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Existirmos: a que será que se destina?

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Fruto da saudade que sente de um grande amigo, Caetano Veloso há quase meio século questiona o propósito da vida logo no primeiro verso de sua marcante canção "Cajuína".   Agora, aos 81 anos, anuncia que vai tirar um período de “férias radicais". Uma pausa para descansar, por prazo indeterminado, após uma série de três shows na Bahia que fizeram parte da turnê "Meu Coco".   Pede a "amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos" que não o incomodem. “...Não me convidem para atividades públicas, participações, conceder entrevistas ou emitir opiniões, gravar vídeos, escrever releases e outros textos ou qualquer outra atividade, sobretudo àqueles que sabem que mais me tocariam com seus chamados…”.   Milton Nascimento, também aos 81 anos, tem aproveitado “radicalmente” sua aposentadoria dos palcos para ver televisão, encontrar amigos e viajar. Fez a última turnê da carreira em novembro do ano passado e, desde então, vive noutro ritmo, sendo descrito por seu

Bolachas e marmotas

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Todos os anos, pertinho do Natal, eu esperava na estação ferroviária o som do apito e o facho de luz que trariam  minha avó materna, a quem chamava de Mãe (diferente de mamãe) porque ela nunca quis o prenome de “vovó”. Ficava por duas ou três semanas no Sertão paraibano, longe do sítio onde vivia, no Brejo, a duas léguas e meia de Itabaiana, onde nasci.   Ela chegava com o coração dividido, não entre a esperança e a razão, como na canção  Borbulhas de Amor , cuja versão brasileira recebeu letra de Ferreira Gullar e imortalizada na voz de Fagner. Dividida, isto sim, entre matar a saudade da filha e dos netos e deixar para trás seu primo e marido, meu avô, que não arredava o pé do chão onde nascera por nada no mundo.    Devia lhe doer também afastar-se do ti-ti-ti (espécie de aboio para galináceos) com que espalhava milho e xerém ao redor da casinha de chão batido. Ainda era tempo de galinhas, pintos e pardais, de verde nos quintais, em que havia frutos num pomar qualquer de se tirar do

Certas perguntas

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  “Atenção, tripulação, preparar para o pouso!”. Mais uma vez, acordo com este velho anúncio, vindo da cabine de comando do avião que iniciava a manobra de aterrisagem.   Volta e meia querem saber de mim como alguém  que nasceu na Paraíba, foi criado em Alagoas, morou em Pernambuco e na Bahia, gosta tanto de Brasília.  Digo que não sei. É o tipo de questionamento que pressupõe que as pessoas costumam se sentir mais felizes quando moram perto do mar, com o benefício da umidade e de alguns espaços associados ao prazer e à preguiça.  Certas perguntas não devem ser feitas! Sobrevoando Brasília, essa miragem de curvas, retas e mistérios  debaixo do céu do Cerrado, volto sem gravata, paletó nem sapatos, para fazer o que mais gosto ultimamente: nada, exceto contar histórias, tateando na nebulosa fronteira entre o testemunho e a fantasia.   “Meu Deus, mas que cidade linda!”, cantava Renato Russo em sua épica “Faroeste Caboclo”, quando aqui cheguei pela primeira vez, em 1981, para participar po

Novas noites tropicais

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Há 20 anos, quando li  “Noites Tropicais – solos, improvisos e memórias musicais” , obra do jornalista, compositor e escritor Nelson Motta, fiquei só imaginando como teria acontecido um duelo doido, emocionante e técnico, no Festival de Jazz de Montreux, na França, em 1979. Bem depois pude ver as imagens, com a criação da plataforma de vídeos YouTube.   A gaúcha Elis Regina era a grande estrela da “Nuit brésilienne”. Ao lado do maestro paulista César Camargo Mariano e de um grupo de músicos, ela montou sua apresentação com grandes sucessos, embora quase nada de cunho político e, apenas por conta da exigência dos organizadores do festival, um pouco de Bossa Nova (a sua voz forte não batia com cantar baixinho e suave do movimento criado pelo baiano João Gilberto).      Hermeto Paschoal, alagoano de Lagoa da Canoa, arranjador e multi-instrumentista reconhecido nos meios jazzísticos até por Miles Davis (um dos mais influentes músicos do século XX), fez a abertura do evento. E arregaçou: fo

Ô mundão desigual!

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Deu nos jornais, semana passada, que o presidente Lula concedeu o mais alto grau da Ordem do Rio Branco à primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja.    Reprodução/Redes Sociais   A Ordem de Rio Branco foi instituída em 1963, pelo então presidente João Goulart, em homenagem ao Patrono da diplomacia brasileira. A maior condecoração dada pelo Governo Federal é destinada àquelas pessoas que, por benemerência, trabalhos meritórios ou virtudes cívicas, se tornaram merecedoras da honraria. "Acho que medalhar a esposa é uma forma de Lula mostrar a ela o quanto ela tem valor como parceira dele de todas as horas... Ele não pode confiar em ninguém. É ela quem dá o ombro para ele. Além disso, ela tem capacidade e discernimento intelectual. Eu acho justo esse reconhecimento!", escreveu a gaúcha Gaya Becker no Painel do Leitor da Folha de São Paulo.    Depois de ruminar a notícia na Barbearia do Onofre, uma das mais tradicionais da Asa Norte, em Brasília, enquanto aparava o resto de

