quinta-feira, 7 de março de 2019

Para o resto da vida


Tudo começou em maio de 1974, aos 16 anos de idade, como menor aprendiz para serviços gerais do Banco do Brasil em Maceió(AL). O que mais queria naquele instante era ser bancário como fora o pai e poder ir ao cinema, tomar sorvete com a namorada, comprar camisas, cuecas, Placar, O Pasquim e cigarros Hollywood, sem pedir dinheiro à mãe.

Gostava de vestir o uniforme azul com a logomarca da empresa no peito e caminhar pelas ruas do bairro onde morava até o ponto do ônibus que o levaria ao centro da cidade. No trabalho, fazia de tudo um pouco, com curiosidade e prazer, desde arquivar títulos e fichas gráficas, organizar filas, fotocopiar contratos, até distribuir documentos entre os diversos setores instalados nos treze andares do prédio da Rua Senador Mendonça  nº 120. E ainda lhe pagariam 327,00 cruzeiros todo dia 20, quase um salário mínimo (Cr$ 376,80, à época). Para Shakespeare, "...são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular".


Em um final de tarde, sem nenhuma pendência sobre a mesa, assoviava sossegado Wave, de Tom Jobim, quando recebeu de um colega mais velho sua primeira lição corporativa: “Meu filho... quem assovia no trabalho é cortador de cana. Se você não tiver nada pra fazer, pegue algumas folhas de papel e escreva alguma coisa, beba um cafezinho, vá ao banheiro, mas assoviar na hora do trabalho, nunca!”.

Ainda no primeiro mês recebeu sua segunda lição quando um certo administrador lhe determinou: “vá ali na farmácia e compre esses remédios; depois, passe no Bar do Chopp e me traga duas carteiras de Carlton”. Inocente, respondeu da forma como costumava falar com seus colegas de escola: “ã-hã”. O chefão, que naquele momento recebia algumas pessoas a quem talvez precisasse demonstrar poder e força sobre os reles mortais, retrucou soberano: “ã-hã, não... responda: sim, senhor!”


A terceira lição veio quando ouviu seu chefe elogiando um velho colega investigador de cadastro e perito de balanços que, na semana anterior, fora ao cinema e, ao tentar estacionar, por descuido bateu seu carro noutro, parado. Procurou então pelo dono na área e, não o encontrando, deixou um bilhete preso ao limpador de pára-brisas: “Perdão, amigo, por bater em seu carro. Meu nome é... e aguardo seu contato (telefone...) para providenciar o reparo”.


Como ninguém o procurou, na semana seguinte dirigiu-se ao Detran (anotara a placa) e conseguiu identificar o dono que, ainda chateado com o ocorrido, foi direto ao ponto: “O sr. acha que eu seria idiota para acreditar naquele bilhete?” O velho colega, a ética em pessoa, sacou seu talão de cheques e ponderou: “Perdão de novo, meu amigo, mas se não pagar pelo prejuízo que lhe causei, não vou sossegar. Quanto lhe custou o conserto da porta?"


Na véspera do Natal de 1975, ao retornar para casa após seu último dia de trabalho como menor aprendiz, recapitulava sentado à janela do ônibus as múltiplas lições que havia recebido durante um ano e dez meses, desde a dica recebida sobre o assovio inocente de "...vou te contar/os olhos já não podem ver/coisas que só o coração pode entender..."


Tinha agora olhos e ouvidos para ver e escutar apenas o que melhor lhe convinha, sem nunca demonstrar tudo o que a cabeça sabia ou o coração sentia. Era finalmente o que chamam de adulto, essa mistura de sonhos, medos e ressentimentos em que as crianças se transformam para o resto da vida.



42 comentários:

  1. Crônica fantástica. São os detalhes que faz a diferença em nossas vidas. Muito orgulho da sua história, de você!

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  2. Que espetáculo!!!!!
    A gente viaja com suas histórias. Seu talento em descrever suas memórias, é simplesmente FANTASTICO!!!!

