar o que fazer noutro lugar. A outra metade, encharcada de cerveja e caldinho de peixe, preferiu assistir pela TV da guarita da portaria aos requebros da inesquecível Clara Nunes, entoando “Morena de Angola”, em videoclipe de 40 anos atrás.
Muitos ainda relutam em ir ao médico fazer exame de próstata e só vão quando a mulher os empurra. Conheço um médico, aliás, que me contou que até nisso o papel delas na vida dos homens é decisivo. Para o doutor, “quem tolerou bem 20 ou 25 anos e superou as encrencas da vida conjugal é um casal sólido e a mulher possui um senso de preservação da família bem mais firme que o do homem...”
E complementou: “sempre falo a meus pacientes da existência de dois tratamentos: um que prolonga a existência dele, mas pode causar alguma desordem sexual. Outro, que cura menos, mas preserva mais. E quase todo homem balança antes de optar. A mulher nunca hesita. Prefere o que assegura um pouco mais de vida ao maridão, apesar do risco de sacrificar o mais barato dos prazeres. Nunca vi uma aconselhar o tratamento que dê menos chance de sobrevivência, desde que ele se mantenha duro na queda. Ela prefere preservar algo mais grandioso que construiu com ele…”
Pois bem. Se você quer saber por que a conversa com meu vizinho me deixou preocupado, sobretudo depois que a juntei com aquilo que havia me contado o tal médico, devo confessar que este texto é puramente ficcional. Esses personagens não existem.
Ou talvez existam. Já não estou tão certo. Dúvida também é coisa de cabeça desocupada que não tem nada mais sério a fazer do que se deitar numa rede limpinha e cheirosa vendo o sol se pôr, sem pressa alguma de chegar aos 99 anos.