Duro na queda

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Outro dia procurei um otorrino para remover o excesso de cera nos ouvidos, além de avaliar a progressão de uma leve deficiência auditiva que, a rigor, considero até conveniente, pois me poupa de ouvir aquilo que não me interessa.   Duvidei quando uma educada atendente, na recepção do ambulatório médico, me pediu a carteirinha do plano de saúde e o braço para colocar uma pulseira rosa (nada contra a cor!), com a curiosa ressalva de que faria parte do protocolo interno: indica que o paciente tem risco de queda.   Ilustração: Umor  Quase sofro uma queda, sim, mas de tanto rir. Achei que estava diante de uma daquelas brincalhonas que adoram as bobagens, postagens e tatuagens de Gabigol e outros dândis. Pensei: talvez ela viu meu prontuário e imagina que as linhas tortuosas dos últimos eletrocardiogramas estão associadas ao sobe-e-desce do Vasco.    Sobre futebol, aliás, há pouco mais de uma década, escutei por acaso (com estas fábricas de cerúmen que seguram meus óculos) uma conversa na fi

A mão Dele

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Os fatos não deixam de existir só porque ainda não fomos capazes de fazer suposições sobre eles. E não pensem que estou ficando louco por dizer o que digo. O que seria da realidade se não fosse a fantasia a tirá-la do sério?   Tudo é possível. Em algum lugar do universo deve existir um arquivo especial onde Ele – quem sabe, apenas para deleite próprio – guarda em gavetas emperradas fatos que estiveram a ponto de acontecer e que por um motivo qualquer não vingaram. Lá estariam armazenadas versões do que poderia ter chegado a jornais, livros, revistas ou ao diário particular de qualquer um do que poderia ter sido e não foi.    Todo mundo diz que se o “se” – esta inquietante conjunção subordinativa que nos propõe hipóteses, traduzindo nossas incertezas – jogasse futebol, seria o melhor goleiro ou o maior goleador do mundo.    Discordo. Quando escrevo, nunca abro mão do universo de possibilidades contidas no “por que não”, no “quem sabe”, no “talvez”, no “vai que”, sem o qual um texto se t

Com o caju na mão

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Deu o que falar uma peça publicitária estrelada por uma famosa atriz, mas já saiu  de circulação (a peça, bem-entendido!). Mostrava a beldade colhendo um caju. Dois pequenos descuidos chamaram a atenção dos internautas. Além de o fruto estar pendurado no galho de cabeça pra baixo, a árvore não era um cajueiro, que chega a alcançar 10 metros de altura, possui copa larga, tronco tortuoso e galhos pendentes.   Reprodução/Tweeter Tem quem veja o dito-cujo como o fruto do cajueiro quando, na realidade, é a castanha. Nada de mais. Nem sempre aquilo que dá maior prazer é a fruta em si, sobretudo numa fase da vida em que uma caipirinha bem socada, rodela por rodela, desperta as papilas gustativas na língua, no céu da boca, na garganta e até na memória. Tem sido assim desde a mordida de Adão no fruto proibido.   A campanha publicitária era de uma marca de cosméticos muito conhecida por usar em seus produtos ingredientes típicos do Brasil, como a bromélia, o capim-limão, a carambola, o mandacaru

Benza-te Deus, Vó!

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Trago comigo que o sorriso continua sendo a roupa mais luxuosa que alguém pode vestir, o reflexo de uma alma em movimento ou a curva mais bonita do corpo humano.    Foto: Rosângela Escórcio Lima Um amigo me manda uma fotografia e pergunta se me lembro de Vó, que vendia jornais e revistas numa banca no 2º subsolo do edifício-sede I (o primeiro!) do Banco do Brasil, em Brasília, na segunda metade do século passado, ao lado do “Bandejão”, onde todo dia se restauravam mais de três mil almas.  No fecho, a boa nova: “esta semana ela completou 100 anos”.    Quis responder, mas me segurei diante da plenitude da imagem. Sou dos que acreditam que a fotografia é uma forma de expressão silenciosa capaz de congelar cenas e cores que a mente uma hora esquece. Que transforma algo comum em extraordinário. Dispensa comentários ou legendas.   Até ontem, Vó, eu nem sabia o teu nome completo, e só hoje descobri: Helena Escórcio Lima, mãe de 12 filhos (só metade vive) e bisavó de sete bisnetos.  Você não f

Quase todo dia

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Foi-se o tempo em que uma boa menina, usando capuz encarnado (ressalte-se, sem nenhum viés político-religioso!), seguia pela estrada afora, sozinha, levando bolos e doces para sua querida  vovozinha. Ainda não havia celulares nem redes sociais, mas sua zelosa mãe já recomendava não dar ouvidos a estranhos. Porém caiu na lábia de um lobo perverso que dela conseguiu descobrir o local de destino. E ao chegar lá, a netinha foi recebida com terceiras intenções pelo próprio animal disfarçado, que inclusive já havia comido a vovó  ( literalmente, o que é pior). O resto você sabe.  Não  parece,  mas eu também um dia já fui neto e, entre calçadas, esquinas e praças, ainda sem celulares nem web , provei de quase todos os tarecos, traquinagens e mariolas que a rua oferecia a um representante daquilo que o poeta Jessier Quirino chama de "nação do desassossego". Por isso, eu seria capaz de jurar que já tinha visto de tudo sobre “artes infantis”, mas me enganei. Os tempos são outros e ando