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  3. Ótimo!
    Descreve o quanto importante, necessário, o objetivo na vida e o convívio na formação da pessoa.
    PARABÉNS!!!

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  4. Ótimo!
    História de Vida. Aonde fica demonstrado a importância e o valor do objetivo, do Convívio na coonstrucao e formação das Pessoas.
    PARABÉNS!

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  5. Excelente crônica. Parodiando Goethe, poderíamos intitulá-la "Os anos de aprendizado do jovem Hayton Jurema". Forte abraço do Sidney.

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  6. Maravilha! Que memória! Eu me lembro de muita coisa mas não com detalhes como você. Parabéns!

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  7. Fantástico, aprendizado para a vida toda! Muito importante suas crônicas para qualquer pessoas que queira vê-las como exemplos.

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  8. Bela crônica.
    Abraços,
    Marcos Tadeu

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  9. Tive a honra de trabalhar com Hayton em duas oportunidades: primeiro, ele como Superintendente em Alagoas e, outra, ele como Superintendente de Governo. Em ambas as oportunidades pude aprender muito com seu estilo de gestão corretíssimo e um exemplo de liderança. Contribuiu muito para o fortalecimento dessa respeitada Casa bicentenária.

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    1. E eu, Emília, que, por ele, fui nomeado em Itaiba (PE), Canhotinho (PE), Gerad na Centro Salvador (BA) e Gerente Geral na Setor Público Natal (RN). Pude aprender muito com a forma de gestão dele e, dentro do possível, apliquei todos os ensinamentos. Principalmente três mandamentos recomendados no fechamento do Programa Novos Gestores: fechar o balancete com Deus, todos os dias; 2) Mostrar tudo aquilo que seu maior adversário possa ver,e; 3) Respeite seu próximo, como a si mesmo. Obrigado, grande Líder.

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  10. Amigos que numa pequena participação especial tornam-se protagonistas de nossa história de vida. A maior lição da linda leitura, pra mim, é seu cuidado em guardar as boas lições e deixar o vento apagar as outras

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  11. Que delícia ler lembranças descritas de um jeito tão leve ... com sabedoria ....e que nos provocam reflexões sobre como as vivências do dia a dia nos formam e transformam !! Lições para a vida toda !!!

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  12. Orlando Salvador de Lima7 de março de 2019 às 11:14

    Excelente. Exemplos de humildade, observador perspicaz da natureza humana, vontade de vencer, amor ao trabalho. Características que levariam o cronista, anos mais tarde, a ser um vencedor no Banco do Brasil e na vida. Parabéns por mais um belíssimo texto, Hayton.

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    1. Nem sei se ser vencedor é haver chegado onde cheguei, meu amigo. Mas sei que lutei até agora - e continuo lutando - para ser feliz e fazer felizes as pessoas com as quais convivo, do jeito que aprendi com as lições que recebi.

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    2. A ver pelos amigos que conquistou e a familia que gerou você vem ganhando esta luta com facilidade. Grande abraço.

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  13. Crônica fantástica! Uma verdadeira lição de vida!
    Mais uma vez parabéns!!!

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  14. Me identifico com tua história, Hayton. As várias lições obtidas desde o tempo em que exerci esta função no BB, no meu caso a de Menor Auxiliar de Serviços Gerais, até os dias atuais foram muito relevantes para meu crescimento pessoal e profissional. Complementaria citando o convívio amistoso das famílias nas dependências de nossas AABBs, onde firmei a grande maioria das amizades que mantenho até hoje!

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    1. Pois é, Jezrel, quando a gente menos espera chegam os netos, como se nos dissessem que a vida continua. É bom que tenhamos boas histórias para lhes contar de um tempo em que éramos apenas filhos e netos, como eles.

