Na série de ficção científica Black Mirror, lançada há 10 anos, uma viúva faz contato com a versão virtual de seu falecido marido através de um serviço revolucionário. A aproximação começa com mensagens de texto, já que o sistema fora alimentado por uma base de dados (chats, e-mails, imagens, redes sociais etc.) sobre o comportamento do casal em suas interações enquanto ele ainda era vivo.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Almas virtuais
Na série de ficção científica Black Mirror, lançada há 10 anos, uma viúva faz contato com a versão virtual de seu falecido marido através de um serviço revolucionário. A aproximação começa com mensagens de texto, já que o sistema fora alimentado por uma base de dados (chats, e-mails, imagens, redes sociais etc.) sobre o comportamento do casal em suas interações enquanto ele ainda era vivo.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
Memórias de meu cárcere
Como não beber dessa bebida amarga? Parece fácil acordar às quatro e meia da madrugada e caminhar solitário no silêncio de meus barulhos, por uma hora, a tropeçar aqui e ali nas quinas que se metem no meu caminho entre a cozinha e a varanda onde o vento e os primeiros sinais de luz juram que a agonia vai passar.
Parece simples trocar o noticiário da hora pelas canções de ontem, a engolir minha dose de alienação sobre o horror instalado no desmantelo da hora. Prefiro ouvir Simone cantar Aldir, a dizer que posso pegar aquele feijão preto, pôr meia dúzia de latas pra gelar e mudar a roupa de cama que tudo volta já.
Parece fácil preparar todo dia a própria comida sem despencar na rotina de sal, gordura e limão ou vinagre, no forno ou no fogão, depois de limpa a última ruga da folha de alface como se ali cochilasse o monstro insaciável que pode acabar com tudo em duas ou três semanas.
Faz de conta que é natural ver Magdala resignada, sem botar os pés na calçada há sete meses – nem mesmo para afogar nossos netos de abraços e beijos salgados de lágrimas –, a compartilhar o mesmo trajeto que fiz minutos antes para depois, na varanda, longe das franjas de espuma que escorrem na praia, pegar uma cor ou fazer um cabelo bonito pra eu notar.
Parece simples deixar a escuridão da caverna uma vez por semana, em liberdade provisória por meia hora, apenas para manter vivo o motor do carro, enquanto uns, de máscaras ou não, passeiam pelas ruas fingindo não sentir medo de ver emergir o monstro que engoliu mais de 150 mil irmãos.
Parece fácil ver tantas crianças fora da sala de aula, cujos pais, prisioneiros de suas próprias incertezas, não sabem como, sem os dilemas do convívio na escola, lhes ensinar os deveres de casa em matérias básicas como colaboração, generosidade, compaixão, resiliência e solidariedade.
Ou ainda – em meio a tanta mentira, tanta força bruta nas redes antissociais! – deixar de ir à padaria, ao cinema, ao bar, ao supermercado ou ao restaurante, certo de que local onde se aglomeram incautos é praticamente impossível não haver um infectado sequer, ainda que sem sintomas.
Parece fácil, simples. Não é.
Ainda bem que posso me deitar mais cedo quase toda noite, não para dormir o sono represado dos madrugadores, mas para mergulhar nas águas de oceanos nada pacíficos já navegados por velhos lobos-do-mar como Braga, Cony, Ruy, Sabino, Ubaldo e Verissimo.
Posso ainda, inspirado nas viagens desses marujos fabulosos, mesmo sem contato físico com o mundo lá fora, que já cheira de novo a fumaça de óleo diesel, escrever meia dúzia de palavras e queimar a paciência dos que ainda prestam atenção naquilo que tenho a dizer.
Sei que daqui a vinte anos talvez não me arrependa das coisas que fiz, mas estou seguro de que posso me arrepender das que deixei de fazer. Sei que, por vezes, optei por não mexer no roteiro do filme de minha vida, mesmo sabendo que ninguém descobre novos caminhos – apesar de Google Maps, Waze etc. – sem mudar de direção.
De fato, talvez o mundo não seja pequeno nem seja a vida um fato consumado, como disse Chico. Enquanto não chega o habeas corpus que afastará de mim esse cárcere, preciso refletir sobre como pegar os novos ventos que sopram e velejar bem longe do meu porto seguro até descobrir onde tudo isso vai dar.
Parece fácil, simples. É, parece...