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  15. Parabéns por mais uma bela crônica, Haylton! Relato de uma era em que o bb recebia adolescentes e os transformava nos seus futuros dirigentes, que cresciam com raizes e amavam a Casa!
    Coisas que não vejo mais!
    Tiberio

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    1. Pois é, Tiba, como disse a respeito de outro comentário sobre a crônica, nem sei se ser vencedor é haver chegado onde cheguei. Mas sei que fiz força até agora - e continuo fazendo - para ser feliz e fazer felizes as pessoas com as quais convivi, do jeitão que aprendi com as lições que recebi ao longo da vida.

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  16. Hayton,

    Você já se transformou em im memorialista de mão cheia. Parabéns!

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  17. Excelente texto, Hayton!
    Assim como são os outros.
    Grande abraço.

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  18. É sempre uma boa surpresa ler os seus textos! Otimo!

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  19. Meu caro Hayton,
    Se talento tivesse, e cineasta/roteirista fosse, não me escaparia a satisfação de compartilhar seus textos em 3D - sensorialmente uma das formas mais autênticas de mostrar a real dimensão de sua abençoada arte.
    Para os que se encantam com o calor da proximidade da presença física, ainda há o espaço do tablado...
    Parabéns!!!

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    1. Muito obrigado, Roberto, pela gentileza de seu comentário, mas cinema e teatro são coisas bem maiores do que minhas crônicas - sem falsa modéstia. Talvez com mais chão...

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  20. Que belas lembranças, Jurema! Show!
    Lendo esse texto, lembrei de como sonhava em ser MASG. Tinha uma inveja boa do meu primo e de alguns amigos que desfilavam pela cidade de Bom Jesus-PI com suas fardas azul. Mas, como não podia ser contratado pelo BB como menor, já que na agência trabalhavam duas irmãs e um cunhado, restou-me aguardar a seleção externa de 1987, quando estava com 19 anos, para realizar o sonho de entrar no BB.

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  21. Definitivamente, sua veia literária está pródiga em frutos.
    Mas vou me permitir observar. Na
    primeira lição você deve ter invertido o sinal, já que jamais teria sido insensível e pouco polido como o rapaz que o advertiu. E na segunda, o caso é bem pior, de autoritarismo, uso indevido da autoridade para fins pessoais (proibido na CIC Disciplina) e falta de habilidade para lidar com um jovem em formação.
    Desculpe aí!
    Grande abraço!

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    1. Desculpa coisa nenhuma! Você tem razão. Mas quando olhamos a história pelo retrovisor costumamos enxergar coisas que, à época, nos passavam despercebidas. Somos todos meio cegos em relação ao passado e ao futuro. Muitas vezes até em relação ao presente. Abração, Diniz!

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  22. Grandes crônicas,uma sempre melhor que a outra. Lições de vida para quem lê.

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  23. Amigo Hayton, Excelente crônica. Gostei.

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  24. Uma linda história e belo exemplo a ser seguido!! Um orgulho para todos nós!!!

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  25. Parabéns, Hayton!
    É voltar no tempo e recordar boas lembranças. Foi realmente um momento de nossas vidas em que aprendemos muito com os nossos mestres, funcionários do Banco e com a própria instituição.
    Abraços,
    André Rizzo

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  26. Amigo Hayton, o seu texto nos faz relembrar os melhores momentos que vivemos nessa grande instituição, da qual nos orgulhamos em ter passado grande parte de nossas vidas. Obrigado!

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  27. Opa...essa de não cantar no trabalho deve tersido cousa de meu pai Romildo. Rs. Parabéns por ser um vencedor!

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  28. Caro Hayton, suas crônicas nos trazem á memória as lições de vida que realmente carregaremos para o resto da vida, sim. Muitas vezes, pequeninas coisas, nos fazem grandes. E o melhor disso, é saber ouvir os mais velhos, ou os nossos superiores. E pelo visto, você fez muito bem. Abraços

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