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
Entre compadres
Chicó Neto e João Grilo Neto – descendentes dos andarilhos da Taperoá dos anos 1950, de "O Auto da Compadecida" –, amigos desde as primeiras letras e números, eram bancários, quarentões, além de compadres e vizinhos no bairro de Manaíra, na orla de João Pessoa, até o começo do ano passado. Tão unidos que, sem o menor pudor, um dia João bateu na porta de Chicó com um pedido de risco cabeludo:
Tarde da noite, ao retornar, João notou que esquecera o controle remoto com que abriria o portão da garagem. Parou então numa vaga no estacionamento público em frente ao apartamento de Chicó, que a tudo assistia pela brecha da persiana. Foi só João apagar as luzes que Chicó desceu com a chave reserva e reposicionou o carro uns 200 metros adiante. No dia seguinte, João mal pulou da cama e já foi devolver o veículo. Quase infarta!
Ao retornar cheio de fatos, filmes e fotos, Chicó decidiu oferecer um jantar aos amigos, inclusive o compadre. Minutos antes dos convivas chegarem, surtou ao descobrir o que havia descongelado com todo cuidado:
– Mulher! O miserável ainda escreveu nos sacos: Macaxeira ao thermidor, Batata-doce gratinada, Inhame em rodelas com alcaparras...
E sem videogame para matar o tédio de criança nessas visitas, a afilhada, sem querer, azedou o baião-de-dois para quatro:
– Esse povo fala demais, filha...
Duas semanas adiante, João seria transferido para Recife, seguro de que lá teria melhores oportunidades de crescimento profissional. Como nunca gostou de despedidas, foi-se num piscar de olhos com a facilidade dos solteirões.
Algumas tulipas depois, num daqueles silêncios que fazem parte de toda conversa entre velhos amigos e compadres, João confere (a incerteza é a mãe de todas as insônias):
Calada até ali, Ariana encosta a cabeça no peito do marido, boceja e arremata:
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
Confissões perigosas
Dizem que esse período curto reflete a banalização do tema por essas bandas – escuta-se com frequência por aqui o clássico “morreu, morreu!” – e da pressa daqueles que não querem queimar vela com quem já não tem nada, nem votos, a oferecer.
Ela agora vive a apartear discursos em funerais na condição de “confessora de leito de morte". Em dado momento das homenagens ao falecido, pede a palavra, abre um envelope e lê uma carta ou projeta um vídeo com aquilo que o morto não quis, não pôde ou não teve tempo de dizer em vida.
Vale tudo: revelar segredos felpudos, mexer em testamento em cima da hora, exibir objetos perigosos, como pornografia, artefatos sexuais, e-mails, filmes, drogas, armas, dinheiro. Óbvio, Valéria cobra da pessoa moribunda, antecipadamente, três mil dólares pelo serviço a ser prestado.
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
Mestres por acaso
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Santo remédio
De volta a Salvador, Rivaldo se aposentaria no começo de 1994 e, logo após doar as gravatas, tornou real uma antiga fantasia: comprar um "brinquedo" para navegar na Baía de Todos-os-santos. E quando, pela primeira vez, saiu do píer num pequeno bote até a embarcação, um amigo que lhe visitava, de Brasília, quis saber:
Não sou médico, mas, antes de pedir ao barqueiro para voltar ao cais, cuidei de observá-lo com mais atenção e, com a ajuda de todos os santos de plantão nos céus da Bahia, fiz diagnóstico rápido e certeiro, além de propor o adequado tratamento, sem intercorrências:
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
Chance, martírio e toalha
O episódio teve grande repercussão midiática e ele nunca o desmentiu, nem mesmo após o divórcio. Denilma, inclusive, era chamada de “governadora” e, dizem, inspirou a personagem Rubra Rosa, de Fera Ferida, novela da Rede Globo.
O Azulão, assim, perdeu a grande chance de ser reconhecido no mundo inteiro como clube formador de uma lenda do esporte mundial, com todas as vantagens disso decorrentes.
O peso do sim e o doce da culpa
Ilustração: Uilson Morais (Umor) Durante anos, os ovos carregaram o rótulo de vilões das artérias. Um só — dos grandes, de gema graúda — vin...

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Apanhar de cinturão tornou-se uma experiência inesquecível para mim. Não apenas pela dor física, mas porque nenhum de meus...
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Como vai você? Preciso saber de sua vida. Praticamente já se disse tudo sobre você, de bem e de mal, mas ninguém lhe pode negar que ainda ca...
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Na última frase da carta que deixou para sua mulher, Eudócia, antes de tirar a própria vida em maio de 1972, Agostinho lhe fez um compreensí...